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A sucessão nos Estados Unidos e o perigo das forças de segurança politizadas

A tendência de Jair Bolsonaro e seus partidários de negar a realidade pode levá-los, como Trump, a contestar o resultado da votação. Como agirão as forças de segurança do Brasil.

20/01/2021 às 12h39 Atualizada em 20/01/2021 às 13h00
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.org.b
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A sucessão nos Estados Unidos e o perigo das forças de segurança politizadas

Na tarde de 6 de janeiro, enquanto as imagens de televisão mostravam uma multidão de apoiadores de Donald Trump entrando e saqueando o prédio do Capitólio dos EUA, meu primeiro pensamento - o primeiro pensamento de muitos americanos - foi: onde estão as forças de segurança?

Uma linha tênue de combate da Polícia do Capitólio dos EUA (a força que protege as instalações do Congresso), não equipada para controlar a multidão, foi prontamente superada pelos manifestantes. Durante muito tempo - horas - algumas centenas de policiais da cidade de Washington foram os únicos outros agentes da lei a chegar ao local.

Os Estados Unidos têm preparado e treinado rigorosamente suas forças de segurança para lidar com ataques e perturbações da ordem pública desde 11 de setembro de 2001. Existem planos interagências prontos para o uso. Dezenas de bilhões de dólares foram gastos em novos equipamentos e recursos para proteger instalações e monumentos do governo federal.

Demonstrações de força e cautela são tão comuns que o termo “teatro de segurança” agora faz parte do vocabulário americano. Todos nós vimos, em resposta aos protestos pela justiça racial de junho de 2020, após o assassinato de George Floyd, a capacidade notável e intimidadora que as autoridades policiais dos EUA, tanto locais quanto federais, podem reunir. Em uma noite em Washington - 1º de junho de 2020 - a polícia prendeu 289 manifestantes do “Black Lives Matter”, em sua maioria pacíficos.

Em 6 de janeiro, porém, quando os manifestantes eram em sua maioria brancos e instigados pelo presidente em exercício, a mobilização foi muito menor e os agentes não estavam inicialmente utilizando equipamento para conter multidões. A Polícia do Capitólio prendeu apenas 13 pessoas durante o dia do tumulto; a polícia municipal de Washington prendeu mais 69 pessoas.

A força policial do Capitólio parecia formidável. Embora proteja apenas uma área do tamanho de um bairro, seu contingente de 2 mil oficiais tem um orçamento de meio bilhão de dólares, maior que o das Forças Armadas da Guatemala. Eles dão a impressão de ser uma força completa, que controla seu território em um nível micro, conhecida por repreender os turistas por pequenas transgressões e prender manifestantes pacíficos, enquanto se mobiliza rapidamente quando surge uma ameaça.

Mas a força se desfez de forma rápida e espetacular em 6 de janeiro e os investigadores estão tentando descobrir o porquê. Claramente, um número pequeno, mas não insignificante, de oficiais da Polícia do Capitólio simpatizavam com os manifestantes pró-Trump e foram cúmplices, permitindo- lhes entrar no terreno do Capitólio e posar para selfies.

Essa é uma grande preocupação e deve ser punida com a pena máxima. Mas a cumplicidade de alguns não explica o fracasso: alguns policiais do Capitólio agiram heroicamente para parar ou desviar os manifestantes. Um morreu e mais de 50 ficaram feridos.

A questão mais urgente, e sem resposta, é por que a força policial recebeu tão pouco apoio, tão lentamente, de uma administração presidencial que foi rápida em conter outros protestos recentes, mobilizando agentes de fronteira, agentes da DEA (Órgão para o Combate das Drogas), pessoal do departamento de pisões e soldados da Guarda Nacional. Barricados em salas, com a multidão do lado de fora, líderes do Congresso, e até mesmo o vice-presidente Michael Richard Pence (que presidia o Senado), pediram ajuda urgentemente. Por que demoraram horas para vir?

