Embora sejam atores políticos fundamentais, os principais analistas deram pouca atenção ao papel das polícias ao longo do século XX. As análises se concentraram nos partidos políticos, grupos de pressão, lideranças locais e elites governantes. As Forças Armadas também mereceram considerável atenção dos jornalistas e pesquisadores. A atuação política das polícias era pouco percebida.
Esse quadro mudou nas últimas décadas. É cada vez mais frequente a atuação política das polícias. Nos regimes democráticos em especial, muitas vezes a atuação das polícias tem servido para desestabilizar governos. Isso acontece pelo óbvio motivo de que os policiais não são meros aplicadores da lei. Eles interpretam a lei, apoiam bandeiras políticas e exigem a ampliação de direitos e prerrogativas. Em suma, as polícias se tornaram atores fundamentais capazes de desequilibrar a disputa no campo político.
A atuação dos policiais têm sido cada vez mais importante para (des)legitimar os regimes democráticos. A forma como as polícias agem no controle de manifestações pode transformar pequenos protestos numa onda de insatisfação generalizada. Foi o que aconteceu no Brasil em 2013 e no Chile em 2019.
Mas há outra forma de atuação que também influencia o curso dos protestos políticos. Ao invés de reprimir violentamente os protestos, os policiais podem simplesmente tolerar as desordens e permitir que manifestantes ocupem prédios públicos. A invasão do Capitólio em Washington é um exemplo desse tipo de atuação.
Segundo as informações levantadas até o momento, houve negligência por parte das autoridades policiais no planejamento da segurança do prédio onde acontecia a homologação da vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais. Os jornais revelaram que a Polícia do Capitólio, uma espécie de polícia legislativa, não solicitou apoio de outras forças policiais, embora soubessem da gravidade da situação. Além da negligência dos chefes, sabe-se agora que alguns policiais apoiaram e encorajaram os manifestantes. Dois deles já foram afastados e outros quatorze estão sob investigação.
O episódio de Washington desperta preocupações aqui no Brasil. Poderia acontecer o mesmo por aqui? Não podemos prever o futuro, mas sabemos que alguns aspectos se repetem por aqui. A exemplo de Trump, o presidente Bolsonaro tem contestado a legitimidade do Congresso Nacional. Tanto lá quanto aqui, os presidentes levantam suspeitas infundadas sobre a lisura das eleições. Com relação às polícias, a adesão dos policiais à causa antiglobalista é ainda mais forte no Brasil. Bolsonaro com ampla margem de apoio entre os policiais.
Como em Washington, a segurança da Esplanada dos Ministérios em Brasília é compartilhada por diferentes órgãos. Cabe ao Exército proteger o Palácio do Planalto. Os fuzileiros Navais estão encarregados da proteção do Itamaraty. Compete à polícia Legislativa a segurança dentro do Congresso Nacional. A segurança nas áreas externas e dos Ministérios é responsabilidade da Polícia Militar do Distrito Federal. No passado, já houve casos de má coordenação e planejamento inadequado que resultaram em confusões e mortes.
A leniência com manifestantes é fato recente. Em julho de 2020, um grupo de apoiadores do presidente lançou rojões contra o prédio do Supremo Tribunal Federal. A Praça dos Três Poderes é um dos locais mais vigiados da capital, mas graças à leniência de alguns policiais, os manifestantes tiveram tranquilidade para agir e filmar o protesto.
Embora tenha sido pequeno, o episódio releva a necessidade de atenção com esse tipo de apoio a grupos políticos simpatizantes do presidente. Mas diferentemente dos EUA, não poderemos dizer que fomos pegos de surpresa.
Fonte: fontesegura.org.br