Penso que quase na mesma época, diferença de poucos anos, como ocorre em relação a nossas idades cronológicas, começamos as carreiras que abraçamos em cidades bem próximas e justo estes desideratos aos quais estivemos entregues, desde a década de setenta haveriam, de certa forma, de nos aproximar, respeitar e admirar em reciprocidade fazendo, afinal, com que privássemos de amizade imorredoura.
Sempre que considero acerca de encontros e desencontros que acontecem nesta vida do agora, me permito referir que este passeio do presente reflete situações de eras distantes, onde os personagens do cenário atual atuaram interagindo de maneira que lhes possibilitou o reencontro, no claro objetivo cósmico de resgatar equívocos ou cristalizar acertos visando o crescimento espiritual de todos os viventes, em busca de atingir a plenitude, na esteira de seus atos e ao exercício do livre arbítrio, grande dádiva Divina que assim faculta a ascensão do ser humano, por conta dos seus próprios méritos.
Destarte haveria eu, soteropolitano nato, de ensaiar meus primeiros passos como homem de polícia, em meados do ano de setenta findo, na distante Itapetinga, enquanto a voz potente e firme de Herzem Gusmão começava a ecoar com brilho, nas plagas conquistenses, para se tornar adiante, na marca de um dos mais respeitados homens da imprensa falada, não só da terra que lhe viu nascer, como de resto da Bahia e mesmo do seu país.
A região que guarda como cidade polo, Vitória da Conquista, me recebeu desde então, seja em função da própria atividade a qual me dediquei, por quatro décadas, até estar aposentado, seja porque tanto Itapetinga, como a cidade serrana me premiaram com afetos resultando destes, amigos fraternos e amores quais jardins floridos que me ofertaram colheita farta de filhos e netos. Certo é, já em meados de oitenta assumi a Delegacia Regional, hoje Coordenadoria, com sede em Conquista, de certa foram me estabelecendo no cenário em definitivo findando por escolher o lugar como minha segunda urbe.
A despeito de haver ocupado cargos dos mais distintos, na Instituição Policial Civil do Estado, até alçar o posto de Delegado Geral, isto nos idos de 2003, apesar de ter corrido os quatro cantos do país e até militado fora dele, em busca de solucionar questões das mais diversas, a interesse da segurança pública baiana, até pouco mais de dez anos atrás quando optei voltar para Salvador, por conta dos interesses profissionais e acadêmicos de Roberta, companheira mais que vintenária e do filho caçula, o repouso deste guerreiro guardava os contornos da Suíça Baiana, da Serra do Periperi, seu povo hospitaleiro, seu clima de montanha, sua energia contagiante exposta nas cores alaranjadas do sol poente, quando o astro rei se debruça, além das montanhas, para as banda do oeste.
Além disto, voltei algumas vezes aos palcos conquistenses, não para reabastecer baterias, sobretudo, nos anos noventa convocado para atuar em situações anormais, na condição de delegado especial, a exemplo do sequestro trágico de D. Gilenilda Alves e do motim mais longo da história dos presídios baianos, o antigo Nilton Gonçalves.
Feitas estas considerações volto ao topo dos escritos, vez que eles pretendem falar do meu reencontro, neste plano que ontem para ele se findou, cumprindo seu ciclo, com o grande homem, portanto, admirável, Herzem Gusmão. Por obvio, a minha atividade pública e o apelo nela encerrado haveria de nos colocar frente a frente, ele e seus repórteres de polícia, à cata da notícia, enquanto eu o detentor da informação privilegiada que interessava ao seu público.
Então, na esteira do falado reencontro que a organização cósmica nos impõe, no leito das responsabilidades assumidas diante da sociedade, cada um de nós em seu desempenho, afirmo, os últimos trinta e cinco anos, pelo menos, serviram de esteira para que estreitássemos nosso conhecimento, dentro do maior respeito e consideração, potentes vetores que criam amalgama capaz de forjar amizades verdadeiras.
Sou testemunha da sua dedicação pela carreira, sempre fui admirador da sua capacidade de recrutar profissionais capazes de garimpar a notícia com celeridade e exatidão, da excelência por conduzir como ancora um dos programas mais ouvidos da rádio Conquistense - RESENHA GERAL - que ia ao ar meio dia, direto dos estúdios postados, a início, na Praça Barão do Rio Branco, em seguida no prédio que abriga o Shoping Itatiaia, onde várias vezes tive o privilégio de ser seu entrevistado.
Fã incondicional de sua voz indefectível, do argumento incisivo, da sua coragem pessoal, mas, sobretudo, do seu amor pela terra mater, pelas suas origens, pelos seus conterrâneos, pelos forasteiros que como eu resolveram chegar, para ficar na terra frio, dona de um povo de coração em brasa, assim como o dele.
