ARTICULISTAS PROFISSÃO POLÍCIA
MINISTÉRIO DA SEGURANÇA PÚBLICA E MODELOS DE POLÍTICAS
A criação do ministério pode ser o ponto ígneo catalizador para concatenar iniciativas em diversos municípios em protocolos e de tornar o tema Segurança Pública multidisciplinar.
18/12/2022 21h14
Por: Carlos Nascimento

O processo de transição de governo é, talvez, a última etapa de uma janela de oportunidade para mudanças institucionais significantes sem que haja eventos políticos traumáticos, que na área da segurança pública seriam trágicos e letais. Nesse sentido, o importante debate sobre a criação do Ministério da Segurança Pública descortina a questão sobre que modelo de política será adotado: se um modelo vinculado prioritariamente ao campo policial-jurídico, sendo outras áreas políticas e de conhecimento orbitando como satélites; ou um modelo que compreende que o Estado deve planejar e executar políticas de segurança pública com diversos segmentos políticos e de conhecimento. Na realidade, esses modelos são executados em diversas comunidades e/ou cidades, todavia, o primeiro não contempla a complexidade das motivações desviantes e o segundo modelo ainda não tem o capital político para construir-se como modelo de política.

A atual estrutura do Ministério da Justiça é regulamentada pelo Decreto nº 11.103 de 2022,  que descreve vinte e dois assuntos de competência da pasta que versam sobre política judiciária; nacionalidade, imigração e estrangeiros; defesa da ordem econômica e direitos do consumidor; políticas de promoção dos direitos indígenas; políticas de Segurança Pública; entre outros. Nos últimos vinte anos foram mais de dez decretos alterando a estrutura e em alguns momentos a competências, todavia, mantendo o modelo de Política de Segurança Pública.

O processo de criação e de implementação de políticas de prevenção da criminalidade, de intervenção emergencial frente ao ato criminoso e de “reordenação das relações cotidianas” envolvendo a pessoa desviante e a vítima tem os mesmos atores, com raras variações, e fundamentadas nas mesmas premissas, com poucas mudanças. O processo de controle tem como protagonistas as polícias, Ministérios Públicos, Tribunais e Unidades Penitenciárias, com pouquíssima participação de outras instituições. Em alguns momentos, por ser limitada a participação de profissionais de outras áreas, torna-se um reforço positivo de comportamento como, por exemplo, as oficinas educativas e de trabalho no sistema penitenciário. De todo modo, esse modelo apresenta a mesma solução para diversos tipos de crimes que têm múltiplas motivações. As consequências são conhecidas: classificação de grupos etnicamente como perigosos, encarceramento em massa, alta letalidade policial, alto índice de suicídio policial, entre outras.

O processo de mudança do foco centrado no criminoso para políticas que têm foco na criminalidade acontece lentamente em alguns municípios e unidades da federação, por composição governamental priorizando outras áreas de conhecimento, mas continua frágil e suscetível às mudanças de governo. Policiamento Orientado para o Problema, Policiamento baseado em evidências, entre outras práticas para redução de determinados índices são algumas das mudanças, todavia, ainda centradas nas mesmas instituições, por ter pouco capital político. Mudar o modelo não significa reduzir o trabalho policial, mas especializar e compartilhar o processo de planejamento de prevenção, intervenção e de resolução dos conflitos e da criminalidade.

Na cidade de Brazlândia (DF), por exemplo, há um modelo híbrido, pois oficialmente há a política de redução de índices de crimes violentos letais e intencionais implementado em 2015, na gestão do Prof. Arthur Trindade Maranhão, que integra instituições de segurança, juntamente com a participação da sociedade civil provocada pela Rede Social fomentada pela Promotoria de Justiça local. A Rede é constituída por diversas instituições governamentais e não governamentais e discute problemas locais. Em alguns casos, formam grupos de trabalhos para problemas que necessitam de maior planejamento.

A PMDF participa enquanto representante do segmento da Segurança Pública e alguns policiais militares também participam como representantes de instituição não governamental. Após o debate “horizontal” e o planejamento, as medidas são implementadas em conjunto, com corresponsabilidade. Para exemplificar, foram constituídos grupos de trabalho para debater e implementar ações de enfrentamento à violência sexual infantil e as ações planejadas envolviam atividades de prevenção, de intervenção e de acolhimento às vítimas. Neste caso, estavam envolvidas a Gerência Regional de Ensino, a PMDF, a PCDF, a Gerência Regional de Saúde e OnG’s de diversos segmentos de atuação.

Outro exemplo é o combate à violência doméstica. As práticas policiais continuam. No primeiro semestre de 2022, a Polícia Militar registrou 232 atendimentos iniciais de violência doméstica na cidade. Esse atendimento consiste em entrevistar a vítima e possível agressor e conduzir as pessoas envolvidas à delegacia com o máximo de evidências. Os ritos processuais continuam. Todavia, as parcerias estabelecidas pela Rede Social implementaram o projeto Mãos Estendidas, que tem como objetivo interromper o ciclo de violência doméstica. São acompanhadas 220 famílias, sendo que 75 recebem cestas básicas mensalmente, todas as mulheres que desejarem são encaminhadas para serviços multidisciplinares de apoio realizados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social, pelo Conselho Tutelar, pela Delegacia Especializada, pelo Núcleo de Atendimento a Famílias e Autores de Violência Doméstica e a equipe do serviço de Programa Orientado à Violência Doméstica e Familiar (PROVID/PMDF), composta por policiais especializados na temática que realizam visitas e monitoram possível reaproximação da pessoa com restrição, sendo que foram realizadas 896 visitas às mulheres pela PMDF no primeiro semestre.

Entretanto, todas essas práticas exitosas são “frágeis”, pela ausência de protocolos institucionalizados e pelos vínculos que necessitam de agentes do Estado e de representantes da sociedade civil motivados. A difusão deste modelo depende de capital político para implementação e a criação de Ministério da Segurança pode ser o ponto ígneo catalizador para concatenar iniciativas em diversos municípios em protocolos e de tornar o tema Segurança Pública multidisciplinar, com diferentes atores e com soluções locais, regionais e nacional.

GILVAN GOMES DA SILVA - Formado em Antropologia e em Sociologia, com mestrado e doutorado em Sociologia pela Universidade Nacional de Brasília. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.