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A esquerda, o policial militar e Bolsonaro

O policial militar foi achincalhado por uma parcela muito expressiva da esquerda. Não souberam distinguir sua condição pessoal, personalística, de sua profissão,

Carlos Nascimento
Por: Carlos Nascimento Fonte: Cel PM/SP Glauco Silva de Carvalho
15/01/2021 às 13h17 Atualizada em 15/01/2021 às 16h28
A esquerda, o policial militar e Bolsonaro

Estou ensaiando há algum tempo a fazer considerações, ponderações e levantar hipóteses sobre como o Brasil pôde chegar ao ponto de ter um presidente chamado Jair Bolsonaro. Não é tarefa simples. Todos temos responsabilidades nesse processo. Sem exceção! Todos e todas sabem de minha antipatia pelo atual presidente. Renunciei à vice-presidência da Associação dos Oficiais por minhas convicções e posições radicalmente contrárias ao presidente Bolsonaro. Mas essa situação me inquieta por demais. Assim como a Alemanha pôde chegar ao nazismo, como o Brasil pôde chegar a Bolsonaro.

Em quatro artigos, gostaria de ponderar sobre o papel da esquerda nesse processo. Tarefa difícil e complexa. Mas que tem que ser enfrentada. Tentarei fazer tais ponderações por meio de correlações.

Gostaria de refletir, um pouco, sobre a atitude de um policial militar, dias atrás, que, no centro da cidade de São Paulo, apontou armamento para seu companheiro de farda, um cabo da mesma Instituição, a Polícia Militar de São Paulo. Recebi a mensagem de um amigo que mora no exterior. A imagem, a cena, a matéria jornalística rodou o mundo. Não poderia ser diferente, pois choca a todos nós. O profissional que tem por incumbência proteger, assegurar a paz, manter a ordem, respeitar e fazer respeitar as regras sociais, extrapolou todos os limites e as prevenções sociais e legais.

Neste espaço, neste momento, meu desiderato é falar e pensar um pouquinho sobre as condições de trabalho do policial militar. E como ele foi parar no colo de uma direita ultrarradical.

"Após 35 anos de efetivo serviço prestado, digo sem pestanejar: o policial militar é um ser humano estressado; fadigado; cansado; doente, física e psicologicamente. E o pior: não tem noção ou consciência de suas comorbidades, principalmente as psicológicas."

Como já disse meses atrás, nesse mesmo espaço, eu, enquanto comandante do policiamento da região metropolitana norte, cuja sede é em Guarulhos, ou da cidade de São Paulo, no ano de 2014, tirava as quintas-feiras para visitar os pontos mais distantes da sede, conhecer os policiais, dar suporte de comando a eles, verificar in loco as condições de segurança das localidades mais simples e desprovidas do suporte público.

Conversei com policiais cujas características posso dizer são as mais díspares. Mas há peculiaridades, ou algumas delas, melhor dizendo, em comum: o desencanto com o mundo, o descrédito nas Instituições - inclusive a dele próprio -, a descrença pelo ser humano, a tristeza, a depressão, a incredulidade em dias melhores, o descrédito pela lei.

Como costumo dizer, o policial militar, como principal elemento da segurança pública no Brasil, para o bem e para o mal, nunca é chamado para a festa, para o churrasco. (É bom mesmo que nem o seja! A bem da verdade, quando o são, na maioria das vezes, o é para solicitar algum favor ou favorecimento futuro. No país em que os limites entre o público e o privado ainda são mal delineados, sob o ponto de vista profilático, é bom mesmo que esse lapso de distanciamento seja mantido).

Para onde o policial militar é chamado? Para preservar o local de crime em que um boliviano de 8 anos de idade se “suicidara”, pela via do enforcamento; para socorrer a mãe cujo filho de 7 anos de idade fora nadar — sua única diversão — no rio Tietê e morrera; para atender ao chamado de localização de corpo, se é que pode ser chamado de corpo, um tórax e barriga, sem cabeça, sem braços e sem pernas, para dificultar a identificação; o socorro de policiais, seus companheiros, mortos em confrontos ou vítimas de atentados; o suporte a viúvas e órfãos e órfãs de policiais mortos que continuam sendo ameaçadas; o auxílio a crianças e a adolescentes abandonados por seus pais ou fugidos de suas famílias, por conta de agressões. Todos esses são exemplos de ocorrências verídicas que vi policiais militares atenderem entre os anos de 2012 e 2014.

Não tenho sombra de dúvida que o policial militar, após três ou quatro anos de serviço operacional, é um ser absolutamente insensível. E assim o deve ser. Explico melhor.

Servi no Corpo de Bombeiros por quatro anos. A primeira vez que fui atender a uma ocorrência de vítima presa em ferragens, e necessitávamos manipular o corpo da vítima, fiquei paralisado! Só o tempo, em que você aprende a ver o corpo com fraturas expostas, hemorragias, decepações de membros, queimaduras amplas, como um “objeto” a ser salvo e conduzido para um hospital no menor intervalo possível, você está em condições e apto a ser um profissional de Bombeiros ou do Resgate.

Na profissão policial militar a equação é um pouco mais complicada. Não se trata apenas de um “corpo” a ser “manipulado”, tratado. O policial lida com as agruras da vida, com a história das pessoas. A dor não é apenas a física. É um outro tipo dor. Ou ele se adequa a estas situações ou ele é engolido por elas.

Por isso, ele, na maioria esmagadora das vezes, torna-se um indivíduo absolutamente insensível. Vê um cadáver como se fosse sua caneta de trabalho. Vê a emoção de uma perda como se fosse a dor por uma derrota em uma partida de futebol. Perde-se em sentimentos que mal podem ser distinguidos ou especificados. Quando, não raramente, perde-se em seus valores: não distingue mais o que é o certo e o errado; o que é moralmente aceitável ou moralmente repugnante; o que é ético profissionalmente ou não.

Fruto dessas circunstâncias, nessas quintas-feiras, a que me referi anteriormente, ao mesmo tempo em que sentia profunda tristeza por ver a situação dramática de crianças abandonadas pelas ruas, madrugadas sem fim, nutria profundo ódio por aqueles que ceifavam a vida de meus policiais. E tinha pensamentos por mim censurados para este espaço. Mas eu saía apenas uma vez por semana. Não atendia às ocorrências. Sabia que seria por período limitado. Muitos de meus policiais estavam nessa vida havia 30 anos! Destruídos, alguns, quando não destroçados em sua vida pessoal e familiar.

Aonde quero chegar? Esse ser humano — ainda é um ser humano —, o policial militar, foi achincalhado por uma parcela muito expressiva da esquerda. Não souberam distinguir sua condição pessoal, personalística, de sua profissão. O fato de ser militar das peculiaridades de seu trabalho. Misturaram o “ódio” pelo regime militar de 64 com a última Instituição que ainda carrega a adjetivação “militar” em sua denominação. Não poderia dar outro resultado. Um ódio recíproco que não vai chegar a nenhum lugar.

Não por outra razão, meus colegas me acusam de, após 35 anos, ter-me tornado um “traidor”. Porque viram em Bolsonaro a última alternativa de respeito, de dignidade e de “comiseração”.

Até quando? Não sei, mas, pelo andar da carruagem, espero estar equivocado, não vejo muitos sinais de mudança...

Glauco Silva de Carvalho - Bacharel em Direito (USP), mestre e doutor em Ciência Política (USP). Coronel da reserva da PMESP, foi diretor de Polícia Comunitária e Direitos Humanos e Comandante do Policiamento na Cidade de São Paulo.

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