Por Roberto Darós
Não há em nenhuma sociedade democrática moderna do mundo um sistema de investigação criminal tão burocrático, moroso e ineficiente como o instituído no Brasil desde a época imperial, que tem como instrumento de apuração o inquérito policial criado em 1871 pela princesa Isabel (ainda com a mesma ideologia procedimental, em plena vigência). A personificação da "autoridade policial" que preside esses mencionados procedimentos apuratórios prolixos e contraproducentes, pleiteando o monopólio da investigação criminal, além da incorporação caricaturada de uma figura autoritária que se autodenomina e pleiteia ser chamada de "excelência", tratamento imposto por lei ordinária inconstitucional (artigo 3º da Lei 12.830, de 20/06/2013), como já ficou constatado em diversos ofícios e demais expedientes por eles protocolizados, insistindo em receber um tratamento com a similaridade reverencial do magistrado, numa deferência exagerada e sem sentido lógico, perpetuando o divisionismo entre os cargos da carreira policial e criando castas jurídicas que lutam pela exclusividade da investigação criminal em um "reinado" que se fundamenta no despotismo esclarecido e no assédio moral aos subordinados, em detrimento da liderança institucional e humanitária que deveria ser exercida por esses mencionados gestores. Já tenho dito: policial não é jurista (afirmou o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, ADI 5.520).
Todos os países evoluídos do nosso planeta atribuem a missão da investigação criminal ao policial experiente que lidera as diligências, atuando diretamente no local do crime, colhendo e produzindo provas para sustentar e embasar a acusação do Ministério Público (MP) contra o autor do delito, visando unicamente ao sucesso da atividade operacional e intelectiva que é a investigação criminal executada pelo oficial de polícia, atuando e coordenando equipes transdisciplinares para cognição e colheita de provas sobre o fato criminoso.
No Brasil, aqueles que presidem os inquéritos policiais se recusam a ir ao local do crime para iniciar a investigação criminal (alegando sobrecarga de serviço), descumprindo o preceito contido no vigente Código de Processo Penal (CPP) (inciso I do artigo 6º). Ao contrário, querem trazer a investigação policial para dentro dos gabinetes climatizados com oitivas sem sentido, questionamentos inócuos, retardamento de diligências urgentes, nutrindo a falsa ideia de "garantia dos direitos do cidadão", tendo em vista que a mencionada categoria vive o dilema de ser considerada "juristas-policiais", distanciando-se cada vez mais do sucesso na elucidação de cada caso concreto, além de transformarem o escasso efetivo policial em "balconistas" de delegacias a registrarem ocorrências sobre delitos que jamais serão investigados adequadamente, exceto aqueles de repercussão midiática envolvendo pessoas famosas, sendo que as demais notitia criminis ficarão acumuladas em estantes até prescreverem por falta de autonomia técnica para que os policiais as investiguem em ciclo completo da atividade policial.
Infelizmente, a apresentação do relatório geral do anteprojeto do novo CPP, tramitando na Câmara dos Deputados como PL 8.045/2010, liderada a relatoria por um parlamentar delegado de polícia, segue essa mesma tendência negativista. Agora, dissimuladamente querem incluir a previsão em lei que o delegado de polícia determinará aos policiais sob sua subordinação que se dirijam ao local do crime (artigo 26, inciso III), mantendo-se, assim, a mesma fórmula equivocada de hoje: a autoridade policial posicionada sempre à distância das tarefas principais da investigação criminal, gerenciando inadequadamente excessiva burocracia cartorária, apostando que no futuro próximo serão feitos "flagrantes" e "investigações criminais" por videoconferência, em que o policial investigará o local do crime com uma câmera no uniforme e a referida "autoridade policial", no conforto de sua "sala climatizada" na delegacia ou talvez em home office, vai liderar a colheita e produção das provas, diligências e demais atividades policiais. Essa tendência é um terrível equívoco e uma visão imatura e inexperiente de gestão da atividade policial, em função de uma elitização de cargos gestores insensatos, despreocupados com os destinos da nação e os elevadíssimos índices de criminalidade. Isso seria cômico, hilariante, se não fosse terrivelmente dramático.
É necessária uma completa mudança de mentalidade sobre a investigação criminal no Brasil. O raciocínio correto e eficiente é o oficial de polícia, experiente e competente, estruturado em carreira única com ingresso exclusivo pela base laboral, liderando uma equipe multidisciplinar (vários cargos da mesma carreira) de profissionais policiais (agentes, peritos, papiloscopistas, psicólogos, assistentes sociais etc.), atuando no local do crime imediatamente após a ocorrência do fato delituoso, preservando o ambiente e iniciando a investigação criminal naquele instante sequencial, ouvindo pessoas (vítima, testemunhas e demais envolvidos), colhendo vestígios, arquivos digitais de videomonitoramento com imagens do ato delituoso, produzindo fotografias, fazendo as oitivas essenciais etc., em busca da autoria e da materialidade do fato criminoso e, quando possível e necessário, efetuando prisões em flagrante e apreendendo objetos e instrumentos pertinentes à cena do crime. Ao final, redigindo um "minucioso" relatório do fato criminoso a ser encaminhado ao titular da ação penal, que é o MP, comunicando o evento delituoso ao juiz criminal.
Iludem-se aqueles que pretendem reformar o inquérito policial e dar-lhe características de produção de prova produzida em contraditório, inclusive com a participação do investigado indicando e requerendo diligências (investigação defensiva). Isso será a "pá de cal" no sepultamento da atividade policial e da segurança pública como pacificadora da sociedade. Será a institucionalização da morosidade, ineficiência e impunidade na apuração dos delitos.
O ato de burocratizar a investigação criminal, levando-a para ser apurada dentro dos escritórios e gabinetes, facilita a dissimulação do investigado e vai dissipando, minuto a minuto, os vestígios que indiquem a autoria delituosa. O excessivo decurso do tempo transcorrido entre o fato criminoso e a constatação inequívoca da autoria é a consumação da impunidade. Na investigação criminal a celeridade, a competência e a inquisitoriedade são fatores essenciais ao sucesso. A ideia de contraditório e ampla defesa deve ser veiculada na ação penal, após a denúncia, jamais na investigação criminal.
Roberto Darós é advogado criminalista, mestre em Direito Processual Penal (Ufes), especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF), especialista em Direito Constitucional (Ufes), vice-presidente da Comissão de Segurança Pública (OAB/ES), conselheiro-suplente Estadual de Segurança Pública (COESP/ES) e conselheiro-Titular Municipal de Segurança Urbana de Vitória (COMSU/ES).