Por Sergei Karaganov
As tropas russas estacionadas perto da fronteira com a Ucrânia não ocuparão o país. Isto simplesmente não faz sentido algum. Tomar uma terra devastada pelas suas próprias camadas dominantes antinacionais e corruptas é um dos piores cenários. As tropas estão lá para evitar mais um ataque às repúblicas do Donbass. Caso isto ocorra, o exército de Kiev será destruído e aquilo que restar do já falido Estado provavelmente colapsará. Como os generais russos o dizem gentilmente, estas tropas e outros meios técnico-militares estão lá para aumentar a pressão nos manipuladores dos fantoches, ao invés de fazê-lo sobre os próprios fantoches.
A Rússia poderia contar com a sua capacidade militar grandemente melhorada, dando a esta aquilo que os especialistas ocidentais chamam de “dominação por escalada” na Europa e em outras áreas de interesse vital. Nós também sabemos que o Artigo 5 da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) é completamente oco — leia-o —, apesar da avalanche de garantias. E os Estados Unidos, sob circunstância nenhuma lutaria na Europa contra um país nuclear, arriscando-se a uma resposta devastadora. Eu estudei a história do desenvolvimento da estratégia nuclear dos EUA. Além disso, a Rússia está unida com a China – o que aumenta em muito as capacidades político-militares de ambas.
Os EUA e a Otan ainda estão rejeitando as justas propostas da Rússia – cessar a expansão adicional da Otan, que é vista como sendo absolutamente intragável e prenhe de uma grande guerra, o posicionamento de armas ofensivas na Europa Central-Leste, e o retorno ao status quo de 1997, quando foi assinado o Ato Rússia-Otan. As contrapropostas dos EUA sobre conversações sobre medidas para construir confiança e controle de armamentos soa agradável, porém são amplamente sem sentido. Nós as tivemos antes.
“A confiança poderia começar a ser restaurada somente quando os interesses básicos da Rússia forem atendidos”.
Nós também somos cúmplices pela criação da atual situação de pré-guerra – ao sermos fracos e confiarmos nos parceiros ocidentais. Não mais.
Otan, uma máquina de destruição
Também sabemos que, se a Otan era uma aliança defensiva, ela degenerou para tornar-se uma aliança agressiva depois de bombardear o que sobrou da Iugoslávia, da agressão da maioria dos membros da aliança contra o Iraque e a agressão contra a Líbia, deixando centenas de milhares de mortos e áreas devastadas.
A Otan não é uma ameaça imediata. Observamos as capacidades de luta dela no Afeganistão. Mas nós a vemos como um vírus perigoso que espalha belicosidade e prospera nela. Também é óbvio que quanto mais próximo a OTAN se acerca das nossas fronteiras, tanto mais perigosa ela poderia se tornar. A Rússia esmagou todas as coalizões europeias que tentaram derrotar a Rússia – as últimas tendo sido lideradas por Napoleão e Hitler. Porém nós não queremos uma outra guerra. Mesmo que não seja no nosso território.
O sistema de segurança na Europa - construído na sua maior parte pelo Ocidente desde os anos de 1990, quando não foi assinado um tratado de paz após o fim da Guerra Fria – é perigosamente insustentável.
Há algumas maneiras de resolver o limitado problema ucraniano. O retorno de países como ela à neutralidade permanente, as garantias de vários países-chave da Otan de jamais votar pela expansão adicional do bloco. Eu presumo que os diplomatas têm algumas outras soluções. Nós não queremos humilhar Bruxelas ao insistir em repudiar o seu errôneo apelo por uma expansão sem limites da Otan. Todos conhecemos o final da humilhação [da Alemanha] em Versalhes. E, obviamente, a implementação dos acordos de Minsk.
Mas a tarefa é mais ampla: construir um sistema viável sobre as ruínas do presente. E sem recorrer às armas, obviamente. Provavelmente dentro do quadro mais amplo da Grande Eurásia. A Rússia precisa de um flanco ocidental seguro e amigável na futura concorrência mundial. Sem a Rússia ou até contra ela, a Europa tem perdido rapidamente as suas posições internacionais. Isto foi previsto por muitas pessoas nos anos de 1990, quando a oferta russa de se integrar com e não na Europa foi rejeitada – nós somos grandes e orgulhosos demais. Porém sempre há uma possibilidade.
Sergei Karaganov, em 2015, Londres
Sobre o autor
Sergey Alexandrovich Karaganov (Серге́й Алекса́ндрович Карага́нов), nascido em 10 de setembro de 1952, em Moscou, é um cientista político russo e chefe do Conselho sobre Política Exterior e Defesa da Rússia, uma instituição de análises de segurança fundada por Vitaly Shlykov. Ele também é o decano da Faculdade Russa de Economia Mundial e Assuntos Estrangeiros em Moscou, na Escola Superior de Economia. Karaganov foi um companheiro próximo de Yevgeny Primakov, e foi conselheiro de Vladimir Putin e Boris
Karaganov tem sido um membro da Comissão Trilateral desde 1998, e serviu na Diretoria do Conselho Internacional do Conselho de Relações Exteriores da Rússia. Ele também tem sido Vice-Diretor do Instituto da Europa na Academia de Ciências da URSS e agora da Rússia desde 1983.
*Publicado originalmente no site Russia in Global Affairs, em 7 de fevereiro, traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz.