Qualquer gesto ou proposta política no sentido de modicar a estrutura da Segurança Pública que tenha característica de retirar a autonomia dos Estados é um verdadeiro atentado à democracia brasileira. Existem duas propostas tramitando no Congresso Nacional que seguem na contramão da modernidade nesta mencionada área, diferentemente da estruturação observada nos países evoluídos. Toda nação soberana e livre que superou em sua história diversas tragédias e guerras civis herdando, posteriormente, elevados índices de criminalidade e corrupção governamental, seguiram seu trajeto democrático evolutivo no sentido de reestruturar das forças policiais e fundamentá-las com uma “natureza civil”.
De maneira geral, o processo de desmilitarização das polícias na Europa já completou seu ciclo há décadas, restando apenas as tradicionais corporações militares que atuam de modo pretoriano e nos eventos culturais, sendo que a maioria das polícias municipais se transformaram em órgãos civis identificados com suas comunidades.
Desta forma, o que a segurança pública brasileira necessita é uma reestruturação geral do Capítulo III, Art. 144, em sua integralidade, seguindo uma tendência de divisão de competências constitucionais que alcance os três níveis (federal, estadual e municipal), em que se possam compatibilizar a atuação de todas as corporações policiais, no sentido de se aperfeiçoar, respeitar e implementar o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), em conformidade com os preceitos contidos em um novo e moderno Capítulo (Da Segurança Pública).
Seria extremamente salutar e eficiente que as PMs não fossem vinculadas ou assemelhadas ao Exército Brasileiro, revogando-se expressamente o § 6º, do Art. 144 da CF de 1988, que afirma ser a PM/CBM “força auxiliar e reserva do Exército”.
Portanto, falar em “Comandante-Geral da PM ter mandato eletivo de 2 anos, indicado em lista tríplice ao Governador e criar um quadro de Oficiais-Generais, além de dar-lhe competência para fiscalizar empresas de segurança privada” são medidas inócuas, injustas e desprovidas de qualquer razoabilidade no sentido de reduzir e controlar a criminalidade. Ao contrário, será um incentivo à inoperância e à elitização separatista dos corpos de oficiais com os trabalhadores-policiais que honrosamente patrulham as ruas e praças públicas, criando um intransponível obstáculo de castas elitizadas com vultosos salários e os PM permaneceriam recebendo salários aviltantes, péssimas condições de trabalho, ausência de apoio médico, oftalmológico, psicológico e assistência social, completamente desvalorizados e esquecidos.
Estas referidas propostas tendem a elevar os níveis de corrupção nas corporações e cotidianamente aumentar o desestímulo aos policiais vocacionados, criando espaços para à vinculação a milícias e trabalhos desprestigiados (os chamados bicos).
Da mesma forma, criar mandato de 2 anos para Delegado-Geral de Polícia é estimular a glamorização desta classe gestora (como já se observa na Web) que em nada se assemelham a verdadeiros “investigadores criminais”, assim como não se preocupam em modernizar a gestão das corporações policiais civis. Preferem ser “influenciadores digitais”, autodenominando-se “juristas policiais”. Assim, criar um Conselho Nacional de Polícia Civil será um gesto político inútil tanto quantos os atuais Conselhos Estaduais de Segurança Pública.
Essas tendências de supervalorização da atividade de polícia judiciária no procedimento apuratório é um contrassenso à operacionalidade, com o ultrapassado e ineficiente inquérito policial (presididos pelos referidos “juristas policiais”), assim como a elitização dos gestores das PMs (dando-lhes postos de “Generais”), caminham contrariamente a todas as propostas científicas e técnicas de modernização da área de segurança pública, conduzindo-a para o profundo abismo do corporativismo egocêntrico e insano.
A modernidade e eficiência na área de segurança pública surgirá quando forem discutidas e implementadas, por intermédio do ato político corajoso, diretrizes que efetivem a completa reestruturação desta mencionada área através de radicais mudanças e a implementação dos seguintes paradigmas: ciclo completo da atividade policial, carreira única com acesso exclusivo pela base laboral descentralização da gestão de segurança pública em três níveis (federal, estadual e municipal) e a valorização do conhecimento dogmático policial e da meritocracia objetiva na estruturação das carreiras nas corporações, conforme consta na minha “Teoria da Transdisciplinaridade da Atividade Policial”, fundamentada no livro: “Segurança Pública, o novo pacto reformista da sociedade brasileira na estruturação da defesa social”.
Roberto Darós é Advogado Criminalista; Mestre em Direito Processual Penal (UFES); Professor de Ciências Penais e Segurança Pública (UVV); Especialista em Ciência Policial e Investigação Criminal na Coordenação de Altos Estudos em Segurança Pública da Escola Superior da Polícia Federal (ESP/ANP/PF).