Número de policiais eleitos para deputado federal saltou de 25, em 2018, para 37 nas eleições de 2022; para especialista, nomes mostram perfil midiático, pró-armas e bolsonarista, com abandono de pautas da carreira policial.
O Congresso Nacional aumentou em 30% o número de cadeiras para integrantes provenientes das forças de segurança pública. A Bancada da Bala, como é conhecida a frente de parlamentares dessa categoria, foi de 25, em 2018, para 37 nas eleições de 2022, conforme dados levantados pela Ponte no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Não foram considerados membros das Forças Armadas.
Dos 25 eleitos em 2018, apenas 12 se reelegeram no pleito deste ano. São Paulo, que é o maior colégio eleitoral do país, elegeu oito policiais: Delegado Bruno Lima (PP), Eduardo Bolsonaro (PL), Delegado Palumbo (MDB), Capitão Derrite (PL), Delegado Da Cunha (PP), Felipe Becari (União Brasil), Capitão Augusto (PL) e Delegado Paulo Bilynskyj (PL). Em seguida está Minas Gerais, com quatro deputados federais: Pedro Aihara (Patriota), Delegado Marcelo Freitas (União Brasil), Delegada Ione Barbosa (Avante) e Junio Amaral (PL). Os demais estados variaram entre um ou dois policiais eleitos ou não elegeram policiais.
A concentração desses candidatos está em partidos de direita. Só no PL, partido do presidente Jair Bolsonaro e maior bancada da Câmara dos Deputados, são 17 policiais. Na sequência está o União Brasil (6), PP (4), Avante (2), MDB (2), PSD (2), Republicanos (1), Podemos (1) e Patriota (1). No espectro da esquerda, apenas uma policial foi eleita: Delegada Adriana Accorsi (PT-GO), que era deputada estadual em Goiás.
Para o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, houve uma mudança significativa no perfil de policiais que vão atuar na próxima legislatura em relação aos que foram eleitos em 2018. “Os policiais que tinham uma pauta mais corporativista, associativista ou sindical no sentido de pautas de carreira policial, como o Subtenente Gonzaga (PDT-MG), não foram eleitos. Os nomes que se destacam nesta eleição emulam o bolsonarismo radical, extremamente radical, como o Sanderson (PL) [que se reelegeu], do Rio Grande do Sul, que é um agente da Polícia Federal que fazia um discurso sindical, mas depois foi para uma agenda pró-armas mais próxima do Eduardo Bolsonaro”, analisa.
Além disso, dos 23 postulantes eleitos na Câmara Federal apoiados pelo movimento Pró-Armas, maior grupo armamentista do país, sete são policiais: Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), Capitão Alden (PL-BA), Delegado André David (Republicanos-SE), Cabo Gilberto Silva (PL-PB), Sargento Gonçalves (PL-RN), Capitão Alberto Neto (PL-AM) e Coronel Ulysses (União-AC).
“É uma bancada que não chega a influenciar em votações estratégicas no Congresso, mas mostra um alinhamento ao bolsonarismo que se destaca pela agenda armamentista e pelo excludente de ilicitude”, aponta o pesquisador. “Os policiais eleitos não foram eleitos como representantes das suas corporações: ou são influencers, pela midiatização da atividade policial, ou linha auxiliar do bolsonarismo radicalizado”, aponta Lima.
“Se a gente olhar para os nomes da bancada de São Paulo, que é a maior, são nomes que não estão preocupados com os problemas reais das polícias. Na prática, o que a gente vê aqui é o fenômeno dos policiais influencers. O único que de certa forma ainda traz a discussão corporativista é o Capitão Augusto, que também virou vice-presidente do PL e consegue equilibrar tanto o conteúdo ideológico quanto o conteúdo de representação dos policiais.”
Isso explica, por exemplo, porque nomes como Coronel Telhada (PP) que era deputado estadual em São Paulo e alcançou apenas a suplência na Câmara dos Deputados, apesar de ser um apoiador do presidente Jair Bolsonaro, mas não necessariamente um influencer. “Um discurso mais conservador de ‘tem que ir lá enfrentar o crime’ é uma variável clássica dos policiais como o Conte Lopes, o próprio Telhada, para se elegerem. O que o bolsonarismo faz é incluir a variável armas, o excludente de ilicitude, e tem vários ali que entram nessa agenda: o Bilynskyj, o Fahur [reeleito PSD-PR], o Sanderson entrando nessa onda”, pontua. “O Da Cunha e o Palumbo estão mais ligados à essa midiatização da violência.”
Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, foi o terceiro mais votado em São Paulo, com 741.701 votos, apesar de ter diminuído o número de eleitores em relação a 2018. Já em quinto, está o Delegado Bruno Lima, com 461.217, que foi deputado estadual, e se destaca por pautas voltadas à causa animal, além de ser influencer.
No mês passado, a Ponte elencou o “currículo” de parte dos policiais candidatos de São Paulo. 42% deles já responderam a alguma investigação criminal e a maioria dos inquéritos foi arquivada. Delegado Da Cunha e Delegado Paulo Bilynskyj se destacam pelo fato de o Conselho da Polícia Civil terem aprovado suas demissões em virtudes de condutas que violariam os valores da corporação.
Da Cunha responde ao menos cinco inquéritos que versam sobre uma série de vídeos que fez para o seu canal no YouTube sobre a prisão de um homem que teria o mesmo apelido de um suposto chefe do PCC. O delegado admitiu que a prisão foi simulada. Ele também é investigado por lavagem de dinheiro por ocultar um pagamento de R$ 500 mil que recebeu de um empresário, além de peculato por se utilizar da estrutura da corporação, por meio das operações policiais, para gerar monetização de vídeos em seu canal.
Já a demissão Bilynskyj aconteceu após um vídeo feito por uma escola preparatória para concursos, chamada Estratégia Concursos, que fazia alusão do estupro de uma mulher branca por homens negros, ser compartilhado pelo ex-policial. O co-fundador e diretor pedagógico da escola, Ricardo Vale Silva, doou R$ 5 mil para a campanha do ex-delegado, conforme o TSE.
Durante a apuração da denúncia feita à Corregedoria Civil, Bilynskyj alegou em sua defesa que o vídeo teria sido postado pela sua noiva sem seu consentimento. Segundo disse em depoimento à Divisão de Processos Administrativos, assim que tomou conhecimento da repercussão da publicação, teria apagado as imagens imediatamente.
A noiva do policial, a modelo Priscila Delgado, morreu dias depois de o vídeo ser publicado. A morte dela ganhou grande repercussão na mídia e teria ocorrido depois de uma briga entre o casal, em 2020. Bilynskyj foi hospitalizado após receber três tiros e a namorada faleceu no apartamento onde os dois moravam. Em agosto, a Justiça arquivou o caso, confirmando o inquérito policial que apontou que o policial sofreu uma tentativa de homicídio da companheira, que depois cometeu suicídio.
Ele também responde a inquérito por exercício ilegal da profissão, porque estaria dando aulas de tiro no estande em que era sócio, munido de distintivo, enquanto estava de licença médica, inclusive na presença um menino que 10 anos que foi levado por uma das alunas.
Assembleia “desguarnecida”
Por outro lado, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), a Bancada da Bala diminuiu: de 10 eleitos em 2018 para seis, sendo que cinco foram reeleitos Major Mecca (PL), Delegado Olim (PP), Capitão Conte Lopes (PL), Agente Federal Danilo Balas (PL) e Delegada Graciela (PL). O único novato é o Capitão Telhada (PP), filho do deputado estadual Coronel Telhada (PP). De forma preliminar, o pesquisador supõe que o foco no Congresso deixou a assembleia “desguarnecida”.
“Você vê uma diminuição de representantes policiais nas assembleias e um crescimento dos partidos de esquerda, que é onde se discutem questões que realmente fazem diferença na vida do policial: salário, carreira, plano de saúde passam pela assembleia”, analisa. “O que São Paulo parece indicar é que as polícias foram meio que abduzidas pelo discurso bolsonarista e abriram um flanco que desguarneceu a assembleia como o lugar mais estratégico para pensar questões da carreira. Parece que quem foi eleito estava menos preocupado com a carreira, com a sua própria liderança política, mais com a agenda bolsonarista e não com a agenda da segurança pública.”
O presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica, ainda, que a ausência de quadros da esquerda e centro-esquerda na representação de policiais, que já é historicamente ínfimo, e de parlamentares que discutam estruturalmente as polícias mostra a falta de propostas desse campo para a segurança pública.