Segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, a Polícia Rodoviária Federal pode participar de operações conjuntas, como as ações de segurança que ocorreram durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016
Há algum tempo tem-se acompanhado a evolução de notícias que tratam sobre o crescimento da participação da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no cenário brasileiro de segurança pública. A PRF, que era percebida como órgão de atuação exclusiva em rodovias federais, parece ter ganhado a confiança de gestores públicos após os grandes eventos esportivos que aconteceram no Brasil nos anos de 2014-2016, entretanto, este tem sido um tema controverso no cenário político-jurídico brasileiro.
Em 2019, durante a gestão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Sergio Moro, foi editada a Portaria MJSP 739/2019, que “estabeleceu diretrizes para a participação da Polícia Rodoviária Federal em operações conjuntas nas rodovias federais, estradas federais ou em áreas de interesse da União”. A portaria possibilitou à PRF atuar em operações de natureza ostensiva, investigativa, em operações de inteligência ou mistas, para fins de investigação de infrações penais e de execução de mandados judiciais, em atuação conjunta com (i) os órgãos do Ministério Público; (ii) os órgãos integrantes do Sistema Único de Segurança Pública - SUSP; e (iii) a Receita Federal do Brasil.
Esta portaria foi alvo de inúmeras críticas por associações profissionais que questionavam os limites constitucionais de atuação da PRF, uma vez que caberia exclusivamente à Polícia Federal e às polícias civis exercerem atividades investigativas e persecutórias. Sob tal perspectiva, à PRF caberia apenas realizar o patrulhamento ostensivo de rodovias federais. Neste ponto, também questionava-se a possibilidade de a PRF atuar em “áreas de interesse da União”, muitas das quais seriam áreas restritas à atuação da Polícia Federal, como ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos.
Em dezembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi questionado acerca da constitucionalidade da Portaria MJSP 739/2019 por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6296). Em janeiro de 2020, a portaria teve sua eficácia suspensa por decisão do então presidente STF, ministro Dias Toffoli, que apontou que o ministro Sérgio Moro “incursionou por campo reservado ao Congresso Nacional” ao atribuir à PRF competências que extrapolavam as atividades de patrulhamento em rodovias federais.
Não obstante, em março de 2020, o ministro Marco Aurélio, relator da matéria no STF, restabeleceu a eficácia da Portaria MJSP 739/2019, ao concluir que a norma tratava sobre operações conjuntas, em cooperação da PRF com o Ministério Público, a Receita Federal e os demais órgãos do SUSP (Polícia Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Militares e Corpos de Bombeiros Militares). Em sua decisão, o ministro Marco Aurélio apontou que “o outrora juiz Sérgio Moro, atuou com extremo cuidado, observando as delimitações constitucionais. Em momento algum versou a substituição, pela Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal, no que esta última exerce, com exclusividade, a função de polícia judiciária, investigando”.
A matéria permaneceu em discussão no STF e em setembro/2020 foi publicado o acórdão da ADI 6296 MC-Ref, quando o plenário concluiu por maioria que a “atuação da Polícia Rodoviária Federal em colaboração com órgãos diversos, sem extravasamento das atribuições previstas na Lei Maior, tem-se higidez constitucional.”
Toda esta contextualização nos permite compreender agora a participação da PRF nas ações integradas do MJSP, promovidas pela sua Secretaria de Operações Integradas (SEOPI), instituída por meio do Decreto 9.662, de 1º de janeiro de 2019 e a quem compete ações como (i) assessorar o ministro de estado nas atividades de inteligência e operações policiais, com foco na integração entre os órgãos de segurança pública; (ii) promover a integração das atividades de inteligência; e (iii) coordenar o Centro integrado de Comando e Controle Nacional e promover a integração dos centros integrados de comando e controle regionais, entre outras.
Paralelamente, o atual ministro do MJSP, André Mendonça, também parece entender que da mesma forma que as organizações criminosas se articulam em rede, a segurança pública nacional também deve se organizar em rede para alcançar melhores resultados, como defendeu no lançamento do Plano de Forças-Tarefas SUSP de Combate ao Crime Organizado, ocorrido no último dia 19 de janeiro de 2021 e que tem como objetivo a redução dos indicadores de violência e crime no país, como homicídios, latrocínios, tráfico de drogas e roubos a bancos, cargas e veículos.
O Plano de Forças-Tarefas SUSP de Combate ao Crime Organizado será coordenado pela Polícia Federal e contará com a participação da Polícia Rodoviária Federal, do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e da SEOPI. Existe ainda um cronograma de adesão para participação das Unidades da Federação.
Não obstante a consolidação do papel da PRF nas ações integradas do MJSP, às vésperas do lançamento do Plano de Forças-Tarefas SUSP de Combate ao Crime Organizado a Portaria MJSP 739/2019 foi revogada pela Portaria MJSP 42/2021, que alterou as diretrizes para participação da PRF em ações conjuntas.
Apesar de teoricamente reduzir a atuação da PRF em operações de investigação e inteligência, a nova portaria delega ao Diretor-Geral da PRF competência para autorizar a participação do órgão em operações conjuntas; amplia o rol de possíveis parceiros, agora fazendo previsão a “outros órgãos das esferas federal, estadual, distrital ou municipal" e não delimita a atuação da PRF às rodovias federais e áreas de interesse da União. Aparentemente as lacunas da nova portaria conferiram à PRF ainda mais espaço para atuação.
Resta-nos observar e desejar que os órgãos de segurança pública tenham sucesso na atuação em rede e na integração de suas ações.
Waldo José Caram Rohlfs - Policial Rodoviário Federal. Especialista em Segurança Pública e Cidadania (UnB).