Na semana passada o governo federal lançou o programa Habite Seguro, que visa subsidiar a compra de casa própria para profissionais de segurança pública. À primeira vista, parece ser uma iniciativa bem-vinda para atenuar o problema salarial dos policiais. Mas, olhando mais de perto, com base nos números e estatísticas, constatamos que não passa de uma medida demagógica para agradar uma clientela política.
O programa Habite Seguro utilizará recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. A Caixa Econômica Federal será a instituição financeira responsável pela sua execução através de uma linha de crédito especial. O subsídio pode chegar a R$ 2.100 para a tarifa de contratação e até R$ 12 mil no valor de entrada, e ainda se somar ao subsídio concedido pelo Programa Casa Verde e Amarela.
Poderão receber subsídio os profissionais da segurança pública que ainda não possuem imóvel próprio, com renda mensal de até R$ 7 mil, que optem por comprar um imóvel com valor de avaliação de até R$ 300 mil. O programa irá contemplar policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais civis, policiais penais e policiais militares, bombeiros, ativos e inativos, da reserva remunerada e reformados. Também poderão ser contemplados os agentes penitenciários, peritos e papiloscopistas integrantes dos institutos oficiais de criminalística, medicina legal e identificação, ativos e inativos, bem como os guardas municipais.
Este tipo de iniciativa não chega a ser novidade. Ao longo da última década foram apresentados projetos de lei visando subsidiar a compra de imóveis para policiais. Os projetos tinham vicio de origem, pois só o Poder Executivo pode propor leis que impliquem aumento dos gastos públicos.
No passado, houve várias tentativas de implantar programas habitacionais através da criação de linhas de crédito especial nos bancos públicos. Via de regra, estas iniciativas esbarravam nas condições de financiamento dos bancos, uma vez que seus estatutos não permitem este tipo de subsídios. A solução buscada então foi financiar estas linhas de créditos especiais com recursos de fundos governamentais com o FAT, o FGTS e o FUST. A novidade desta vez é a utilização do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) para subsidiar os empréstimos.
Inicialmente estão previstos R$ 100 milhões para financiar o Habite Seguro. Esse montante permitirá o financiamento de pouco mais de 8.000 contratos. É muito pouco se consideramos o conjunto dos profissionais de segurança pública do país. Uma rápida olhada nos números mostra que esta iniciativa não fará muita diferença na vida da grande maioria dos profissionais de segurança pública brasileiros.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, existiam mais de 760 mil profissionais de segurança pública no Brasil. O número não inclui os guardas municipais nem os profissionais da reserva. Ainda de acordo com o Anuário, 45,3% dos policiais militares, civis e bombeiros recebiam menos de R$ 5.686,00 de salário bruto em 2020. Sendo que o grupo com menor remuneração eram os sargentos, cabos e soldados das polícias militares. A mediana do salário bruto dos sargentos é de R$ 7.420,00, dos cabos é de R$ 5.485,00 e dos soldados é de R$ 4.476,86.
O problema não se restringe aos baixos salários dos praças. Ainda de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a diferença entre os maiores e os menores salários pagos aos policiais brasileiros é cerca de 15 vezes. No Rio de Janeiro essa diferença é de 35 vezes. É um desequilíbrio enorme se compararmos com outros países como EUA, Inglaterra e Canadá, onde a diferença não ultrapassa 6 vezes.
O programa Habite Seguro não atenuará esta situação. Trata-se de um pequeno paliativo para a falta de uma política nacional de salários dos policiais. Já é hora de discutirmos um piso salarial nacional para os policiais, como já existe na área de educação.
Isso, obviamente, não é fácil, pois implica uma pactuação entre União, Estados e Municípios. Exige, portanto, capacidade de formulação e negociação. Na falta dessas habilidades, é mais fácil – e lucrativo – anunciar medidas demagógicas que não resolvem os problemas reais dos policiais brasileiros.
Arthur Trindade M. Costa
Professor de sociologia da Universidade de Brasília e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.