A segurança pública no Brasil deve ser reavaliada a fundo não devendo perceber apenas por um "arcabouço jurídico" em uma rede de tamanha complexidade que exige aplicação de ciências diversas: química, biológica, física, sociologia, filosofia e outras, além do conhecimento da realidade concreta onde existe um saber que parte do vivido da intencionalidade que não está no mundo das ideias e sim na vivência do mundo concreto, compreendendo e assumindo responsabilidade dos atos, no sentido do bem comum e da relevância ética para a humanidade, como corrobora Heidegger1 "todas as explicações resultantes da analítica da presença são conquistas a partir de sua estrutura existencial".
O crime apresenta com a complexidade fundamentada no conhecimento interdisciplinar e transdisciplinar que ultrapassa o isolamento do conhecimento jurídico por necessitar de complementariedade.
Com o olhar disciplinar apenas da disciplina jurídica o conhecimento da realidade crime se afasta a cada momento da realidade concreta provocando um estado conhecido por solipsismo2. Ocasionando um perigoso quadro, onde só existe o "eu" e suas sensações, sendo outros entes (seres humanos e objetos) como participante da única mente pensante, meras impressões sem existência própria (embora considerada uma possibilidade intelectual), acarretando o isolamento do mundo em razão da separação das ideias com a realidade concreta.
Na realidade concreta da segurança pública, a verdade se apresenta de forma polissêmica que se tenta alcançar pelos mais diversos meios de provas. No nascedouro do fato considerado típico surge na essencialidade a presença da atividade pericial buscando desde de logo a busca dos vestígios em razão de exigir urgência, conforme informa o princípio da imediatidade para não ocorrer a perda dos mesmos.
É nítida a importância dos vestígios (matéria-prima) para a materialização do valor segurança e a busca desses para seu processamento e posterior elaboração da prova pericial. Sendo essencial para aparecer a verdade dos fatos e assim, poder ser avaliada a verdade mostrada pelo produto da perícia (prova pericial) no decorrer da elaboração dos demais produtos da polícia civil e da polícia militar e transcendendo a análise aos elaborados pelo ministério público, defensorias públicas e privadas e o poder judiciário, pois a prova pericial elaborada com qualidade confere qualidade aos demais produtos. Se a perícia oficial não apresentasse caráter de segurança pública não poderia em muitos eventos ser o elemento único para a solução dos crimes ocorridos no âmbito da segurança pública porque que sem a prova científica ficaria a sensação de insegurança por não ser possível a segurança pública efetuar suas atividades.
A dificuldade da compreensão de não considerar a atividade de perícia como não de caráter de segurança pública fica mais comprometida quando voltamos ao passado e também ao presente com relação aos Estados que ainda desenvolvem suas atividades periciais no órgão de segurança pública, como corrobora Marinho3 "Não se pode extrair o sentido para o homem, de fora do homem e esse pensamento é o que se chama de redução e limitação da realidade, pois não se pode definir o homem de forma abstrata..."
A perícia nasceu nesse espaço da segurança pública por necessidade e não por acaso e o próprio desenvolvimento das ciências naturais impulsionou também a necessidade de desenvolvimento em razão das novas tecnologias, possibilitando a realizar, por exemplo, um exame de DNA, grafotécnico, balístico, fonético, da própria informática e outros, surgindo uma a necessidade de inovar.
A história já nos mostrou que a cada nova tecnologia surge um novo conhecimento e é o que está acontecendo no mundo contemporâneo onde estamos diante de uma nova ordem denominada sociedade do conhecimento que permite uma nova configuração para fazer as coisas sem a necessidade de perda de sua essência. Apenas um novo estilo surge para atender necessidades.
Se antes, inclusa naquela pasta de segurança pública, que representa uma parte do todo (segurança pública) possuía caráter de segurança pública porque ainda continuando no espaço da segurança pública atendendo as mesmas necessidades de forma mais satisfatórias, não é mais?
A visão holística que fundamenta a ordem contemporânea informa que qualquer ponto no universo tem a ver com o universo e o universo que é o todo, tem relação com o ponto e assim podemos dizer, é o que acontece na atualidade com a perícia brasileira: por ser um ponto forte no universo segurança pública não dar para compreender a não inclusão na constituição (artigo 144 CRF/1988)44, pois a essência não se perde com a autonomia apenas confere mais qualidade para a atividade pericial poder se tornar mais ativa nesse universo. Não dar para compreender o recorte efetuado no universo segurança pública, como assevera Capra (2006)5 "de onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como foi seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual é usada, e assim por diante" e o mundo não é mais linear e o novo pensamento caminha para a complementariedade orientada pela necessidade aparecendo em vários estilos.
Diante da ordem contemporânea, todos estão aprendendo a conhecer, aprendendo a fazer, aprendendo a ser e aprendendo a conviver, portanto as decisões dos poderes que afeta profundamente a vida das organizações devem ser profundamente discutidas para não correr o risco de não preencher a necessidade que orienta a inovação com a perda da essência. As decisões não podem ser enxergadas por meio de lupas que restringe a percepção da realidade concreta e no caso em tela, da referida decisão, é necessária a abertura do "arcabouço jurídico" para possibilitar o desvelamento dos mais diversos conhecimentos que constitui o universo segurança pública.
Cada indivíduo, profissional e órgão olham o mundo por meio de suas lentes culturais e nesse sentido, a verdade se apresenta na visão polissêmica, mas pode se adequar sem perder sua essência no ambiente orientado pelos mais diversos conhecimentos e resultando a mais diversas formas orientada pelo bem comum.
No caminho da ordem contemporânea, a Segurança Pública deve ser reavaliada para com a inclusão da Perícia Oficial como órgão, pois além de sempre conferir qualidade também muitas vezes é a única que não deixa a insegurança reinar no âmbito da Segurança Pública: ou por meio de exame de DNA ou por meio de exame balístico ou até mesmo por meio de uma simples perícia que não exige dispêndio de técnica mais sofisticada.
Incluir a Perícia Oficial no artigo 144 da Constituição Federal de 1988 é deixar mais verdadeiro, portanto, com mais segurança.
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1- HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução revisada e apresentação de Marcia Sá Cavalcante Schuback. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
2- Definição de solipsismo. Dicionário online de português. Dísponivel aqui. Acesso em 1/08/2021.
3- MARINHO, Girlei V. Cadeia de custódia da prova pericial: ecoprodução. 1. ed., 2021.
4- VADE MECUM. Direito Constitucional. Organização Anne Joyce Angher. 30. ed. São Paulo: Rideel, 2020.
5- CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultix, 2006.
Girlei Veloso Marinho
Mestre em gestão pública, Perito Criminal, Graduado em Direito e Farmácia, pós graduação em Direito constitucional e administrativo, Processo civil, gestão pública, Curso superior de polícia e outras.