Por Marcilene Lucena
A insegurança jurídica ronda a aposentadoria dos policiais não militares desde a Constituição Federal de 1988. Constituinte originário e reformador deixaram “em aberto” os direitos à paridade e integralidade, tempo de serviço policial, tempo de contribuição etc. Tanto é, que somente em outubro de 2010, com a repercussão geral do julgamento da ADI 3817, ficou recepcionada pela Constituição os preceitos da Lei Complementar Federal n.º 51/1985, que garantiu aposentadoria diferenciada, com exigência de 30 anos de contribuição total, sendo pelo menos 20 de atividade policial. Vale ainda lembrar, que somente em 2014, a aposentadoria especial das mulheres policiais, com 25 anos de contribuição, foi reconhecida, direito esse sempre garantido às mulheres militares.
Sempre refém de entendimentos do judiciário e de leis ordinárias nos estados, a aposentadoria dos policiais civis percorre um verdadeiro calvário em toda sua história pós Constituição Cidadã. Tal fato se evidencia em um passado recente, onde mesmo com a exclusividade da União e do Congresso Nacional em legislar sobre matéria previdenciária, estados aposentavam seus policiais apenas quando completassem 35 anos de contribuição, onde Estado como São Paulo, mesmo com a repercussão geral da ADI 3817, a aposentadoria especial aos policiais civis daquela unidade federativa, somente se efetivava após ação judicial movida pelos interessados ou sua entidade sindical.
Durante as discussões da Reforma da Previdência, com a covardia apresentada pelo Governo Federal em fevereiro de 2019, retirando os poucos direitos que nos restavam quanto aposentadoria e pensão, diferentemente da atitude dispensada aos militares dos estados e das forças armadas, fomos rifados da discussão, quando no Congresso Nacional retiraram os servidores públicos estaduais, o que nos preteriu a possibilidade de negociação com os parlamentares federais sobre nossos interesses.
Paralelo às covardias perpetradas por Governo Federal e Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal – STF, incoerente com decisões pretéritas, julgando uma ADI oriunda do Estado de Rondônia (ADI 5039), decidiu, em novembro de 2020, acatando por maioria de votos o relatório do Ministro Edson Fachin, que é inconstitucional que estados concedam paridade e integralidade aos policiais civis, pois fere norma constitucional dada pela Emenda 41/2003. Segundo a decisão, estados e municípios não podem legislar em matéria previdenciária, no entanto, a decisão vai de encontro ao definido no § 4º B da Emenda Constitucional n.º 103/2019, acrescido ao Art. 40 da CF, que habilita ente federado a adotar critérios diferenciados para os servidores da segurança pública. Vale destacar que a votação da referida ADI foi iniciada em 2018 e suspensa após pedido de vistas do Ministro Alexandre de Moraes, que votou pela improcedência da ADI, balizado especialmente no fato da nova norma dada pela EC 103/2019. Alexandre de Moraes foi seguido pelos Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli e a ADI julgada procedente em parte, de acordo com o Relator Edson Fachin, que foi acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber.
Embora o Acórdão ainda não tenha sido publicado, estados e municípios já foram cientificados da decisão e ameaçam servidores policiais, mesmo em estados que já modificaram suas constituições referente à questão previdenciária. Vale destacar que o questionamento das aposentadorias se restringe àquelas concedidas após dezembro de 2003 e ainda não se sabe na prática os efeitos nos estados, seja para as aposentadorias já concedidas ou as futuras.
Essa insegurança jurídica histórica se torna ainda mais grave, pois nem mesmo com a autorização constitucional, o judiciário se convence dos direitos dos servidores policiais de aposentadoria diferenciada, assim como a dispensada aos militares, sabotando, mesmo que direitos limitados e desequilibrados entre os estados que proporcionam aos policiais civis aposentadoria das mais diversas, com disparidade inclusive entre policiais que atuam na mesma função e compartilham os mesmos riscos.
A Previdência já foi reformada em pelo menos 17 estados e em cada um existe um regramento distinto. Para se ter uma ideia, destes, apenas 05 expuseram os termos “paridade e integralidade” aos policiais civis de forma explícita e garantida aos referidos servidores com ingresso além de dezembro de 2003. Nos demais, a ampla maioria “copiou e colou” o texto da EC 103/19 e estão reféns do parecer superficial e limitado da Advocacia Geral da União -AGU, que define tal direito aos policiais de nível federal, mas se fragiliza ao afirmar que entendimentos do Tribunal de Contas da União - TCU e do próprio STF são superiores e podem a qualquer tempo tornar inútil o documento.
A ADI 5039 e o novo entendimento do STF configuram mais uma patuscada dos poderes com a vida e os direitos dos profissionais da Polícia Civil e expõe de forma visceral o desprestígio que estes gozam no cenário político. Mesmo sem Acórdão publicado, os efeitos prejudiciais da decisão já afetam os policiais do Estado de Rondônia e deve ser distribuído com o passar dos meses aos demais policiais, mesmo sem uma compreensão exata das modulações da Ação, pois essa é a conduta padrão de governos estaduais e que agora ecoa na praça dos três poderes quando o assunto são os trabalhadores das polícias investigativas estaduais.
A FEIPOL-CON atua com seu jurídico na busca de um parecer que nos norteie nas ações a serem realizadas e a COBRAPOL já está preparando os embargos para o pós publicação do Acórdão, mas a verdade é que sem movimentação política que reverta as cruéis normas previdenciárias impostas aos policiais civis, o futuro de nossos direitos não é o mais animador e, me atrevo a afirmar, que sem uma mudança de posicionamento de nossa categoria quanto a necessidade de mobilização, seja nas redes sociais ou nas ruas, corremos o risco de, ao final da década que se inicia, termos uma Instituição ainda mais enfraquecida e uma Carreira ainda menos atrativa e cada vez mais desvalorizada.