Imersos em uma cultura patrimonialista, tutelados pelos movimentos da Lei e Ordem, o furto famélico continua sendo objeto de espetacularização institucional, onde a instrumentalização de corpos famigerados de homens, mulheres, adolescentes são continuamente explorados.
Por qual motivo tecemos considerações acerca do furto insignificante em estabelecimentos comerciais, os quais na maioria são famélicos? Por dois motivos: primeiro porque estas subtrações são executadas na maioria por indivíduos excluídos da sociedade de mercado e segundo porque as prisões destas pessoas têm a funcionalidade na manutenção do simbolismo do um Estado Penal Brasileiro, o qual opera com tolerância zero, produzindo espetáculos, os quais não tem a capacidade de diminuir crimes, não recupera pessoas pelo contrário vulneraliza ainda mais seu público-alvo.
Esta simbologia já deveria ser abolida do Código Penal, mas se mantem calçada na instrumentalidade de corpos invisíveis e ainda tem a conivência do eurocêntrico sistema judicial. São prisões inócuas, que serve de matéria prima para manutenção de uma rede de poder institucional pública e privada, que comercializam a miserabilidade alheia.
É comum após o flagrante de pessoas subtraindo uma unidade de alimento, um terceiro espectador ofertar o pagamento da mercadoria, mas este pagamento é negado pelo estabelecimento, pois trata de uma oportunidade ímpar para entrar em cena o simbolismo do sistema punitivo, que jamais diminui o furto e a fome. Enfim amplia ambas as categorias e aprofunda a desigualdade social.
Desta forma, conheça o PL. 4540/2021 de autoria da Dep. Talíria Petrone e outras, o qual demonstra o tratamento severo do sistema penal contra pessoas negras e pobres, prisões que articulam o racismo institucional, com aspectos socioeconômicos e demográficos, pressupostos morais, técnico-processuais que não foram modificadas na pseudodemocratização do país. Em consubstanciada justificativa o citado projeto legislativo fundamentado com trabalhos científicos, mostra a seletividade antagônica explícita e por vezes implícitas no encarceramento de furtos insignificantes, cuja proporção é maior do que crimes contra administração pública e tributários.
Portanto, para a efetiva realização dos princípios da proporcionalidade, intervenção mínima do direito penal e lesividade, é prudente que o poder legislativo, independente da aplicação judicial do princípio da insignificância, em gesto de política criminal que se adequa aos princípios penais constitucionais e à demanda de redução do superencarceramento, determine do ponto de vista legal que o furto, nas hipóteses em que norteado por necessidade premente do agente, e nas hipóteses de dano irrisório ao patrimônio, não seja considerado crime, nos termos propostos neste Projeto de Lei.
Leia projeto de lei e participe da vida política de seu país.
Lisdeili Nobre é Delegada de Polícia Civil há 18 anos no Estado da Bahia e doutoranda em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica de Salvador.
Contato: lisdeilinobre@hotmail.com
Fonte: direitofundamental.com/