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Aos 90 anos, Justiça Eleitoral do Brasil se prepara para maior desafio de sua história

Em um cenário com fake news, Telegram e campanha contra as urnas eletrônicas, eleições presidenciais serão uma prova de fogo para o TSE.

18/03/2022 às 17h36
Por: Carlos Nascimento Fonte: conjur.com.br/
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Aos 90 anos, Justiça Eleitoral do Brasil se prepara para maior desafio de sua história

Não poderia ser menos agradável o "presente" que a Justiça Eleitoral do Brasil ganhou em seu 90º aniversário, comemorado na última quinta-feira (24/2): as eleições mais complicadas de sua história. Fake news, Telegram, campanha contra as urnas eletrônicas, federações partidárias... Não são poucos, muito menos pequenos, os obstáculos a serem enfrentados no pleito que vai decidir quem dirigirá o Brasil de 2023 a 2026 (além de governadores, senadores e deputados federais e estaduais), e outros ainda podem aparecer até outubro.

A segurança da urna eletrônica será um dos principais assuntos das eleições deste ano

Antes de falar das eleições que virão em alguns meses, porém, um pouco de história: a Justiça Eleitoral brasileira nasceu com a publicação do Código Eleitoral de 1932, uma legítima revolução para o cenário político nacional. Entre outras inovações, o Código permitiu que as mulheres finalmente tivessem o direito de votar e serem votadas no Brasil e tornou o voto obrigatório e secreto por aqui.

A Justiça Eleitoral que veio ao mundo em 24 de fevereiro de 1932 tinha uma estrutura semelhante à atual, com uma corte superior instalada na capital do país (na época, o Rio de Janeiro) e um tribunal regional em cada estado. Mas não demorou muito para que os percalços aparecessem. Em 1937, Getúlio Vargas instituiu o Estado Novo, um regime ditatorial, e acabou com as eleições — e, consequentemente, com a Justiça Eleitoral. As coisas só retornaram ao normal em 1945, quando o país voltou a eleger um presidente. No caso, o general Eurico Gaspar Dutra.

Os 21 anos terríveis da ditadura militar (1964-1985) também foram uma prova de fogo para a Justiça Eleitoral, que sobreviveu. E ela terá de mostrar novamente que é dura na queda neste 2022, do alto de seus 90 anos. Uma eleição que, salvo alguma grande surpresa, colocará frente a frente um presidente da República que se dedica com afinco à tarefa de desacreditar o sistema brasileiro de votações e um ex-presidente que passou recentemente um longo período na prisão não deverá ser menos do que explosiva — o país só espera que não literalmente.

Segundo os especialistas em Direito Eleitoral ouvidos pela ConJur, o maior desafio do Tribunal Superior Eleitoral (e, por consequência, dos Tribunais Regionais Eleitorais) no pleito a ser realizado em outubro é provar o que já provou várias vezes: que o modelo de eleições adotado pelo Brasil é confiável.

"A Justiça Eleitoral nunca foi tão desafiada. Instigada pelo próprio presidente da República, há uma parcela considerável da população que passou a acreditar em fraude no sistema de votação e apuração. E sem nenhuma evidência. É apenas uma teoria conspiratória de baixíssimo sentido lógico", lamentou o advogado Luiz Fernando Casagrande Pereira, coordenador-geral da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). "Embora a Justiça Eleitoral tivesse tudo para ser reconhecida como a mais estruturada e eficiente do mundo democrático, o desafio passou a ser restaurar a crença na 'ciência da eleição' pelas urnas eletrônicas. É triste, mas é aí que está o grande desafio".

O Código de 1932 foi o responsável pela criação da Justiça Eleitoral brasileira

"A Justiça Eleitoral foi criada em 1932 com vistas a moralizar a eleição e colocar fim às fraudes generalizadas que permeavam o processo eleitoral brasileiro. Desde então, não houve mais qualquer tipo de questionamento envolvendo o processo de realização e apuração das eleições. Recentemente, porém, o presidente da República vem questionando esse processo, o que sem dúvidas torna o atual momento um cenário delicado", comentou Emma Roberta Palú Bueno, advogada e coordenadora acadêmica da Abradep. "A excelência da Justiça Eleitoral brasileira, pela primeira vez em décadas, vem sendo questionada. Assim, me parece que a desinformação envolvendo a credibilidade e a integridade da Justiça Eleitoral deve ser o maior desafio neste ano".

