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DELAÇÃO PREMIADA: Instituto, criado em 1990, foi usado como meio de vingança, segundo especialistas

Autoridades no assunto dizem que o instituto foi completamente desvirtuado pelos abusos cometidos pelo Ministério Público nos anos de "lavajatismo".

03/08/2022 às 12h29
Por: Carlos Nascimento Fonte: conjur.com.br/
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DELAÇÃO PREMIADA: Instituto, criado em 1990, foi usado como meio de vingança, segundo especialistas

Prevista no Brasil desde 1990, delação virou meio de vingança na "lava jato"

Autoridades no assunto dizem que o instituto foi completamente desvirtuado pelos abusos cometidos pelo Ministério Público nos anos de "lavajatismo".

EFEITOS DANOSOS

Prevista em lei desde 1990, delação virou meio de vingança na "lava jato"

Previsto na legislação brasileira desde 1990, o instituto da deleção premiada surgiu como uma importante arma de investigação, mas isso mudou com o nascimento do "lavajatismo". O Ministério Público abusou tanto da ferramenta que a desvirtuou, tornando-a um mero meio de vingança.

Essa avaliação é feita por duas autoridades no assunto, os advogados Antonio Augusto Figueiredo Basto e Carlos Kauffmann, que lamentam a perda de credibilidade da delação, resultado dos anos de abuso.

Considerado um dos maiores especialistas em delação do país e pioneiro em negociações desse tipo, Figueiredo Basto arquitetou alguns dos acordos essenciais para a "lava jato", como o do doleiro Alberto Youssef — a seu ver, o mais importante da operação — e o do dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa.

Naquela época, o advogado acreditava que muitas das críticas aos acordos de delação eram exageradas. Hoje, ele considera que houve abusos graves da ferramenta por parte dos lavajatistas. 

"Penso que o instituto foi rebaixado a um instrumento de vinganças e por isso caiu em descrédito, ou seja, o problema não está na colaboração, mas nos agentes do Estado. O descrédito é enorme! Hoje, a maioria dos colaboradores está insatisfeita com os desdobramentos dos acordos e a total falta de compromisso das autoridades em cumprir o estabelecido nas avenças".

O advogado afirma que a Receita Federal, o TCU e outros órgãos de controle usam as colaborações sem qualquer restrição e sem adesão, gerando enorme confusão e prejuízo. Por esses motivos, ele tem reservas quanto ao futuro do instituto.

Sem espontaneidade

Alçado a protagonista do debate público brasileiro no turbulento período lavajatista, o acordo de delação já era previsto desde a Lei dos Crimes Hediondos, e posteriormente foi inserido em situações específicas, tais como crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro e extorsão mediante sequestro, entre outros.

"Apenas a partir de 2014, porém, a delação premiada tomou corpo em nosso sistema pela larga e desmedida utilização ao longo da 'lava jato'. Naquela oportunidade, e diante da ausência de regulamentação do procedimento a ser adotado para sua efetivação, o Ministério Público criou sistemática que passou a ser utilizada como regra absoluta para a efetivação dos acordos. A natureza e origem do instituto, que eufemisticamente foi rebatizado de colaboração, porém, foram subvertidos", aponta Carlos Kauffmann, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB de São Paulo, advogado criminal e professor de Direito Processual Penal da PUC-SP. Ele defende que em muitos dos acordos fechados pelo consórcio de Curitiba a espontaneidade, indispensável à validade das declarações e provas obtidas, jamais esteve presente.

"Mais do que meio de prova, a delação se transformou em exclusivo meio de defesa e de obtenção imediata de alvará de soltura. Várias foram as imputações inconsistentes, com interpretação fática destinada a satisfazer os anseios dos acusadores".

O advogado considera que o instituto continua sendo importante, mas deve ser utilizado em estrita observância às normas que passaram a vigorar em 2019, respeitando-se, acima de tudo, a espontaneidade das declarações e as provas que subsidiam os fatos.

Lei 13.964/2019

Após anos de abusos pelos operadores da "lava jato", a Lei 13.964/2019 dedicou extensa seção à delação, logo de início definida como "negócio jurídico processual".

Conforme o novo regramento, ao informante que levar ao Estado informações sobre a prática de crimes contra a Administração Pública "serão asseguradas proteção integral contra retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas".

Repete-se o mecanismo criado nos Estados Unidos, que, aos chamados whistleblowers (colaboradores voluntários), garante proteção contra vingança ou retaliação de delatados — que podem ser apenados em até dez anos de prisão pelo crime.

Além disso, é garantido ao delatado o direito de falar por último em todas as fases processuais, seguindo a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal.

O direito do delatado a se manifestar por último foi uma das primeiras grandes derrotas da "lava jato". Na ocasião, o STF decidiu pelo entendimento de que réus que não são delatores devem apresentar por último suas considerações finais nos processos, benefício que não vinha sendo concedido aos alvos da força-tarefa. A tese vencedora foi apresentada pelo criminalista e professor Alberto Toron, enquanto atuava na defesa do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine.

Toron sustentou que as alegações são a última grande manifestação das partes e que o réu delator equivale a um acusador dentro do processo, e, sem saber com antecedência quais são os argumentos apresentados por eles, o direito à ampla defesa fica prejudicado.

Com esse argumento, Toron conseguiu a anulação da condenação do ex-executivo da Petrobras, imposta em primeira instância pelo então juiz Sergio Moro.

Compliance e arbitragem

Se os abusos em relação aos acordos de delação muitas vezes monopolizam a atenção dos críticos, os excessos cometidos em compliance e arbitragem não são menos problemáticos, como especialistas já já apontaram na ConJur.

Figueiredo Basto acredita, por exemplo, que o compliance é uma ferramenta indispensável para as empresas, mas acabou se tornando um instrumento abusivo. "Basta o clique no Google para que se estabeleça um critério absoluto sobre determinada pessoa ou empresa, sem que se garanta o contraditório, muito menos a ampla defesa. De outro lado, tornou-se uma pena perpétua, incompatível com nosso sistema: basta que alguém tenha apontamentos negativos para que seja habitualmente reprovado, na abertura de uma conta, obtenção de um empréstimo ou de emprego, sem considerar a reabilitação".

O advogado afirma que o compliance, nos moldes como vem sendo praticado, gera danos colaterais irreversíveis para empresas e pessoas, embora ele acredite que o instituto deve passar por uma fase de amadurecimento e evoluir nos próximos anos.

O mesmo processo de maturação deve acontecer com a arbitragem, na sua avaliação. "O instrumento como meio de solução de conflitos tende a se aperfeiçoar e evoluir, não vejo como retroceder, apesar de alguns percalços, as empresas tendem a procurar uma solução rápida para a composição de seus interesses, o que sabidamente não ocorre no Judiciário, vejo o instituto prosperando e evoluindo, no futuro deve ocupar uma grande parcela da solução dos conflitos".

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