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A política antidrogas brasileira e seu reflexo na superlotação dos presídios

Não podemos esperar resultados diferentes fazendo sempre a mesma coisa. Já passou da hora de rediscutirmos o modelo de segurança pública que nosso país merece.

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: DPF Eugênio Ricas
15/01/2021 às 12h26
A política antidrogas brasileira e seu reflexo na superlotação dos presídios

Dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) apontam a existência de mais de 750 mil presos no Brasil. Segundo dados do World Prison Brief, levantamento mundial sobre dados prisionais realizado pelo Institute for Crime & Justice Research e pela Birkbeck University of London o Brasil figura em terceiro lugar dentre os países que mais presos possuem, ficando atrás apenas de Estados Unidos e China, com 2,1 milhões e 1,7 milhão de presos, respectivamente. Também segundo o DEPEN, existem no Brasil pouco menos de 447 mil vagas, redundando, portanto, em um déficit de mais de 300 mil vagas em todo o país.

Tais números associados à complexidade da gestão prisional têm resultado, ao longo dos anos, em uma mistura explosiva. Não são raras as violentas rebeliões de presos nem, tampouco, as notícias de sérias violações de direitos humanos. Os números apontados acima ajudam, em parte, a compreender o problema.

Analisando de forma bem básica a missão dos sistemas prisionais podemos apontar ao menos duas obrigações elementares, quais sejam, segregar com segurança o criminoso e alcançar o maior índice possível de reinserção social após o cumprimento das penas e devolução dos presos à liberdade. Para alcançar esse mister, no entanto, é imprescindível uma circunstância normalmente ausente no Brasil, o equilíbrio entre número de presos e número de vagas.

O complexo ambiente prisional exige, diariamente, rotinas que somente podem ser realizadas de forma profissional e com segurança quando há um equilíbrio razoável entre o número de internos e de vagas. Imagine-se, a título de exemplo, uma unidade prisional com capacidade para 500 detentos. Além de manter todos em segurança, deve o gestor prisional cuidar do atendimento à saúde, entrega de alimentação, limpeza dos ambientes, circulação de presos para banho de sol, visitação, recebimento de advogados, circulação e manutenção de espaços adequados para educação, trabalho, recebimento de assistência psicológica, social, religiosa e mais uma infinidade de atividades que compõem a rotina diária de uma unidade prisional de porte médio. Nota-se, daí, a impossibilidade de se realizar a contento essa missão quando o número de presos excede, em muito, o número de vagas.

Para se equacionar o déficit existente no Brasil seria, conforme números apontados pelo DEPEN, necessária a construção de cerca de 300 mil vagas. Isso significaria construir 600 unidades prisionais de 500 vagas cada. Não bastasse, portanto, o valor exorbitante para realização de tal investimento, ainda precisaríamos considerar outros dois fatores. Em primeiro lugar, o tempo necessário à realização das construções normalmente não acompanha o ritmo de crescimento da população carcerária. Ainda que que fosse possível vencer toda a burocracia da máquina estatal e que os recursos para a realização dos investimentos estivessem totalmente disponíveis, muito provavelmente haveria, ao final das construções, uma população carcerária consideravelmente aumentada, mantendo-se a existência de certo déficit.

Em segundo lugar (e, muito provavelmente, o ponto nevrálgico do presente dilema), os recursos necessários ao custeio de um presídio de porte médio não podem, em hipótese alguma, serem desconsiderados pelas gestões dos estados. Salários de servidores (donde devemos considerar também o impacto previdenciário), manutenção predial, manutenção de equipamentos, alimentação e prestação de serviços de saúde são apenas alguns exemplos de itens indispensáveis e que pressionam o equilíbrio fiscal e orçamentário dos governos estaduais Brasil afora.

Importante destacar, ainda, que o elevado número de presos no Brasil não tem contribuído em nada para o incremento da segurança pública, nem, tampouco, tem refletido em menores índices de violência em nosso país. Vale citar, por exemplo, que conforme dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no último Atlas da Violência, tivemos, em 2018, 57.956 homicídios no Brasil, o que representa uma taxa de 27,8 mortes para cada 100.000 habitantes.

O inconformismo com esta realidade (vivida intensamente durante cerca de 3 anos em que fui Secretário de Estado da Justiça do Estado do Espírito Santo, administrando o sistema prisional), em que prendemos muito e geramos poucos resultados para a sociedade motivou minha pesquisa na Universidade Federal do Espírito Santo, no mestrado profissional em Gestão Pública. O resultado de tal pesquisa pode, agora, ser encontrado no livro* que leva o mesmo nome do presente artigo.

Dados divulgados no site do DEPEN apontam que pouco mais de 230 mil presos (ou 32,39% da população carcerária brasileira) estão encarcerados por terem praticado delito relativo a drogas (lei 6368/76 ou lei 11343/2006). Analisando-se separadamente os gêneros, os números são ainda mais reveladores, pois 57,76% das mulheres encarceradas respondem por crimes ligados às drogas, enquanto 31,23% dos homens estão presos por tais delitos.

Essa intrigante realidade motivou a realização de pesquisa em 150 sentenças condenatórias prolatadas por juízes de direito da comarca da grande Vitória/ES. Todas as condenações se deram por violações à lei 11.343/2006 (Lei das Drogas) e revelam como os delitos relativos ao comércio de drogas pode estar contribuindo, de forma desproporcional, para o aumento da população carcerária do Espírito Santo e do restante do país. No caso particular do Espírito Santo, o crescimento da população carcerária total, ou seja, incluindo todos os tipos de crimes, cresceu cerca de 80%, de 2010 a 2017. No caso do gênero masculino, o crescimento do número de presos em razão de tráfico de drogas e de tráfico internacional de drogas, no mesmo período, cresceu significativamente acima da evolução da população carcerária total, tendo atingido, respectivamente, 143% e 284%.

A análise dos dados encontrados nas sentenças, tais como a quantidade de pena versus quantidade e tipo de droga permitiram, também, estabelecer a hipótese de que a atual política antidrogas brasileira, materializada pela lei 11.343/2006, é, em muitos casos, carregada de subjetividade, contribuindo muito pouco para a administração da justiça e para a racionalização das prisões. Isso porque o microtraficante tem recebido, muitas vezes, penas mais severas que traficantes flagrados com grandes quantidades de droga. A falta de critérios objetivos na lei 11343/2006 tem, portanto, contribuído para que nossos presídios permaneçam com um déficit de vagas que acaba por comprometer a boa gestão prisional impactando de forma negativa na segurança pública como um todo.

Ademais, conforme pode ser verificado no livro, 84% dos homens e 90% das mulheres flagradas com drogas não traziam consigo armas ou munições no momento da prisão em flagrante. Destarte, representam, em tese, um baixo risco efetivo à integridade física das pessoas. Percebe-se, assim, que no modelo atual inviabilizamos a segurança de nossos presídios prendendo indivíduos que poderiam receber punições diversas da privação de liberdade. O mais racional seria, por óbvio, mantermos reclusos aqueles indivíduos que representam verdadeira ameaça à sociedade.

Não se fala, nem se defende aqui flexibilização ou liberação das drogas. Por outro lado, é imperativo que passemos a contar com uma legislação que estabeleça critérios objetivos e que faça a previsão de severas penas para aqueles indivíduos que, de fato, precisem ficar segregados do convívio social, por representarem uma ameaça quando soltos (bom exemplo são os integrantes de facções criminosas). Com menos presos (ou com equilíbrio entre número de presos e número de vagas) é possível segregar com mais segurança e reinserir socialmente o ex presidiário, alcançando menor índice de reincidência. Isso, sim, contribuirá para uma redução dos índices de violência em nosso país.

Fruto, portanto, de pesquisa de mestrado em Gestão Pública, o livro* A Influência da Política Antidrogas Nacional na Superlotação dos Presídios, recém publicado, pretende trazer ao debate importantes questões que têm afetado a segurança pública brasileira. Não podemos esperar resultados diferentes, fazendo sempre a mesma coisa e atuando da mesma forma. Com números de um país em guerra, já passou da hora de rediscutirmos o modelo de segurança pública que nosso país merece.

*A renda gerada pela venda dos livros será doada a instituições que ajudam na recuperação de dependentes químicos

Eugênio Ricas - Delegado de Polícia Federal, Adido da PF nos EUA, ex-Secretário de Estado da Justiça do ES, Mestre em Gestão Pública pela UFES.

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