A greve decretada esta semana pelo Sindicato dos Policiais Civis e Servidores da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia já foi deflagrada concretamente há décadas. Foi o Governo do Estado da Bahia, como também não é diferente em outros Estados da Federação, que proporcionaram esta greve ao servidor e ao povo.
Há muito tempo não há atendimento completo e eficiente da Polícia Civil para os baianos. Pergunte para qualquer administrado baiano, o que acha da prestação de serviço Público da sua Polícia Civil. Com certeza a maior parte das respostas a esta indagação seria que a investigação do crime em que foi vítima está prejudicada.
Não há que se falar em prejuízo para a população com a greve mitigada pelo SINDPOC. Os prejuízos pela ineficiência da prestação de atividade investigativa já são colhidos há décadas pelas populações e pelos servidores. Tanto faz está em greve branca declarada ou não declarada, a atividade investigativa é ineficiente do mesmo jeito. E a quem interessa a instituição destroçada como está a Polícia Civil baiana?
Este desmantelamento institucional é de fácil constatação, basta entrar em Delegacias de Polícia do Estado da Bahia de norte a sul, que se constata as precaríssimas instalações, servidores destreinados das novas complexidades das relações humanas e uma enorme defasagem salarial.
No meu penúltimo plantão durante o período noturno eu não tinha água para beber. Eu disse água! Como uma Delegada de Polícia tem condições físicas de lavrar auto de prisão em flagrante delito sentido sede. Somos desprovidas de condições de trabalho adequadas e salubres. A linha telefônica do plantão não funciona a tempo e como fazemos para cumprir direitos fundamentais, como comunicar familiares e advogados de pessoas presas por prisão em flagrante? Pasmem, de forma velada somos coagidos a cumprir estas determinações legais e regulamentares e para isto acabamos utilizando recursos próprios, como telefones particulares. Como acionamos o Conselho Tutelar quando há apreensão de adolescente e vítima criança com um plantão sem linha telefônica? Isto sim, é prejuízo inestimável para a população.
Não existe deflagração de greve branca, porque já estamos em greve branca há décadas, mas não decretada pelo servidor da Polícia Civil e sim pelo Estado da Bahia que exerce a necropolítica do “deixa” deixa morrer tudo e todos que não interessa à sua governamentalidade. “Deixa” morrer a Polícia Civil pelo sucateamento das instalações e do seu quadro de servidores.
Atividade investigativa não é prioridade para o Governo do Estado da Bahia, o qual tem uma política genocida de repressão. Para quê investigação judiciária? A quem interessa o desmonte da investigação baiana? A quem interessa que a Política Criminal seja centrada na repressão autoritária da instrumentalidade de corpos de vidas consideradas indignas.
O Estado da Bahia sabe perfeitamente que a Polícia Civil não é uma Polícia das forças armadas e não há analogia para isto. Somos polícia judiciária cuja essência desta atividade é a investigação da autoria e materialidade de crimes, nossa atividade eminentemente intelectual. Por este motivo o direito de greve é legitimo e não cabe extensão da intepretação do art. 142, §3º, inciso IV que é específico aos militares.
Aliás o Estado da Bahia tem que parar de tratar os Policiais Civis como militares. Militar é Militar e tua atividade é ostensiva e não investigativa. E Polícia Civil é Polícia Civil e sua atividade requer complexidade, estudo, técnica legislativa e hermenêutica, requer peticionamento de peças processuais, repito, nossa atividade é eminentemente intelectual. NÃO SOMOS SOLDADOS com doutrinas e ideologias de combate de guerra.
Agora o movimento não está fadado ao fracasso não é pela desinformação e equívocos hermenêuticos enquanto ao direito de greve da Polícia Civil, peticionado a Justiça pelo Governo do Estado da Bahia, o qual distorce pareando forçadamente a atividade da Polícia Militar com a atividade da Polícia Civil para absurdamente estender a proibição do direito de greve, restrição constitucional específica para os militares previsto no art. 142, §3º, inciso IV da Constituição Federal.
Dois motivos que sempre comprometeram os movimentos paredistas da Polícia Civil da Bahia. O primeiro é a dissidência entre Investigadores, Escrivães e Delegados de Polícia. Enquanto as carreiras não se aderirem não há possibilidade de termos êxitos em movimentos como estes. Este antagonismo ou cizânia entre as carreiras foi estabelecida principalmente por conta da diferença salarial entre as carreiras e pelas escalas extras e pelos cargos de chefia que são de gestão dos Delegados de Polícia.
Toda esta gestão na distribuição de vantagens não é à toa. As diferenças de tratamento salarial e distribuição de chefias e escalas extras são estrategicamente implantadas por práticas governamentais, para germinar a discórdia e a separação entre carreiras. Este é o maior desafio da categoria, o desafio para nos entendermos como irmandade. Sem esta junção das carreiras da Polícia Civil, dificilmente os movimentos paredistas prosperarão.
Até porque a Instituição que está “deixada” a morrer pela necropolítica baiana pertence a todos: Investigadores, Escrivães e Delegados de Polícia. Enquanto o Titanic está afundando com todos nós e estamos brigando pelo “bote” da escala extra e pelo “bote” do cargo de chefia. Não é fácil também para o servidor renunciar a seus “botes”, pois são o sustento de muitos servidores. Porém chegaremos em um momento crucial, que todos terão que renunciar a suas vantagens salariais para salvar a nossa instituição.
Outro ponto que é fulminante é blindarmos a nossa atividade investigativa, a qual é tão almejada por outras instituições do rol da segurança pública. O movimento paredista tem que esclarecer para a população que não é risco de vida que torna a nossa atividade a ser valorada. Não somos “capitães do mato” somos investigadores, que utilizamos o nosso intelectual para atividade investigativa, excecionalmente se houver necessidade o uso da força está prevista como excludente de ilicitude prevista no Código Penal.
Devemos primeiramente compreender a nossa atividade fim. A Polícia Federal já compreendeu isto há muito tempo. E por que querem estejamos fardados e com ideologias de combate de guerra que não é nossa atividade fim? Isto são estratégias governamentais para mantermos sucateados e mal remunerados. Não SOMOS FORÇA ARMADA. Enquanto não compreendermos que a nossa função é de inteligência, teremos dificuldades de nos adequarmos naquilo que a própria Constituição Federal nos reserva.
Enfim, somos os primeiros garantidores dos direitos fundamentais, porém o deboche vem dos nossos próprios pares: “Aí que chato esta coisa de direitos humanos, aqui somos polícia…” Parem com isto! Se queremos ser investigadores valorizados socialmente e salarialmente, devemos ser cumpridores da Constituição Federal, isto é o primeiro passo para fortalecimento da Polícia Civil. Somos o início do processo democrático da Justiça Brasileira. Devemos compreender quem somos, nossa essência institucional, ungidos em uma só carreira, investigadores da Polícia Civil Baiana, aí não há movimento que não se torne forte e que não constranja ao Estado a sua obrigação de devolver nossa atividade fim, que é a investigação policial eficaz, que resguarda a verdadeira democracia.
Lisdeili Nobre é Delegada de Polícia Civil há 18 anos no Estado da Bahia e doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica de Salvador.
Fonte: direitofundamental.com/