Em 2006, a candidatura de Heloisa Helena e a minha forçaram o então Presidente Lula a ir ao segundo turno contra Geraldo Alckmin. Prestamos um serviço à democracia: forçar o debate entre as visões do PT e do PSDB. Ainda mais necessário, porque Lula havia se negado a participar dos debates no primeiro turno. As visões eram parecidas no que se refere à democracia, aos direitos humanos, ao crescimento da economia, à posição do Brasil no mundo, à necessidade de programas sociais e de distribuição de renda. Nenhum dos dois era militante ecologista, mas nenhum defendia depredar a Amazônia, nem ocupar terras indígenas. Ajudamos a fazer um segundo turno que enriqueceu, não ameaçou a democracia.
Qualquer que fosse o vencedor, a democracia continuava, o equilíbrio fiscal seria mantido, os povos indígenas e as florestas protegidos, o Brasil sairia engrandecido. A diferença entre eles era tão pequena, que três eleições depois tudo indica que estarão juntos na mesma chapa, um vice do outro.
Este ano, a situação é diferente. O segundo turno será entre duas visões radicalmente antagônicas para o Brasil que desejamos. O próprio processo eleitoral entre o primeiro e o segundo turno será completamente diferente.
Em 2006, nem Lula ou Alckmin alegavam risco de fraude e ameaçavam não reconhecer o resultado; não havia suspeita de que as Forças Armadas pudessem conspirar nos quartéis para rebelar-se contra um dos vencedores, nem o Brasil tinha milícias fanatizadas e armadas nas ruas. Naquele ano, a disputa era entre dois democratas lúcidos e não, como agora, entre democracia e autoritarismo, lucidez progressista ou loucura negacionista. Além disto, Heloisa Helena e eu usamos o primeiro turno para mostrar nossas discordâncias com Lula e com Alckmin, mas nenhum de nós desqualificou moralmente qualquer destes dois. Agora, em 2022, os outros candidatos se dedicam a denunciar e até agredir moralmente ao candidato Lula, identificando-o com atos de corrupção sem ao menos lembrar que os julgamentos contra ele foram anulados e o juiz que o condenou foi considerado suspeito de parcialismo e de erros nos julgamentos. Estas acusações de caráter moral, como se os candidatos vestissem toga para julgar, no lugar de discordar, fará difícil ou incoerente uma unidade no segundo turno entre aqueles que são contra o governo atual, mas agridem moralmente a Lula e seu partido.
Por isto, em 2022, diferentemente de 2006, a tarefa dos democratas, especialmente os progressistas, deve ser unir forças para impedir a continuação da atual tragédia, transformando o primeiro turno em um plebiscito pela democracia. O ideal teria sido que outras forças democratas tivessem oferecido uma novidade que empolgasse o país, mas não fizemos.
Não sei o que pensa Heloisa Helena, a candidata que junto comigo, em 2006, levou Lula ao segundo turno, mas eu espero que os candidatos de 2022 se unam a Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno. Evitemos os perigos das quatro semanas entre os dois turnos, e os riscos de nossa divisão reeleger a tragédia atual.
Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador