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Presidente Jair Bolsonaro veta título de ‘heroína da Pátria’ para Nise da Silveira

Projeto que homenageia Nise da Silveira pelo tratamento humanizado em psiquiatria foi aprovado pelo Congresso Nacional.

27/05/2022 às 11h26 Atualizada em 27/05/2022 às 12h35
Por: Carlos Nascimento Fonte: Agência Senado
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Presidente Jair Bolsonaro veta título de ‘heroína da Pátria’ para Nise da Silveira

O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei que inscreve o nome da psiquiatra Nise da Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O veto à proposta foi publicado na edição do Diário Oficial da União (DOU) desta quarta-feira (25/05/2022), e poderá ser mantido ou rejeitado pelo Congresso.

A matéria (PL 6.566/2019), de autoria da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), foi aprovada pelo Plenário do Senado em 24 de abril, com parecer favorável da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). Mas a Presidência da República argumentou que, após ouvir a Casa Civil, decidiu vetar a proposta, por representar “contrariedade ao interesse público”.

Para Bolsonaro, não é possível avaliar, nos moldes da Lei 11.597, de 2007 (que traz os critérios para a inscrição de nomes no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria), “a envergadura dos feitos da médica Nise Magalhães da Silveira e o impacto destes no desenvolvimento da nação, a despeito de sua contribuição para a área da terapia ocupacional”.

Ainda na justificativa do presidente, deve-se priorizar o reconhecimento a personalidades da história do país em âmbito nacional, “desde que a homenagem não seja inspirada por ideais dissonantes das projeções do Estado democrático.”

A homenageada é pioneira da terapia ocupacional e mudou os rumos dos tratamentos psiquiátricos no Brasil, até então conduzidos em geral por meio de isolamento em hospícios. Ela também ganhou projeção internacional, tendo seu trabalho reconhecido por outros psiquiatras mundo afora, como o suíço Carl Gustav Jung.

— A doutora Nise foi uma extraordinária psiquiatra, que implantou tratamentos humanizados para transtornos mentais e criou um novo momento em relação a esses tratamentos na nossa sociedade brasileira. Estar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é, sobretudo, um reconhecimento ao trabalho que essa mulher fez para o Brasil — disse Eliziane durante a votação do projeto.

O livro está depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília, e destina-se ao registro perpétuo do nome dos brasileiros e brasileiras ou de grupos de brasileiros que tenham oferecido a vida ao país, para sua defesa e construção, com “excepcional dedicação e heroísmo”.

Trajetória

Ao começar a atuar, na área na década de 1940, Nise rebelou-se contra os métodos manicomiais então aplicados a pacientes com transtornos mentais, como o eletrochoque, a lobotomia e o confinamento, entre outros. Como forma de punição, a médica foi transferida para a área de terapia ocupacional. Ironicamente, a psiquiatra encontrou lá o espaço necessário para desenvolver um modelo humanizado de tratamento para os transtornos mentais.

Uma das terapias desenvolvidas por Nise foi a expressão dos sentimentos por meio das artes, especialmente da pintura, mas também da música. A produção artística de alguns pacientes ganhou reconhecimento pela qualidade estética, além de ter demonstrado resultados positivos na recuperação. Muitas dessas obras estão hoje expostas no Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Esses trabalhos também já foram expostos no Museu de Arte Moderna de São Paulo.

A Casa das Palmeiras, aberta por Nise em 1956 com foco em reabilitar sem internação, também investiu no processo criativo e afetivo dos pacientes. Além da arte, o contato com gatos e cães foi outro tratamento introduzido por ela no Brasil. Os pacientes podiam cuidar de animais nos espaços abertos do centro, estabelecendo vínculos afetivos. 

CONFIRA VETO

Agência Senado.

QUEM FOI NISE SILVEIRA

Nise Magalhães da Silveira OMC (Maceió, 15 de fevereiro de 1905 — Rio de Janeiro, 30 de outubro de 1999) foi uma médica psiquiatra brasileira. Reconhecida mundialmente por sua contribuição à psiquiatria, revolucionou o tratamento mental no Brasil. Foi aluna de Carl Jung.

Dedicou sua vida ao trabalho com doentes mentais, manifestando-se radicalmente contra as formas que julgava serem agressivas em tratamentos de sua época, tais como o confinamento em hospitais psiquiátricos, eletrochoque, insulinoterapia e lobotomia. Nise ainda foi pioneira ao enxergar o valor terapêutico da interação de pacientes com animais.

Percurso

Filha do professor de matemática Faustino Magalhães da Silveira e da pianista Maria Lídia da Silveira, Nise era bastante estudiosa. Sua formação básica realizou-se em um colégio de freiras, na época exclusivo para meninas, o Colégio Santíssimo Sacramento, localizado em Maceió. Seu pai foi jornalista, diretor do "Jornal de Alagoas" e professor de matemática.

