Nas últimas semanas, algumas notícias nos levaram a voltar à discussão de um aspecto fundamental para o funcionamento das democracias: o controle civil sobre as polícias.
Uma das premissas dos regimes democráticos é que as instituições autorizadas a usar a força devem estar sob controle das autoridades civis democraticamente eleitas. O que não quer dizer que as autoridades civis devam interferir nas decisões internas das instituições quanto a nomeações, promoções e transferências. Tais decisões devem se basear em critérios técnicos visando o melhor cumprimento das atividades policiais.
A divulgação da minuta de um projeto de lei substitutivo sobre a reorganização das polícias gerou uma grande discussão. O projeto previa a criação de listas tríplices para a escolha dos Comandantes e Diretores Gerais, o que diminuiria o controle dos governadores sobre as polícias. Embora contrarie a lógica de funcionamento do federalismo brasileiro, a ideia de lista tríplice para escolha de diretores de instituição não fere o princípio democrático. Os Procuradores Gerais de Justiça são escolhidos por lista tríplice e o mesmo ocorre com os reitores das universidades federais.
A ideia central da elaboração de listas tríplices é limitar a interferência política nas instituições, pois todos sabemos que há uma excessiva politização nas polícias. Entretanto, a ingerência política em assuntos internos ocorre por diferentes meios. A falta de uma política clara de pessoal, com critérios objetivos, é que permite nomeações políticas para os comandos de batalhões e chefias de delegacias. Nesse caso, importa menos a forma como os comandantes e diretores foram escolhidos.
O mesmo ocorre na designação de policiais para realizar cursos. Na falta de um plano de carreira com critérios objetivos, algumas designações continuarão sendo realizadas por influência de deputados, senadores e outras autoridades de fora das instituições. É a famosa “peixada” que nos acostumamos a conviver.
Além de ferir o princípio republicano de igualdade perante a lei, as indicações políticas enfraquecem os esforços de profissionalização das polícias. Pois a sociedade espera que os policiais designados para pilotar helicópteros sejam os mais aptos para a tarefa. Idem com relação ao comando de unidades, chefia de departamentos, coordenação de programas, etc.
De forma alguma podemos confundir controle civil com interferência política. O primeiro diz respeito às decisões sobre a política de segurança pública, seus objetivos e metas. São decisões de natureza política que cabem às autoridades eleitas tomar. Já as nomeações e transferências são decisões técnicas e devem ser tomadas sem que haja interferência externa.
Durante muito tempo, lamentavelmente prevaleceu uma lógica perversa na relação entre as polícias e o sistema político. De um lado, era comum a interferência política nos assuntos internos das instituições. De outro, governadores se omitiam quanto à escolha das políticas de segurança.
Um policiamento moderno exige o contrário. É necessário que as autoridades políticas se responsabilizem pelas escolhas dos planos de segurança e deixem de interferir nas decisões internas. A discussão da nova lei sobre a organização das polícias deveria considerar mudar essa relação entre a política e a polícia.
Fonte: fontesegura.org.br/