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Modernização policial no Brasil e Chile gera impasses da Segurança Pública

As organizações policiais dos dois países transitam entre avanços e retrocessos; nos discursos ensaiam ideais de modernização das formas de policiamento, mas na prática ainda conservam estruturas e valores autoritários.

06/12/2020 às 16h11
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura
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Modernização policial no Brasil e Chile gera impasses da Segurança Pública

Por Alexandre Pereira da Rocha

Desde o início dos anos 2000, o Chile tem sido palco de diversos protestos por mudanças nos sistemas político e econômico. A reivindicação mais simbólica desses protestos, o fim da Constituição de 1980, herança da ditadura de Augusto Pinochet. Assim, em outubro deste ano, a maioria dos chilenos votou por uma nova constituição alinhada à democracia e às questões sociais. Enquanto isso, no Brasil, embora a Constituição de 1988 tenha nascido sob a égide democrática, também guarda resquícios do período autoritário, especificamente nos setores da segurança interna e das organizações policiais.

Como se sabe, Brasil e Chile, entre os anos 1960 e 1980, estiveram debaixo de ditaduras. Tais regimes reorganizaram suas forças de segurança interna – sobretudo as polícias – para serem braços armados em defesa da ordem autoritária. Para tanto, as polícias foram insuladas e apartadas dos interesses da sociedade civil. No Chile, por exemplo, a polícia de caráter militar Carabineros ganhou autonomia e quase status de Forças Armadas. No Brasil, o governo ditatorial atrelou as polícias militares estaduais à órbita das Forças Armadas, tendo significativa ingerência nessas organizações. Isso favoreceu ao predomínio dos enredos autoritário e centralizador nessas polícias, os quais persistem, mesmo findadas as ditaduras.

Desse modo, o artigo 144 da Constituição brasileira de 1988 manteve o modelo de segurança estabelecido pelo regime militar. Destarte, preservaram-se as polícias militares como forças auxiliares do Exército, principalmente em termos de conceitos, doutrinas, efetivos, regulamentos. Outras polícias, por exemplo, as civis estaduais, continuaram com arcabouços hierarquizados e de policiamento inquisitorial. Com efeito, o campo da segurança pública ficou adstrito à vontade do Estado, com organizações policiais ensimesmadas e tendentes ao policiamento de ordem, por vezes, violentas e discriminatórias. Para a manutenção de um regime autoritário, a referida arquitetura era necessária, mas para o contexto democrático ela se mostra disfuncional.

Note-se que, a despeito das conquistas da Constituição cidadã de 1988, no caso da segurança pública, o distintivo autoritário imposto pelo regime militar ainda perdura na gênese do sistema policial brasileiro. Os arranjos do período ditatorial podem ser visualizados explicitamente nos formatos das polícias, desde o desenho rígido e hierárquico de suas organizações, distribuição dos cargos e táticas de policiamento. Bem como, implicitamente, em termos culturais, por meio de discursos e práticas, os quais ritualizam os mitos bélicos e do inimigo interno como forma de enfrentamento da criminalidade. É fato. A sociedade civil organizada brasileira desconheceu nos debates constituintes um modelo de polícia cidadã e democrática. Com efeito, prevaleceram demandas corporativas das polícias e de autopreservação frente à nova ordem constitucional.

Com o desenvolvimento da democracia no Brasil e no Chile, de algum modo, esperava-se que as polícias fossem incorporando valores e procedimentos dessa experiência. Decerto, algumas pautas democráticas têm pairado sobre as polícias brasileiras e chilenas. Por exemplo: direitos humanos, formação dos policiais, eficiência na atividade policial, policiamento comunitário, uso progressivo da força, transparência. Contudo, há limites fincados por essas polícias no que se refere à abrangência das reformas. Elas rechaçam, portanto, propostas que atentem contra suas identidades forjadas ao longo do tempo por meio de doutrinas, culturas, estruturas, regimentos. Assim, por exemplo, Carabineros de Chile e Polícias Militares brasileiras se dizem abertas às reformas, mas desde que não toquem na coluna militar que as organiza.

Agora no Chile, frente ao processo da nova carta fundamental, a experiência brasileira emite sinal de alerta: no campo da segurança pública não se deve ignorar alternações estruturais das polícias. Destaca-se que, no Brasil, os debates constituintes não alcançaram o modelo policial, com efeito, o arcabouço passado vivido e defendido pelas corporações policiais, apesar de descrições autoritárias, foi batizado na constituição democrática. Resultado: na vigência da Constituição de 1988 não prosperaram propostas de reformas estruturais nas polícias brasileiras, como alteração do sistema policial, desmilitarização, modernização das carreiras.   

No Brasil e no Chile dos dias atuais as organizações policiais idiossincraticamente transitam entre avanços e retrocessos, sendo que nos discursos ensaiam ideais de modernização das formas de policiamento e segurança, porém na prática, ainda conservam muitas estruturas e valores autoritários. Por conta disso, à luz do caso brasileiro, o Chile deveria aproveitar a janela de oportunidade, que se abre com a nova constituição para fundar um sistema policial efetivamente alinhado à cidadania e à democracia.

Em suma, o que a história do Brasil adverte ao Chile é que reformas nos sistemas policiais podem acontecer fora dos momentos constituintes, mas geralmente dentro dos enclaves estabelecidos pelas polícias. Por outro lado, nesse ambiente de mudanças progressistas no Chile, vale para o Brasil refletir parafraseando uma canção de Caetano Veloso e Gilberto Gil: “Pense no Chile, reze pelo Chile, o Chile é aqui, o Chile não é aqui”.

Alexandre Pereira da Rocha (Doutor em Ciências Sociais-UNB Policial Civil do Distrito Federal Associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública)

Fonte: fontesegura.org.br

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