Desde o advento do PIX, em novembro de 2020, como meio simplificado de pagamentos e transações financeiras, mais de R$ 441 bilhões foram movimentados no Brasil¹. Por certo, essa quantia chama atenção de criminosos. Mas, além disso, o que tem atraído criminosos para atuar no mercado do PIX é a facilidade de obter alguma vantagem econômica instantaneamente. Nesse aspecto, o PIX, que surgiu como ferramenta para agilizar o dia a dia das transações financeiras, também se tornou uma forma mais simplificada de os criminosos obterem vantagens das vítimas.
Por meio do PIX, criminosos especializados podem cometer vários tipos de delitos, como estelionatos, extorsões, sequestros. Os mais comuns são golpes e fraudes, nos quais delinquentes lançam mão de algum estratagema para enganar e conseguir a vantagem econômica. Em geral, são crimes perpetrados sem agressões físicas e realizados no espaço virtual; por exemplo, chantagens por meio das redes sociais, fraudes em aplicativos e sites de compras, falsificação de boletos, clonagem de celulares. Entretanto, o crime que mais preocupa é aquele cometido com violência, que é o caso do sequestro-relâmpago. Nesse crime, geralmente cometido sob ameaças psicológicas e físicas, criminosos obrigam vítimas a realizar transferências de dinheiro via PIX.
Com o PIX, os casos de sequestro-relâmpago voltaram a ocupar os noticiários dedicados à divulgação da violência urbana; bem como, provavelmente, venham fomentando o medo desse tipo de crime. Segundo um levantamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, houve alta de 39% dos sequestros-relâmpagos no primeiro semestre 2021, em relação ao mesmo período do ano anterior².
Nesse estado, a Polícia Civil tem identificado atuação de quadrilhas especializadas, as quais estariam migrando de outras modalidades criminosas para delitos envolvendo o PIX. Ademais, tais grupos teriam como modus operandi: atuar em regiões de maior poder aquisitivo e realizar levantamento das prováveis vítimas. Além disso, essas quadrilhas se caracterizam pela divisão das tarefas, com indivíduos responsáveis pelo ataque e cárcere das vítimas; e outros especialistas em tecnologia dedicados às transferências dos valores para as contas bancárias³.
A prática do sequestro-relâmpago para obtenção de vantagens econômicas sob a ameaça de vítimas não é novidade. O novo agora é o sequestro tendo o PIX como forma de alcançar a vantagem econômica. Esse crime é análogo às ações violentas que obrigam vítimas a sacar dinheiro em caixas eletrônicos. Note-se que, a partir dos anos 1990, a oferta de caixas eletrônicos se ampliou bastante, sendo possível encontrá-los 24 horas e além das agências bancárias. Com efeito, abriu-se uma nova oportunidade para criminosos, que vislumbraram nesse campo uma modalidade criminal menos arriscada e com maior retorno financeiro (4). O que mudou na atuação das quadrilhas do PIX para quadrilhas de caixas eletrônicos foi só o meio, pois a forma de manter as vítimas em cárcere para obter vantagens ilícitas é mesma. O sequestro-relâmpago – a extorsão que depende de uma atuação da vítima – continua sendo a estratégia para conseguir o proveito financeiro, portanto.
Nessas formas de sequestro, destaca-se que a tendência é que sejam realizados por grupos mais especializados. Ainda mais no contexto do PIX, visto que são necessários conhecimentos sobre o funcionamento de ferramentas digitais e as funcionalidades do atual mercado bancário. Note-se que, na era do PIX, o produto do crime do sequestro-relâmpago, o dinheiro físico, não existe imediatamente na mão do criminoso, mas está disperso num emaranhado de contas “frias” e “laranjas” distribuídas em bancos digitais. Por isso, é bem provável que as quadrilhas do PIX tenham conexões com outros ramos da criminalidade, a fim de que possam lavar o dinheiro e dificultar as investigações policiais.
Para mitigar os casos de sequestro-relâmpago, seja o cometido com uso de caixas eletrônicos ou do PIX, as instituições bancárias têm adotado especialmente restrições nas movimentações financeiras dos usuários, como redução dos limites de transferências, especialmente em horários noturnos (5). Embora não impeçam a prática delituosa, essas medidas tendem a dificultar e desestimular os crimes, visto que atingem na expectativa de retorno financeiro dos criminosos. Além disso, é necessário melhorar a atuação policial na identificação de criminosos e desarticulação das quadrilhas especializadas nos sequestros-relâmpagos.
De toda forma, na era do PIX, seja por meio de golpes, fraudes ou sequestros-relâmpagos, ressalta-se que são crimes proporcionados por espaços e canais digitais. Com a expansão desse mercado digitalizado, provavelmente considerável parte da criminalidade migre para essa seara. Com efeito, a tendência é que casos de delitos tendo o PIX como meio de lesar as vítimas sejam mais frequentes na vida das pessoas e nas estatísticas sobre criminalidade.
¹ Pix cresce entre transferências e golpes disparam; veja 6 dicas para não cair em nenhum deles. IstoÉ. Disponível em: https://www.istoedinheiro.com.br/pix-cresce-entre-transferencias-e-golpes-dsiparam-veja-6-dicas-para-nao-cair-em-nenhum-deles/
² Roubo com Pix dispara em SP; sequestros-relâmpago crescem 39%. Estadão. Disponível em: https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,golpe-do-pix-dispara-em-sp-e-no-interior-alta-de-39-nos-sequestros-relampago,70003821640
³ Quadrilhas do Pix: sequestro-relâmpago dispara em SP e criminosos migram para novo crime da moda, diz delegado BBC Brasil. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58286706
4 Sequestro-relâmpago cresce 13 vezes. FSP. 27 de outubro de 1998. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff27109801.htm
5 Pix terá novas regras para aumentar a segurança dos usuários. GOV.BR. Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/financas-impostos-e-gestao-publica/2021/08/pix-tera-novas-regras-para-aumentar-a-seguranca-dos-usuarios
Alexandre Pereira da Rocha
Doutor em Ciências Sociais (UnB), Policial Civil no Distrito Federal (PCDF) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).