Causou estranheza um manifesto atribuído ao general Walter Braga Netto, que teria dito: “se não houver voto impresso e auditável em 2022, não haverá eleições”. Ele embarcou na malfadada campanha do voto impresso feita pelo presidente Jair Bolsonaro, que tem sugerido falcatruas nas eleições com as urnas eletrônicas. Contudo, não há evidências de fraudes no processo eleitoral eletrônico, como alega o presidente. Logo, essa expedição de Bolsonaro soa mais como fake news a fim de agitar seus seguidores, desviar o foco dos embaraços de seu governo e deslegitimar possíveis opositores na corrida presidencial. Mesmo assim, o general Braga Netto, ministro da Defesa, preferiu o lado de Bolsonaro. Será essa também a opção das Forças Armadas?
O posicionamento do general Braga Netto parece se fundamentar na hipótese de que compete às Forças Armadas a missão de pacificação dos poderes políticos. Trata-se de uma interpretação do Art. 142, da Constituição Federal, o qual prescreve que as Forças Armadas se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Ademais, essa suposição encontra apoio na ideia de uma ética militar superior, a qual ilustra a figura do militar como acervo de civismo, honestidade, lealdade, patriotismo, tradição. Por conta disso, as Forças Armadas estariam autorizadas para o exercício de um poder moderador.
Inclusive, Bolsonaro, em cerimônia de promoção de oficiais-generais realizada em 12 de agosto, um dia após ver sua campanha pelo voto impresso afundada no Congresso, avocou a suposição do poder moderador das Forças Armadas. Aliás, ele disse ter certeza de que os militares estão do seu lado em prol do bem da nação. Nas palavras do presidente: "nas mãos das Forças Armadas, o poder moderador. Nas mãos das Forças Armadas a certeza da garantia da nossa liberdade, da nossa democracia, e o apoio total às decisões do presidente para o bem da nação".
Embora essa história de envergadura moral dos militares ecoe no imaginário de setores conservadores da sociedade civil, ela é mera falácia para justificar ingerências castrenses na vida política. Do mesmo modo, é esdrúxula, se não sinistra, a leitura do Art. 142 da Constituição da Constituição de 1988, como sendo prerrogativa para um poder moderador realizado pelas Forças Armadas. É fato. Na atual carta constitucional as Forças Armadas não estão previstas como poder para intrometer-se nos poderes políticos e estão subordinadas ao Estado Democrático de Direito.
Por isso, a manifestação do general Braga Netto de que os militares estariam em prontidão para intervir nas eleições de 2022 tem a ver com motivações políticas dele, e não com qualquer atribuição constitucional das Forças Armadas. Ou seja, essa situação expressa que há alas das Forças Armadas mais fechadas com Bolsonaro do que interessadas em defender a Pátria e garantir os poderes constitucionais.
Diante disso, é preocupante a postura do general Braga Netto, visto que ele é o ministro da Defesa. Ora, não se trata de mera opinião particular do cidadão Braga Netto, mas pode sinalizar obediência do ministro da Defesa à resolução emanada da autoridade suprema das Forças Armadas – o presidente da República Jair Bolsonaro. Note-se, as Forças Armadas são organizadas com base na hierarquia e na disciplina, logo o posicionamento do ministro da pasta, ainda mais em consonância ao do presidente da República, deve ser observado com vigilância. Enfim, no posto de ministro, o discurso do general Braga Netto possui força e pode ser interpretado como ordem entre os militares.
Porém, não se sabe até que ponto as visões golpistas de Bolsonaro e, seguidas por Braga Netto, encontram adesão no meio militar. O que se vê são rastros da preferência dos militares por Bolsonaro. É fato. Com o ex-capitão na presidência, a caserna tem ganhado tratamento diferenciado. Cita-se, por exemplo, a reforma da previdência, que não só poupou os militares, bem como elevou seus soldos. Além do mais, militares têm recebido cargos nos diversos escalões do governo federal, os quais vão de ministros de Estado, chefes de estatais e cargos de confiança. Só a título de informação, segundo levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), em julho de 2020, havia 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo Bolsonaro. Destarte, há uma intensa balconização de cargos do governo federal para os militares, que, para se manterem nessa condição, provavelmente optam por Bolsonaro.
A atitude do Braga Netto é mais um episódio que corrobora a politização das Forças Armadas promovida por Bolsonaro, portanto. Infelizmente, ele não é caso isolado, pois há militares de diversas patentes tolerantes às bravatas antidemocráticas do presidente. Pior, ainda há atualmente militares da ativa que prestam continência ao golpe de Estado de 1964, tanto que não se vê qualquer nota oficial do alto comando militar contrária às algazarras bolsonaristas por intervenção militar. Com efeito, essa politização das Forças Armadas – com as piores faces do bolsonarismo – é uma ameaça à democracia.
Dessa forma, resta saber se as Forças Armadas brasileiras são efetivamente leais ao Estado Democrático de Direito instituído com a Constituição de 1988 ou se ainda avaliam a possibilidade de aventuras autoritárias. Assim, hoje as Forças Armadas precisam realizar uma escolha fundamental, a qual é optar entre democracia e Bolsonaro, uma vez que está cada vez mais evidente o quanto são realidades distintas e excludentes.
Alexandre Pereira da Rocha - Doutor em Ciências Sociais (UnB), Policial Civil no Distrito Federal (PCDF), Associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)