Por Andrei Augusto Passos Rodrigues
Sede do TSE em Brasília: ataques planejados para minar confiança na democracia brasileira
Os recentes ataques criminosos aos sistemas do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STJ (Superior Tribunal de Justiça), bem como as agressões dirigidas ao STF (Supremo Tribunal Federal), impõem uma importante reflexão: o Brasil possui uma estratégia de segurança adequada aos riscos atuais, e adota boas práticas para enfrentar os desafios nesta área?
Para tentar responder esta pergunta, é importante entender a gravidade desses ataques, potencializados pela descoordenação nacional para o enfrentamento, contexto marcado ainda pelo recrudescimento da criminalidade, refletido nos índices recentemente divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo revelado pelo presidente do TSE, a Justiça Eleitoral foi vítima de ataques coordenados ao seu sistema informatizado, com origem no Brasil, Estados Unidos e Nova Zelândia. Foram mais de 460 mil por segundo, com a intenção de “derrubar” o sistema no dia das eleições e, ao que parece, com o propósito de alimentar a irresponsável narrativa de que o sistema é frágil e passível de fraudes.
Um caso clássico de ameaça híbrida, com origem incerta, de múltiplas fontes e com o objetivo de causar instabilidade institucional. Importante registrar que há mais de 20 anos o sistema eleitoral brasileiro é motivo de orgulho ao país, mostra-se seguro e exemplo mundial de sucesso e eficiência na garantia da democracia.
No caso do STJ, com o ataque virtual houve paralisação total do andamento de processos na Corte, com riscos de perda de dados, de processos, de provas, de violação de dados sigilosos, entre outros danos. Isto poderia acarretar, pode-se projetar, um completo caos no sistema de justiça criminal, com consequências que poderiam ir desde a soltura de presos à inviabilidade do seguimento de milhares de processos.
No mesmo passo, o STF foi vítima de toda sorte de ataques, a partir de um complexo esquema de disseminação de falsas notícias em redes sociais, para prejudicar ou por em perigo a independência do Poder Judiciário e o próprio Estado de Direito, como acentuou o ministro Alexandre de Moraes em processo que investiga a extensa gama de crimes. Neste caso, e de maneira independente, a própria plataforma Facebook desarticulou 73 contas de usuários, atingindo mais de 1,8 milhões de usuários, por “comportamento inautêntico e coordenado”.
Além desses casos recentes que atentam contra a institucionalidade brasileira, é importante constatar que o uso de moedas virtuais para a lavagem de dinheiro, o abuso de crianças e a exploração online, os mercados negros para o comércio ilícito de drogas e armas de fogo, ataques virtuais em suas diversas modalidades e traficantes que usam as redes sociais para atrair vítimas, são uma triste realidade.
É necessário, portanto, construir estratégias específicas, já que o uso da tecnologia amplifica as ameaças e o poder de causar danos. Nenhum desses crimes pode ser combatido com pistolas ou fuzis; devem ser enfrentados com as armas da inteligência e estratégia.
Até queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, nos anos 80/90 – fenômeno que pautava grande parte das relações políticas do mundo – segurança era sinônimo de opor-se a outros países, gerando riscos e ameaças, reais ou não. A instabilidade e a tensão permanente gerada por essa política levavam à equivocada análise de que a dissuasão baseada em armamento e poder militar poderia levar à invulnerabilidade.
Os tempos avançaram, os conceitos mudaram, e a sociedade e os estados atuais perceberam que, além das ameaças tradicionais, surgiram ameaças difusas – das quais o ataque terrorista às torres gêmeas de Nova York, em 11 de setembro de 2001, é, infelizmente, o símbolo. Nenhuma ameaça atual pode ser confrontada por meios puramente militares, e, no Brasil são potencializadas por situações de vulnerabilidade, como desequilíbrio demográfico, desigualdade social e instabilidade política e econômica.
E é neste ponto que o Brasil precisa avançar. No campo dos crimes cibernéticos (como em regra nos demais), diferentemente de países evoluídos, aqui não existe uma unidade central na área de segurança pública capaz de promover a gestão do conhecimento, identificar riscos, neutralizar ameaças e reduzir vulnerabilidades. Mais que isso, inexistem estratégias de ação integradas e coordenadas nacionalmente, com alocação de recursos, definição de objetivos, metas e prazos.
O Brasil não é signatário do Convênio de Budapeste (2001), que visa melhorar as técnicas de investigação em crimes cibernéticos; a Estratégia Nacional de Segurança Cibernética não tem foco no enfrentamento à criminalidade; o Plano Nacional de Segurança Pública, mais de dois anos após a aprovação da lei do SUSP, ainda não viu a luz; e, ainda que desde 2012 a Lei 12.735 preveja a criação de delegacias especializadas em crimes cibernéticos, isto não é uma realidade brasileira.
Sob o prisma do cidadão, segurança é um estado de ausência de ameaças que possam por em risco algo que nos pertence; a outra face desse processo são as ações que o Estado tem por obrigação adotar para chegar-se ao desejado estado de tranquilidade. As novas ameaças à segurança e o atual cenário mundial exigem cooperação internacional, participação em órgãos multilaterais, atuação sinérgica dos entes federados com coordenação nacional, sob pena de tentarmos enfrentar desafios do século 21 com práticas dos anos 80.
Armamento, coletes balísticos e viaturas são fundamentais para a atividade policial, mas passam longe de ser a solução a ser oferecida pelo Estado para enfrentar com efetividade o desolador cenário atual e a dinâmica das novas ameaças à segurança pública.
Andrei Augusto Passos Rodrigues
Delegado de Polícia Federal, mestre em Alta Gestão em Segurança Internacional e ex-secretário Extraordinário de Segurança para Grandes Eventos.