De 1921 a 1926 cursou a Faculdade de Medicina da Bahia, onde se formou como a única mulher entre os 157 homens daquela turma. Está entre as primeiras mulheres no Brasil a se formar em Medicina.Casou-se nessa época com o sanitarista Mário Magalhães da Silveira, seu colega de turma na faculdade, com quem viveu até seu falecimento em 1986. O casal não teve filhos, por um acordo entre ambos, que queriam dedicar-se intensamente a carreira médica. Em seu trabalho médico, Mário publicava artigos onde apontava as relações entre pobreza, desigualdade, promoção da saúde e prevenção da doença no Brasil.

Em 1927, já casada e formada, e órfã de mãe, sofreu pelo falecimento de seu pai, e então, após alguns meses, junto ao marido, se mudaram para o Rio de Janeiro, onde teriam mais oportunidades de trabalho. Na então capital do Brasil, Nise se engajou nos meios artístico e literário, voltados para área médica, com diversas publicações dos avanços da medicina.

Em 1933, cursando os anos finais da especialização em psiquiatria, estagiou na clínica neurológica de Antônio Austregésilo. Logo após terminar sua especialização, foi aprovada no mesmo ano em um concurso de psiquiatria, e começou a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha.

Nos anos 1930, militou no Partido Comunista Brasileiro e foi uma das poucas mulheres a assinar o "Manifesto dos trabalhadores intelectuais ao povo brasileiro". No entanto, acabou por ser expulsa de sua célula, sob a acusação de trotskismo.

Prisão

Durante a Intentona Comunista foi denunciada por uma enfermeira pela posse de livros marxistas. A denúncia levou a sua prisão em 1936 no presídio Frei Caneca por 18 meses. Nesse presídio também se encontrava preso Graciliano Ramos, de quem ela tornou-se uma das personagens em seu livro Memórias do Cárcere.

De 1936 a 1944 permaneceu com seu marido na semi-clandestinidade, afastada do serviço público por razões políticas. Durante seu afastamento fez uma profunda leitura reflexiva das obras de Spinoza, material publicado em seu livro Cartas a Spinoza em 1995.

Trabalho

Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro

Em 1944 foi reintegrada ao serviço público e iniciou seu trabalho no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde retomou sua luta contra as técnicas psiquiátricas que considerava agressivas aos pacientes.

Por sua discordância com os métodos adotados nas enfermarias, recusando-se a aplicar eletrochoques em pacientes, Nise da Silveira foi transferida para o trabalho com terapia ocupacional, atividade então menosprezada pelos médicos. Assim, em 1946 fundou naquela instituição a "Seção de Terapêutica Ocupacional".

No lugar das tradicionais tarefas de limpeza e manutenção que os pacientes exerciam sob o título de terapia ocupacional, ela criou ateliês de pintura e modelagem com a intenção de possibilitar aos doentes reatar seus vínculos com a realidade através da expressão simbólica e da criatividade, revolucionando a Psiquiatria então praticada no país.

O Museu de Imagens do Inconsciente

Em 1952, ela fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, um centro de estudo e pesquisa destinado à preservação dos trabalhos produzidos nos estúdios de modelagem e pintura que criou na instituição, valorizando-os como documentos que abriam novas possibilidades para uma compreensão mais profunda do universo interior do esquizofrênico.

Entre outros artistas-pacientes que criaram obras incorporadas na coleção dessa instituição, podem ser citados Adelina Gomes, Carlos Pertuis, Emygdio de Barros e Octávio Inácio.

Esse valioso acervo alimentou a escrita de seu livro "Imagens do Inconsciente", filmes e exposições, participando de exposições significativas, como a "Mostra Brasil 500 Anos".

Entre 1983 e 1985 o cineasta Leon Hirszman realizou o filme "Imagens do Inconsciente", trilogia mostrando obras realizadas pelos internos a partir de um roteiro criado por Nise da Silveira.

A Casa das Palmeiras

Poucos anos depois da fundação do museu, em 1956, Nise desenvolveu outro projeto também revolucionário para sua época: criou a Casa das Palmeiras, uma clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas.

Nesse local podiam diariamente expressar sua criatividade, sendo tratados como pacientes externos numa etapa intermediária entre a rotina hospitalar e sua reintegração à vida em sociedade.

O auxílio dos animais aos pacientes

Foi uma pioneira na pesquisa das relações emocionais entre pacientes e animais, que costumava chamar de co-terapeutas.

Percebeu essa possibilidade de tratamento ao observar como melhorou um paciente a quem delegara os cuidados de uma cadela abandonada no hospital, tendo a responsabilidade de tratar deste animal como um ponto de referência afetiva estável em sua vida.

Ela expôs parte deste processo em seu livro "Gatos, A Emoção de Lidar", publicado em 1998.

Pioneira da psicologia junguiana no Brasil

Por intermédio do conjunto de seu trabalho, Nise da Silveira introduziu e divulgou no Brasil a psicologia junguiana.

