Sempre no ano anterior às eleições, é comum apresentar-se no Brasil alguma proposta de reforma político-eleitoral. Isto acontece para que as modificações possam ser aplicadas na disputa seguinte. Não foi diferente em relação a 2022, tendo sido cogitada uma série de modificações nas regras do jogo eleitoral.
A sociedade civil reagiu por meio do movimento Freio na Reforma, protagonizado pelo Transparência Partidária, formando uma coalizão de entidades que se posicionou contra a forma açodada em que se buscava discutir mudanças tão profundas sem a observância do devido processo legislativo e em tão pouco tempo.
O movimento conseguiu conter os retrocessos pretendidos nas regras do jogo político-eleitoral. Um desses pontos, que à época chamou bastante a atenção, dizia respeito ao sistema de fiscalização dos partidos políticos.
A ideia era a de pulverizar a fiscalização dos gastos dos partidos. Ou seja, em vez de submeter suas contas ao crivo dos auditores do sistema de Justiça Eleitoral estatal, propunha-se que os partidos passassem a ser fiscalizados por empresas particulares contratadas pelas próprias legendas.
Ou seja, os partidos políticos manuseiam quase R$ 6 bilhões –R$ 5 bilhões do fundo eleitoral (o maior fundo do planeta) e mais R$ 1 bilhão do Fundo Partidário, composto por recursos provenientes do orçamento público. Se pretendia simplesmente eliminar a fiscalização destes gastos, pois classificar um relatório subscrito por empresa privada contratada pelos próprios partidos como elemento fiscalizador é uma verdadeira piada de mau gosto.
A proposição foi rechaçada no debate da reforma política no 2º semestre de 2021. Eis que o líder do PSDB no Senado, Izalci Lucas, há semanas retoma o tema, apresentando um novo projeto de Lei – o PL 700/2022. Está se desconsiderando que o Congresso, depois do debate, recuou em relação a tal inconcebível proposição, assim como a proposta de eliminar a padronização de sistema de prestação de contas pelos partidos. Propõe que cada qual preste contas de sua maneira, sem qualquer critério preestabelecido.
É algo inconcebível à luz da lógica republicana. Em uma semana, milhões de contribuintes declararão seu imposto de renda à Receita Federal. Imaginemos que cada um deles decidisse fazê-lo da forma que bem entendesse… essa é a proposta do PL 700/2022.
Abolir a uniformidade de padrão de prestação de contas, impedir que técnicos da Justiça Eleitoral consultem informações sobre prestações de serviços em bases de dados não acessíveis ao público e levar a temática das prestações de contas partidárias ao status meramente administrativo tem um único e óbvio objetivo: dificultar a fiscalização por parte do Estado, e via de consequência, garantir-se legalmente a impunidade.
Essa proposição contrapõe-se à transparência e ao controle social, questões tão caras à democracia representativa.
Os partidos políticos já não temem a Lei de Improbidade Administrativa. Compliance e democracia intrapartidária são termos completamente estranhos ao vocabulário de seus dirigentes.
Não é aceitável que em nome da desburocratização do processo de fiscalização, se elimine a possibilidade de fiscalização. Afinal, trata-se de dinheiro público e, portanto, o nosso dinheiro.