O site Varela Notícias teve acesso ao teor de uma investigação que aponta que servidores públicos de Conde, município localizado a 180 km de Salvador, estariam envolvidos em uma série de crimes. Os documentos indicam a participação de um soldado da Polícia Militar na morte do empresário Adriano Marcelo Barbosa Reis, em abril de 2018 e a omissão de um delegado, que também é acusado de vender ilegalmente armas apreendidas. Os nomes não serão divulgados em respeito a lei de abuso de autoridade.
O dossiê foi feito pelo Investigador da Polícia Civil Marco Oliveira Leite. Ele iniciou sua carreira na corporação em 2016, sendo inicialmente designado para a sede da Coordenadoria de Policia Civil de Alagoinhas, depois foi alocado na Central de Flagrantes em Salvador e no ano seguinte conseguiu transferência para Conde, cidade próxima de Aracaju, sua terra natal.
Em denúncia, Marco descreve ter tido conhecimento das ações ilegais em 2017, logo após ter chegado na cidade. Ele conta que a relação dele com o soldado se iniciou quando ele ajudou a prender um conhecido traficante da região, e se estreitou ainda mais quando pediu auxílio para recuperar o notebook roubado de um primo.
Com mais intimidade, o militar se sentia confortável para falar sobre as ilegalidades que cometia junto com outros colegas. “A princípio eu imaginava ser um Policial íntegro, mas com o passar do tempo, comecei a conhecer com mais propriedade […] os policiais se sentiram mais à vontade para falar sobre as ações ilegais que cometiam naquela cidade e, que em oportunidades outras, sempre escutava diversos tipos de diálogos, sejam relacionados a assuntos outros e também de crimes, sejam consumados ou a tipificá-los”, diz um trecho do relato, que ainda acrescenta o consentimento do delegado.
Um dos crimes que o PM teria assumido ter cometido foi o assassinato do advogado José Urbano do Nascimento Junior, em 2012, no município de Rio Real. Na ocasião, ele teria mencionado a intenção de matar o delegado da cidade na época caso ele fosse alvo da investigação.
Segundo Marco, ainda em 2017, poucos meses após chegar na cidade, ele teria prendido dois traficantes e um homem acusado de praticar violência contra os próprios filhos, o que incomodou o delegado e advogados da região. O estopim da ira contra o policial civil se deu após o mesmo investigar o envolvimento de agentes públicos na venda ilegal de armas e no arrombamento do Fórum, ações que serão detalhadas mais adiante.
Por conta de sua atuação destacada, ele começou a ser ameaçado e no dia 13 de novembro o investigador sofreu um atentado em Jandaíra, cidade vizinha de Conde, onde o veículo que dirigia foi alvejado por diversos disparos de armas de fogo. Um dos tiros atingiu o braço de Marco, que foi socorrido para o Hospital Municipal de Estância, em Sergipe.
Veículo do denunciante Marco Oliveira após ataque.
Foto: arquivo pessoal
Em 21 de janeiro de 2018, ele percebeu outra emboscada e escapou por pouco. Dessa vez, o policial conseguiu uma informação importante de um carro, um veículo modelo Onix na cor branca, ao descobrir que a placa utilizada era clonada. Temendo pela vida, Marco veio a Salvador, conversar com o diretor do Departamento de Inteligência Policial (DIP).
Durante o encontro com o Diretor, Marco teve o conhecimento da morte de Adriano Marcelo e que o referido PM seria o principal suspeito do crime. Além disso, ele também desvendou que o veículo que tinha participado do atentado contra a sua vida pertencia ao militar. Em depoimento, uma das testemunhas do assassinato do empresário descreveu que o autor dos disparos estava a bordo de um carro com as mesmas características descritas acima.
Esplanada, município em que aconteceu o crime, é o mesmo local em que no início do ano, o miliciano Adriano da Nóbrega foi morto em confronto com a polícia. Ele é acusado de participação na morte da Vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, que aconteceu em 2018 e até agora sem solução.
Com as informações em mãos, Marco pediu a um colega de Aracaju que monitorasse o percurso do veículo e constatou que o caminho percorrido era o mesmo feito pelo soldado com o Onix - com a placa oficial OZB-1712 - já que ele tem residência em um imóvel de luxo, localizado a Avenida Beira Mar, na capital sergipana.
O DELEGADO
O soldado, de acordo com o denunciante, fazia elogios ao delegado, lotado na cidade de Conde, afirmando que ele “deixa os policiais à vontade, não investiga as execuções, faz vista grossa”.
O Delegado é acusado, pelo denunciante, de ser o “braço forte” do grupo miliciano. De acordo com Marco, ele alterava procedimentos de investigação para que os criminosos não fossem punidos e possuía plena consciência dos homicídios cometidos pelo soldado.
Percebendo os relatos incomuns do policial, Marco conta que passou a evidenciar atividades, no mínimo, estranhas como, por exemplo, a presença de várias placas de carro no porta-malas do veículo do PM. O denunciante ainda revela que tomou conhecimento, em agosto de 2017, da venda de armas apreendidas para o Delegado, incluindo um rifle Puma, de calibre 44, que foi apreendido, segundo o denunciante, pela Polícia Rodoviária Estadual, em posse de um menor. O caso culminou em uma rede de descobertas ainda mais grotescas.
Marco denunciou o ocorrido à Justiça. De acordo com o policial, o Delegado obteve informações, vindas da assessoria do magistrado, de que a denúncia havia sido feita. Dois dias depois, o fórum onde as armas estavam custodiadas foi invadido, e o armamento, roubado.
Investigando o caso, Marco procurou por imagens das câmeras de segurança de uma loja próxima ao local invadido, que poderiam provar a autoria do suposto roubo, mas, segundo o responsável pelo estabelecimento, as filmagens que captavam parte do Pelotão e da avenida de entrada da cidade foram desligadas. Desde então, de acordo com o policial civil, o soldado, apontado como autor do roubo, declarou-se “inimigo” do investigador Marco.
Notando a impunidade dos crimes cometidos pelos policiais militares, Marco ficou cada vez mais encurralado, e a descoberta de envolvimento de outros servidores públicos no grupo criminoso o afogou ainda mais em suas tentativas frustradas de se fazer justiça.
O até então diretor de Departamento da Polícia Civil do Interior (DEPIN), é mais um dos homens acusados de não apenas fechar os olhos para os crimes, mas tentar dificultar as investigações de Marco.
Em agosto de 2020, para que não houvesse aglomeração e maiores riscos de infecção pelo novo coronavírus, os policiais da Delegacia de Conde estavam realizando um “rodízio” no serviço, ou seja, cada policial trabalharia por um tempo menor a cada semana.
Quando Marco precisou retornar à delegacia, decidiu iniciar sua investigação sobre a morte do empresário Adriano Marcelo Barbosa Reis, e a situação teria incomodado o diretor, que pediu para que o policial passasse a cumprir assiduidade, ou seja, voltasse a trabalhar todos os dias na delegacia, ao contrário dos outros servidores.
Empresário Adriano Marcelo, morto em abril de 2018.
Foto: Reprodução
De acordo com o denunciante, a decisão se deu por uma suposta tentativa de deixá-lo mais vulnerável e exposto a crimes que seriam cometidos contra ele mais tarde.
Não cumprindo a ordem de assiduidade e cada vez mais envolvido no caso do empresário Adriano, Marco por pouco foi assassinado, quando no dia 30 de agosto deste ano, homens em dois veículos e uma moto foram à sua casa. Por sorte, conta o policial, os supostos milicianos não o encontraram, já que ele tinha acabado de sair com seu filho.
Segundo Marco, o diretor do Departamento de Inteligência, tinha conhecimento de que o assassinato do empresário Adriano foi executado pelo soldado da PM, já que a investigação do caso estava sob responsabilidade dele e dos delegados de Conde e de Esplanada. Além disso, o policial civil afirma que em janeiro de 2019, havia enviado ao diretor do Depin provas materiais que comprovassem o envolvimento do militar no crime.
SEM PROTEÇÃO
Em setembro, diante do perigo iminente que corre, o investigador solicitou a sua inclusão no Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas de Morte (Provita).
A resposta foi rápida, porém não a esperada. No dia 21 do mesmo mês, uma semana após o pedido, ele foi informado que a Comunidade Terapêutica Fazenda Vida e Esperança (Cotefave), empresa que administra o projeto na Bahia, está desmobilizando o serviço e não está atendendo casos novos.
Procurada pela reportagem, a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS) garantiu que o programa está em atividade, mas houve troca da empresa responsável.
“O Programa está em pleno funcionamento e atualmente é executado por meio de Termo de Colaboração com a ONG Proteger, que também realiza as análises das solicitações de inclusão no Provita”, alegou em nota.
Questionado sobre a situação específica de Marco, a Secretaria informou que “as medidas e providência relacionadas com o Programa são executadas e mantidas em absoluto sigilo, não podendo assim ter nenhum tipo de informação divulgada ou compartilhada”.
REVIRAVOLTA
Uma operação realizada nesta terça-feira (15) em Conde, cumpriu mandato de prisão contra um policial militar, que não teve o nome divulgado. Um dos alvos da ação foi o próprio Marco. A operação aconteceu cinco dias depois da Polícia Civil ser questionada pela equipe do Varela Notícias sobre as denúncias de Marco. A entrevista com o policial civil foi feita na semana passada, de forma presencial, pela reportagem.
“A Operação Condado também busca localizar um policial civil acusado de integrar um grupo de extermínio com atuação no município do Conde e região. Lotado na Delegacia Territorial do município, ele está afastado por licença médica e agora é considerado foragido. Já o PM era lotado na 51ª Companhia Independente da PM (CIPM/Conde)”, informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) em nota enviada à imprensa.
Em contato com o Varela Notícias, momentos após o acontecido, ele disse, ofegante, que a operação foi feita com a intenção de calar a sua voz. “Pularam o muro de minha casa, não solicitaram a presença de testemunha. Essa operação foi pra me matar”.
Já a Polícia Militar em nota disse que as investigações estão sendo desencadeadas no âmbito da Polícia Civil e que ainda não teve acesso aos autos dos inquéritos para que seja instaurado um procedimento apuratório para apurar o caso.
“É inadmissível que esses monstros que vestem a farda desse Estado, executem pessoas com as armas da instituição, ninguém investigar após dois anos de denúncia e a cúpula da Secretaria de Segurança Pública com conhecimento de todos esses fatos e não ter feito nada”, acrescentou.
O Varela Notícias entrou em contato com o Ministério Público da Bahia (MP-BA) para um posicionamento sobre a denúncia envolvendo os policiais, mas nenhuma resposta foi obtida.
Fonte: varelanoticias.com.br/