No dia 29 de setembro de 2021 foi publicado o Decreto n° 10.822, de 28 de setembro de 2021, o qual institui a revisão da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030. O decreto publicado no final de setembro fazia referência a duas outras normas publicadas em 2018: Lei n° 13.675, de 11 de junho de 2018, que criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social e instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), e o Decreto n° 9.489, de 30 de agosto de 2018, que regulamenta os procedimentos para a implementação da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social.
A mudança realizada em 2021 foi cercada de grande espera e cautela pelos especialistas do setor, muito em conta pelo entendimento de segurança pública do governo Bolsonaro que, em diversas situações, colocou que os princípios basilares para a área não estavam pautados na prevenção, na garantia dos direitos humanos, na diminuição da circulação de armas, dentre outros.
A fim de compreender as mudanças advindas com o Decreto de 2021, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública realizou um quadro comparativo com algumas dimensões analisadas, que pode ser acessado aqui.
Preliminarmente, vale ressaltar que os mecanismos de governança que estavam previstos na Lei do SUSP, como o SINAPED (Sistema Nacional de Acompanhamento e Avaliação das Políticas de Segurança Pública e Defesa Social), não estão mais disponíveis no Decreto aprovado em 2021. Assim sendo, a atuação de outros entes federativos foi enfraquecida, com a União se consolidando como instância deliberativa da política de segurança do país. Nessa toada, o Ministério da Justiça tem papel central - e aqui vale ressaltar a mudança de sua função mais em um sentido deliberador do que coordenador. O governo Bolsonaro, assim, enfatiza o controle operacional da segurança pública, em detrimento do contexto subnacional e municipal.
O PNSPDS, aprovado em 2021, preocupa também em outros sentidos: categorias de análise como feminicídios e mortes decorrentes de intervenções policiais (MDIP), ambos monitorados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado pelo FBSP, foram invisibilizados. As MDIP serão, assim, somados à categoria geral de homicídios, o que dificulta o dimensionamento da letalidade policial. Vale ressaltar, inclusive, que o Anuário de 2021 mostrou que, entre 2019 e 2020, o aumento foi expressivo em alguns estados, como Mato Grosso (76%), Pernambuco (56,6%), Rio Grande do Sul (48,9%) e Tocantins (48,4%). Os temas de carreiras e valorização profissional, a não ser pela previsão de realizar perfil profissiográfico, também foram conceitos invisibilizados; mesmo que ambos estivessem presentes em suas promessas de governo.
Os conceitos de polícia comunitária e proximidade saíram do foco, muito também pela centralidade da União na construção da política pública de segurança.
Ainda no âmbito dos indicadores, vale ressaltar a diferença da periodicidade a depender do tema. Em geral, os indicadores serão acompanhados a cada três meses, ou em uma periodicidade maior. Como exceção, os indicadores de policiais mortos, suicídios de policiais e crimes patrimoniais serão acompanhados mensalmente. A questão por trás da escolha da periodicidade, além da própria prioridade, está relacionada com, novamente, a centralidade do Governo Federal nesse acompanhamento - sendo uma questão operacional, a dúvida que resta é se isso não seria da alçada operacional e quais são os benefícios de serem monitorados pela União.
Como balanço geral, compreende-se que o governo Bolsonaro perde a chance de implementar uma Política Nacional de Segurança Pública que contemple os diversos desafios enfrentados pela sociedade e persiste em realizar uma política de liberalização de armas. A falta de valorização profissional - uma das suas promessas de campanha, inclusive - e o apoio às operações letais também se mostram mais evidentes no PNSPDS. Os casos recentes de quadrilhas e de violências brutais, tais como o visto em Araçatuba, interior de São Paulo, são um dos efeitos da política implementada até então, e que tende a ser continuada com o Plano aprovado.
Em suma, a revisão da Política fragiliza a ideia de cooperação, enfraquece a transparência ativa e fortalece a centralização de decisões. E, ao fazer isso, atenta contra o espírito da própria Lei que criou o SUSP, que foi pensada em uma chave não subordinativa e, sobretudo, de segurança pública como um direito.
Amanda Lagreca - Bacharel em Administração Pública pela FGV EAESP. Pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Fonte: fontesegura.org.br/