Interessada em seu estudo sobre os mandalas, tema recorrente nas pinturas de seus pacientes, ela escreveu em 1954 a Carl Gustav Jung, iniciando uma proveitosa troca de correspondência.

Jung a estimulou a apresentar uma mostra das obras de seus pacientes, que recebeu o nome "A Arte e a Esquizofrenia", ocupando cinco salas no "II Congresso Internacional de Psiquiatria", realizado em 1957, em Zurique. Ao visitar com ela a exposição, ele orientou-a a estudar mitologia como uma chave para a compreensão dos trabalhos criados pelos internos.

Nise da Silveira estudou no "Instituto Carl Gustav Jung" em dois períodos: de 1957 a 1958, e de 1961 a 1962. Lá recebeu supervisão em psicologia analítica de Marie-Louise von Franz, assistente de Jung.

Retornando ao Brasil após seu primeiro período de estudos junguianos, formou em sua residência o "Grupo de Estudos Carl Jung", que presidiu até 1968.

Escreveu, dentre outros, o livro "Jung: vida e obra", publicado em primeira edição em 1968.

Morte

Devido à idade avançada, foi acometida por pneumonia, falecendo de insuficiência respiratória aguda, no Hospital Miguel Couto, Zona Sul do Rio.

Prêmios e reconhecimentos

Em reconhecimento a seu trabalho, Nise foi agraciada com diversas condecorações, títulos e prêmios em diferentes áreas do conhecimento, entre outras:

"Ordem de Rio Branco" no Grau de Oficial, pelo Ministério das Relações Exteriores (1987)

"Prêmio Ciccillo Matarazzo Personalidade do Ano de 1992", da Associação Brasileira de Críticos de Arte

"Medalha Chico Mendes", do grupo Tortura Nunca Mais (1993)

"Ordem Nacional do Mérito Educativo", pelo Ministério da Educação e do Desporto (1993)

Reconhecimento internacional

Foi membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica ("Societé Internationale de Psychopathologie de l'Expression"), sediada em Paris.

Sua pesquisa em terapia ocupacional e o entendimento do processo psiquiátrico por meio das imagens do inconsciente deram origem a diversas exibições, filmes, documentários, audiovisuais, cursos, simpósios, publicações e conferências.

Legado

Seu trabalho e ideias inspiraram a criação de museus, centros culturais e instituições terapêuticas, similares às que criou, em diversos estados do Brasil e no exterior, por exemplo:

o "Museu Bispo do Rosário", da Colônia Juliano Moreira (Rio de Janeiro)

o "Centro de Estudos Nise da Silveira" (Juiz de Fora, Minas Gerais)

o "Espaço Nise da Silveira" do Núcleo de Atenção Psicossocial (Recife)

o "Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira", do Hospital Psiquiátrico São Pedro (Porto Alegre, Rio Grande do Sul)

a "Associação de Convivência Estudo e Pesquisa Nise da Silveira" (Salvador, Bahia)

o "Centro de Estudos Imagens do Inconsciente", da Universidade do Porto (Portugal)

a "Association Nise da Silveira - Images de l'Inconscient" (Paris, França)

o "Museo Attivo delle Forme Inconsapevoli" (hoje renomeado "Museattivo Claudio Costa", Genova, Itália)

O antigo "Centro Psiquiátrico Nacional" do Rio de Janeiro recebeu em sua homenagem o nome de "Instituto Municipal Nise da Silveira".

Em 2015, foi incluída na lista das Grandes mulheres que marcaram a história do Rio". 

Em 2016, foi lançado o filme brasileiro de longa metragem intitulado Nise: O Coração da Loucura, dirigido por Roberto Berliner. O filme foi resultado de 13 anos de ampla pesquisa, e se baseou em um momento da vida de Nise da Silveira. No mesmo ano, o espetáculo Nise da Silveira – Guerreira da Paz narrou a história da psiquiatra alagoana e discípula de Carl G.Jung. O ator carioca Daniel Lobo dirigiu e interpretou o espetáculo que esteve em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (MASP), durante curta temporada de grande sucesso.

Veto no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

Seu nome quase chegou a ser incluso no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, em projeto da Jandira Feghali (PCdoB), mas a decisão foi vetada por decreto do presidente Jair Bolsonaro publicado no dia 25 de abril de 2022. Na justificativa do veto, está que não é possível avaliar o impacto do trabalho de Nise no Brasil.[16]

Obras publicadas

SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: José Álvaro Ed. 1968.

SILVEIRA, Nise da. Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.

SILVEIRA, Nise da. Casa das Palmeiras. A emoção de lidar. Uma experiência em psiquiatria. Rio de Janeiro: Alhambra. 1986.

SILVEIRA, Nise da. O mundo das imagens. São Paulo: Ática, 1992.

SILVEIRA, Nise da. Nise da Silveira. Brasil, COGEAE/PUC-SP 1992.

SILVEIRA, Nise da. Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1995.

SILVEIRA, Nise da. Gatos - A Emoção de Lidar. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1998.

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