Apesar de não utilizar a expressão Polícia, a Lei 13.022/14 define atribuições típicas de polícia às Guardas Municipais. No artigo 2°, por exemplo, menciona que sua função é a proteção municipal preventiva e no artigo 5°, no qual estão detalhadas as competências específicas da instituição, dois incisos são reveladores :
III - atuar, preventiva e permanentemente, no território do Município, para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais;
IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social.
O Estatuto Geral das Guardas Municipais viabilizou a concepção de que a organização poderia atuar no controle mais amplo da criminalidade, como se depreende das expressões "proteção sistêmica da população" e "contribuição com a paz social". Não é casual que o ano de 2014 tenha se transformado em ponto de inflexão na trajetória institucional das guardas municipais na sociedade brasileira. Desde então muitas delas incorporaram a expressão Polícia a suas nomenclaturas oficiais e, para além disso, acentuaram processo já em curso de mimetismo em relação às polícias militares. Suscitou-se, contudo, a dúvida quanto à eventual constitucionalidade da Lei 13.022/14. Entidades corporativas de policiais militares impetraram no STF, inclusive, Ação Direta de Inconstitucionalidade nessa perspectiva.
Caso o Congresso Nacional aprove a emenda constitucional proposta pela comissão da reforma administrativa, esse imbróglio jurídico e institucional fica resolvido. As guardas municipais passam a ser reconhecidas definitivamente como policias municipais, o que já vem acontecendo na prática. Isso não significa que tais organizações devam adquirir armas de fogo obrigatoriamente ou mesmo devam criar grupos táticos de repressão ao tráfico de drogas. O fato de serem reconhecidas como polícias do ponto de vista legal e constitucional não as legitima para a adoção automática de modelo de enfrentamento bélico contra a criminalidade. Nada disso. E por uma simples razão. A mesma Lei que reconhece as atribuições policiais das guardas municipais deixa muito claro qual o modelo de polícia que deve norteá-las. Basta uma leitura atenta do artigo 5° da Lei 13.022/14 para se concluir que a vocação das guardas municipais na sociedade brasileira é o preventivo, o comunitário, a mediação de conflitos. Em outras palavras, está dada uma janela de oportunidade para que os municípios brasileiros invistam em polícias locais em moldes próprios, com identidade singular e completamente imersos na vida comunitária.
Luis Flavio Sapori - Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública
Fonte: fontesegura.org.br/