Agora sabemos que o presidente Trump passou aquelas horas em frente à televisão, parecendo encantado com o espetáculo e relutante em chamar a segurança. A liderança de segurança do Capitólio e os departamentos de Segurança Interna e Defesa dos Estados Unidos passaram dias engajados em procurar um culpado, acusando-se mutuamente por não responderem, ou por não fazerem solicitações “da maneira certa”.

Mas a mensagem que o atraso deixou é clara. A gestão das forças de segurança federais  –  e especialmente os nomeados por Trump na Segurança Interna e Defesa (Homeland Security and Defense) que estavam encarregados de antecipar esta situação, preparar e chamar a Guarda Nacional e outros reforços  –  ou sentiram afinidade com a causa dos manifestantes ou são incrivelmente incompetentes.

O setor legislativo dos Estados Unidos não tem seu próprio exército. Ele só tem a inesperadamente fraca Polícia do Capitólio (Capitol Police). Deve depender do Poder Executivo para proteção. Nunca percebemos antes que essa dependência era perigosa. O dia 6 de janeiro mostrou como essa norma democrática é importante. Ignore isso - deixe outro setor do governo vulnerável ao ataque da multidão - e tudo desmoronará se não houver accountability. É por isso que obedecemos às normas democráticas: se não o fizermos, então nada importa. Mergulhamos no abismo.

Nos Estados Unidos, pelo menos por enquanto, as normas têm se mantido. O Congresso oficializou a vitória eleitoral de Joe Biden. Os militares dos EUA permaneceram leais à Constituição, embora alguns agentes da lei parecessem mais leais ao presidente. Donald Trump está agora sofrendo um processo de impeachment, mesmo prestes a deixar o cargo, por seu papel em possibilitar a insurreição de 6 de janeiro - e a enorme demora em pedir mais segurança certamente será considerada durante seu julgamento no Senado.

A não resposta ao ataque da multidão ao Capitólio mostra o perigo das forças de segurança politizadas. Em quase todo o mundo, os membros das forças de segurança tendem a ser homens conservadores, com fortes preconceitos e vieses sociais. Como mantê-los apolíticos no trabalho, instrumentalizados por um líder autoritário, é um desafio comum.

Isso significa despolitizar nossas agências de aplicação da lei, a começar pela remoção de comandantes e oficiais que são mais leais a um líder político do que à Constituição.

Também significa retornar a uma ética de serviço, lutando ativamente contra uma mentalidade prejudicial de “nós contra eles”. Muitas vezes, os policiais se veem como uma “linha tênue” nos protegendo de todo um setor da sociedade. Como a resposta extremamente desigual aos protestos recentes nos EUA indica, esse setor tende a nos proteger unicamente das minorias raciais e das pessoas que têm opiniões políticas de centro-esquerda. Nos Estados Unidos, aqueles que têm essa visão de “linha tênue” têm até uma bandeira retratando esse aspecto. Isso é tóxico.

O Brasil está em situação semelhante. O país também tem um presidente populista autoritário que elogia e busca conduzir as forças de segurança. As eleições de 2022 prometem ser muito apertadas. Quando isso acontecer, a tendência de Jair Bolsonaro e seus partidários de negar a realidade pode levá-los, como Trump, a contestar o resultado da votação. Se algo assim acontecer, qual será o papel das forças de segurança do Brasil?

Líderes populistas autoritários têm ganhado terreno em todo o mundo e há muito poucos exemplos de alguém sendo derrotado em uma eleição antes de poder consolidar seu domínio sobre as instituições. Os Estados Unidos, porém, estão fazendo isso. Não é bonito - 6 de janeiro dificilmente poderia ter sido mais feio - mas as instituições democráticas estão se mantendo. Como uma das poucas democracias "pós-populistas" do mundo, os Estados Unidos podem acabar sendo um exemplo de democracia em funcionamento ainda mais forte do que antes.

Há muito trabalho a ser feito, especialmente com a aplicação da lei e a segurança pública do país. Mas se os Estados Unidos forem bem-sucedidos, isso vai acender uma luz para países como o Brasil, que continuam sob o feitiço de autoritários eleitos na “pós-verdade” do século 21.

Adam Isacson - Diretor de Supervisão de Defesa do Escritório de Washington para a América Latina (Wola).).

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