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O QUE OS NÚMEROS DIZEM PARA AS POLÍCIAS?

As corporações deveriam levar em consideração os registros da criminalidade para elaborar estratégias e ações fundamentadas em evidências. Com isso, formas de policiamento e investimentos decorreriam não de convicções e modismos, mas de acompanhamento das dinâmicas criminais.

12/08/2022 às 20h46
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/
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O QUE OS NÚMEROS DIZEM PARA AS POLÍCIAS?

As polícias são repositórios de dados sobre a criminalidade oriundos das quantidades de crimes noticiados, prisões efetuadas, drogas apreendidas, operações realizadas, pessoas violentadas, automóveis roubados etc. Portanto, há nas corporações uma imagem da criminalidade que é visualizada pelo conjunto dos boletins de ocorrência. Essa imagem pode não significar a realidade da criminalidade, pois podem sofrer vieses das próprias atuações policiais. Ademais, talvez os dados das corporações careçam de certos requisitos, como confiabilidade e validade. Entretanto, é desse emaranhado de dados que se conhece parte dos números da criminalidade. Assim, apesar de as polícias não serem órgãos de estatísticas, elas lidam com números. O que tais números dizem para essas organizações?

Os números das violências registrados em polícias são evidências e indicam parte das dinâmicas criminais; sobretudo as notícias apresentadas voluntariamente pelos cidadãos. Por exemplo, no Distrito Federal, no segundo trimestre de 2022 foram registradas 112.332 ocorrências e 5.830 denúncias anônimas. Nesses casos, ampla maioria dos registros se deu pela manifestação dos cidadãos que procuraram as unidades policiais para expor possíveis crimes e outras violências. Esses números, portanto, explanam as dimensões e vicissitudes do trabalho policial na Capital Federal.

Nesse sentido, é oportuno analisar mudanças nos crimes patrimoniais. Em âmbito nacional, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), demonstrou que os crimes contra o patrimônio têm passado por transformações. Assim, em 2014 foram notificados 513.023 casos de roubos e furtos de veículos; em 2021 passou para 334.643 casos, ou seja, redução de 35%. Por outro lado, estelionatos passaram de 446.799 registros, em 2018, para 1.265.073 registros, em 2021, o que representa alta de 183%. Nesse recorte, verifica-se que os crimes patrimoniais mais violentos caíram, enquanto crimes de fraudes e golpes aumentaram consideravelmente.

No Distrito Federal, comportamento análogo tem se observado. Ora, de 2018 para 2021, os estelionatos aumentaram 192%, sendo que os especificamente realizados pela internet tiveram salto de 468%. Por sua vez, os típicos crimes contra o patrimônio realizados com violência apresentaram queda. Por exemplo, o roubo a transeunte, no mesmo período, caiu em 49%. Parte dessas variações é efeito da pandemia covid-19, com as medidas de isolamento social; mas, além disso, pode indicar novas tendências nas dinâmicas criminais.

Ainda no caso do Distrito Federal, entre os meses de março e dezembro de 2020, a média mensal de roubos a transeunte foi de 1.500 casos, bem aquém de 2019, que apresentava 2.400 casos por mês. Parte da explicação dessa redução foi atribuída às medidas de isolamento social da pandemia da covid-19. Diante disso, a expectativa é que esses números aumentassem após as restrições de circulação da pandemia; mas eles indicam estabilidade e queda. Ora, a partir de 2021 a média mensal de registros tem ficado em 1.400 eventos, inclusive abaixo dos valores de 2020. No geral, entre 2020 e 2021 houve redução de 20% dos roubos a transeuntes. No primeiro semestre de 2022, não houve alta de roubos a transeuntes em relação ao mesmo período de 2021; além do que, observa-se queda de 50% desses roubos, em comparação com 2018. Situação análoga se verifica nos roubos de veículos, comércio e residência.

Esses números dizem para as polícias que as dinâmicas de crimes contra o patrimônio modificaram-se no período crítico da pandemia da covid-19, o que exige novas formas de policiamento. Destaca-se que crimes patrimoniais, como furtos e roubos, podem ser evitados com policiamento ostensivo por meio de rondas direcionadas aos locais e horários mais frequentes da criminalidade. Não obstante, para os estelionatos essa atividade policial praticamente não se aplica. Ademais, para o enfrentamento dos furtos e roubos as corporações apostavam em armamentos, viaturas, contratações de policiais; mas para os estelionatos essas estratégias são pouco efetivas. Com efeito, os números da criminalidade sugerem que as polícias precisam repensar suas formas de atuações.

Com o avanço do crime patrimonial no ciberespaço, como pode se observar no estelionato, as polícias deveriam investir em tecnologias, qualificação dos profissionais, cooperações com instituições dos setores do comércio e bancário. Sem deixar de mão o policiamento preventivo capaz de dissuadir ações criminais nas ruas, as corporações deveriam priorizar estratégias de rondas virtuais e recursos investigativos para melhor identificação das práticas criminais de estelionato. Nesse último caso, provavelmente o aparato policial vai precisar de menos armas e viaturas; e, por outro lado, de mais qualificação profissional e soluções tecnológicas.

Portanto, os números da criminalidade têm muito a dizer para as polícias e gestores da segurança pública. Contudo, as corporações deveriam tomar cuidado para não se guiarem exclusivamente pelas sazonalidades dos crimes; assim, por exemplo, agora direcionando todos seus esforços para o enfrentamento dos estelionatos. Elas deveriam ter os números da criminalidade para realizarem estratégias e ações fundamentadas em evidências. Com isso, formas de policiamento e investimentos nas corporações surgiriam não por convicções e modismos, mas pela evidência de que os números apontam como se processam as dinâmicas criminais.

ALEXANDRE PEREIRA DA ROCHA - Doutor em Ciências Sociais (UnB); membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

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