E, como se tudo isso ainda não fosse suficiente, é preciso lidar com as consequências da pandemia da Covid-19, que ainda vão afetar as eleições, segundo Caroline Vieira Lacerda, sócia-proprietária do escritório Lacerda e Vieira de Carvalho Advogados e ex-vice-diretora da Escola Judiciária Eleitoral do TSE.

"Todas as eleições representam desafios, mas as próximas estão inseridas em um ambiente de pandemia, que compromete desde a fabricação de insumos para a urna eletrônica até o debate eleitoral, e em um momento de crescimento do uso da desinformação. Então, as eleições de 2022 tendem a ser diferentes de todas as anteriores, com alto grau de judicialização de temas e discussão sobre conceitos jurídicos de ampla significação, como, por exemplo, quais são os limites da liberdade de expressão".

Na avaliação de Ângela Cignachi Baeta Neves, do escritório Demarest Advogados e segunda secretária-geral do Instituto Brasileiro de Direito Eleirotal (Ibrade), a alta circulação de notícias falsas na época da eleição, que já foi um problema gigantesco no pleito de 2018, pode ser ainda maior neste ano. Por isso, a Justiça Eleitoral terá a tarefa não só de garantir ao país que as eleições serão limpas, mas também de não sofrer um abalo em sua imagem.

"Até pouco tempo atrás, a preocupação maior da Justiça Eleitoral era administrar as eleições, coibir a ocorrência de abusos e tentar manter o equilíbrio de forças entre os candidatos. Agora, além disso, há a preocupação a respeito da credibilidade do nosso sistema eleitoral. É a questão da imagem da instituição. Ou seja, o trabalho é prévio, de informação e transparência, o que já está sendo feito".

Pulso firme

Ângela, como se vê, considera que o TSE, pelo menos até agora, tem realizado um bom trabalho na defesa de sua credibilidade. E seus colegas pensam da mesma maneira. Todos eles acreditam que a Justiça Eleitoral está enfrentando com firmeza os obstáculos que não param de surgir em seu caminho.

"São reiterados os exemplos que se têm de que a estrutura da Justiça Eleitoral é suficiente, adequada, qualificada e preparada para o enfrentamento dos grandes desafios existentes. Isso não significa que não possa evoluir e se qualificar ainda mais. Todavia, os cidadãos podem se sentir seguros de que nossa Justiça especializada tem totais condições de, mais uma vez, passar a tranquilidade e a confiança de que o resultado das eleições vai refletir a vontade livre e soberana dos eleitores", opinou Gustavo Bohrer Paim, sócio do escritório Paim, Lo Pumo e Santos Advogados e ex-vice-prefeito de Porto Alegre.

"Acredito que a Justiça Eleitoral brasileira vive um momento delicado. Em especial pelo cenário político do Brasil, vem sofrendo diversos ataques e ameaças. No entanto, está se saindo muito bem, com coragem e rebatendo tudo sempre com informações verdadeiras", reforçou Janaina Rolemberg Fraga, advogada com atuação no TSE e nos TREs.

O Telegram deverá dar muita dor de cabeça ao TSE nas eleições presidenciais

Dor de cabeça

Os elogios fartos ao trabalho dos magistrados das cortes eleitorais, porém, não significam que não haja problemas a serem superados. Gustavo Paim, por exemplo, acredita que é preciso tomar muito cuidado com o que ele chama de "ativismo judicial".

"É claro que, até pelo momento que vivemos, a Justiça Eleitoral tem um ativismo muitas vezes exacerbado, e essa seria uma correção de rumo importante, diminuir o ativismo e buscar mais segurança jurídica".

Outro calcanhar de Aquiles da Justiça Eleitoral, segundo Luiz Fernando Casagrande Pereira, é o Telegram, aplicativo de troca de mensagens bem mais difícil de controlar do que seus concorrentes e que promete dar muita dor de cabeça ao TSE. Na sexta-feira (25/2), por exemplo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes ameaçou bloquear o Telegram por 48 horas por não suspender os perfis de alguns usuários que divulgam notícias falsas.

"A Justiça Eleitoral conseguiu dar um salto no arranjo de controle e autorregulação do ecossistema das campanhas na internet e estamos muito mais bem preparados do que em 2018 e 2020. Resta, é verdade, o problema do Telegram. Mas aposto na solução pelo Congresso. O Telegram é um problema nas eleições, mas é também um problema para o país. Não pode haver espaço imune à lei e ao controle jurisdicional", disse Pereira, com um misto de preocupação e confiança na capacidade dessa distinta senhora de 90 anos para resolver os problemas que nunca deixam de surgir.

Mateus Silva Alves é repórter da revista Consultor Jurídico.

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