O crime de estelionato é bem conhecido do público em geral. Assim, é comumente alcunhado de “171”, número que se refere ao artigo do Código Penal. É um crime, geralmente, contra o patrimônio, que se vale de estratagemas para a obtenção de vantagens. Ademais, em regra, por não envolver violência física e contar com certa conivência, ingenuidade ou descuido da vítima, tende a ser visto como um ilícito de menor relevância. Contudo, o estelionato é uma atividade dinâmica e complexa, a qual envolve atores especializados e desafia as polícias investigativas nos dias de hoje.
O estelionato tem deixado de ser mera atividade praticada por golpistas para se projetar como ação operada por quadrilhas e redes criminosas com recursos econômicos e tecnológicos. Além do mais, com a expansão do ciberespaço, das redes sociais, do comércio eletrônico e da digitalização dos meios de pagamento, o alcance do estelionato é praticamente infinito. Por outro lado, a capacidade de as polícias investigarem está condicionada às fronteiras, aos escassos recursos físicos das corporações e aos limitados conhecimentos dos agentes em tecnologias.
Para observar o volume do estelionato, observa-se o caso do Distrito Federal a partir dos registros policiais informados à Polícia Civil do Distrito Federal. Em 2012 foram registradas 12.447 ocorrências, sendo que cerca de 3% se deram pela internet. Já em 2021 foram observadas 38.059 ocorrências, com 25,5% dos casos operados via internet. Note-se o constante incremento de registros, com destaque em 2020, justamente no período crítico da pandemia de covid-19. A situação se intensificou em 2021, com alta de mais de 50% em relação ao ano de 2020.
Em 2021, em média foram registradas aproximadamente 3.170 ocorrências por mês. No ano em análise, a quantidade de estelionatos superou em quase duas vezes a de roubos (23.409 ocorrências); além de corresponder a 70% da quantidade de furtos (54.581 ocorrências). Assim, entre os crimes que envolvem vantagem ilícita, especialmente contra o patrimônio, o estelionato está entre os que mais atingem a população do Distrito Federal. Com efeito, esse ilícito é um do que mais impactam no trabalho policial, seja pela quantidade de registros ou pelo desafio da investigação.
Diferentemente dos crimes de furtos e roubos, nos quais os autores podem ser identificados pelas vítimas, no estelionato os perpetradores dificilmente são vistos. Nos furtos e roubos há os suspeitos, que podem ser mais facilmente rotulados pelas vítimas e policiais. Por outro lado, no estelionato os criminosos tendem a passar despercebidos ou camuflados em atividades aparentemente lícitas. Ademais, quando se parte para o estelionato via internet, não há rosto, identificação, local. Por isso, essa ação fraudulenta demanda complexa investigação, sobretudo em decorrência da dificuldade de individualizar os responsáveis.
A alta do crime de estelionato verificada no Distrito Federal aponta para uma tendência da criminalidade. Isso não significa necessariamente migração de atores criminais de furtos e roubos para o estelionato, mas sugere que esse crime tende a preocupar cada vez mais a população da capital. Ou seja, o medo de ser vítima de um golpe provavelmente será mais um ingrediente na configuração da sensação de insegurança. O exemplo da quantidade de notícias de estelionato no Distrito Federal demonstra o tamanho do desafio para entender esse ilícito.
Por fim, o estelionato não é uma modalidade criminal menos violenta. Na verdade, é atividade capaz de gerar vultosos prejuízos econômicos; bem como provocar violências simbólicas ainda pouco analisadas. Esse crime, com a evolução da internet para os diversos estratos sociais, tende a ser uma prática delituosa cada vez mais frequente na vida das pessoas. Portanto, convém às polícias investigativas buscar conhecimentos e ferramentas para enfrentar melhor as incontáveis facetas do estelionato, as quais vão muito mais além do que a qualificação dada pelo Código Penal.
ALEXANDRE PEREIRA DA ROCHA - Doutor em Ciências Sociais (UnB); membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Fonte: FonteSegura