Eu, que aprendi a conhece-lo de perto, tanto nos campos laborais, como nas vagas calmas de instantes prazerosos e informais do cotidiano, junto a velhos amigos, tais quais o Dr. Ubirajara Brito e os saudosos Humberto Flores e Paulinho Baiano, apenas a título de exemplo, atesto sua honestidade, postura ilibada e retidão de caráter, homem de fé no seu Deus misericordioso.
Induvidosamente, voltando a referir ao grande amor que ele dedicava a sua terra e o desejo enorme que guardava de servir seu torrão, digo que isto se tornou a mola propulsora capaz de fazê-lo aceitar os desafios da vida pública, por isto, depois de muita luta, foi representante do povo de Conquista na Câmara Estadual, onde atuou com independência e competência.
A partir destas atuações, se fez credenciado a disputar a prefeitura municipal da cidade de seus quereres e após árduas disputas, depois de ter sido derrotado por duas vezes, finalmente suplantou a hegemonia do PT, em 2016 e, em seguida, conseguiu a reeleição apesar de toda máquina governamental do Estado ter sido usada, no afã de vê-lo derrotado.
Porém, quis o destino que Herzem não pudesse realizar o propósito de continuar as obras marcantes que mudaram o desenho da cidade e distritos, decerto razões que o conduziram à última vitória, mesmo que muitos dos seus mais próximos temessem não pudesse vir, diante das circunstancias aparentemente desfavoráveis.
Sabe-se da sua intenção de continuar os trabalhos de revitalização da cidade, mas, se conhecia sua pretensão em atuar com ênfase nas áreas sociais, da saúde da educação e da segurança que decerto continuarão a ser prioridades de sua grande substituta, a vice Sheila Lemos, que agora assume em definitivo.
Lamentável perda, do homem do amigo, do profissional, do político, do líder, todavia, os desígnios de Deus são insondáveis e indiscutíveis. Encerro lembrando de um dos últimos encontros formais que tivemos, há pouco mais de um ano, se não me ponho traído pela memória. Cuido de preservar os demais integrantes do episódio que passo a narrar:
Expressivo escritório de advocacia de Salvador, composto de jovens e brilhantes advogados, dentre eles filho de ilustre figura radicada em Conquista há décadas, responsável por cuidar dos interesses empresariais de grupo que transigia com a prefeitura, me pede para tentar uma reaproximação com o prefeito, pois ele decidira não receber mais, nem autorizava o fizessem seus assessores, qualquer executivo do conglomerado, representantes e mesmo advogados.
Procuro-o neste sentido e, sob olhares céticos dos seus auxiliares mais chegados, ele autoriza que seja marcada a reunião pretendida, porém exige que me fizesse presente na ocasião e assim finda por ocorrer. No dia do encontro, em seu gabinete da Bartolomeu de Gusmão, os empresários, seus advogados e parte expressiva do secretariado, num ambiente tenso, com aquele seu jeito direto e aquela voz marcante, ele dispara: “SENHORES, ANTES DE COMEÇAR GOSTARIA DE LHES DIZER O SEGUINTE: ERA MINHA PRETENSÃO NÃO RECEBÊ-LOS MAIS, ESTAVA DISPOSTO A LEVAR ESTE ASSUNTO A QUALQUER INSTANCIA QUE FOSSE NECESSÁRIA, POIS ACIMA DE TUDO ESTÃO OS INTERESSES DO POVO DE CONQUISTA ENVOLVIDOS NELA. PORÉM, NÃO POSSO DEIXAR DE ATENDER A UM PEDIDO DE DR. VALDIR BARBOSA" - SEMPRE ME TRATOU COM ESTA DEFERENCIA, A DESPEITO DA NOSSA FRATERNA AMIZADE. "ASSIM, AUTORIZO SEJAM REABERTAS AS NEGOCIAÇÕES”.
Confesso, entre orgulhoso e emocionado, nada mais restava fazer, senão agradecer a deferência de público e assistir aos atos que se sucederam. O que resultou nisto, só a história dirá.
Neste fim de tarde de uma sexta feira triste, recluso há 13 dias, acometido por este vírus traiçoeiro, com comprometimento pulmonar, mesmo leve deixo de sofrer por isto, pois a realidade da perda irreparável é cruel, então, não posso segurar lágrimas sentidas que me brotam da alma, ao expressar minha homenagem derradeira a este amigo que segue para a senda do infinito. Faz parte da vida, sabemos que vimos ao mundo para realizar, semear, colher os frutos da semeadura e partir de volta no caminho da eternidade. Caríssimo Herzem Gusmão, você veio, realizou, semeou boas sementes, colheu belos frutos, então siga seu caminho em direção à luz.
Dia destes nos encontraremos por aí.
Abraços.
Salvador, 19 de março de 2021
Valdir Barbosa