A proposta de permitir que empreiteiras paguem multas de seus acordos de leniência firmados na finada "lava jato" com a execução de obras públicas gerou discordância entre especialistas no assunto. Por um lado, há quem considere a medida positiva para ajudar as empresas a se recuperarem, estimulando o desenvolvimento econômico e a geração de empregos. Por outro, há quem acredite que é arriscado atribuir contratos públicos a companhias em dificuldades financeiras e que é necessário promover licitação antes de atribuir empreitadas a entes privados.
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, vêm apoiando a ideia de permitir que empreiteiras paguem multas de acordos de leniência com obras, segundo informou o jornal O Estado de S. Paulo. Os contratos preveem ressarcimento aos cofres públicos, principalmente de estatais, além de destinações ao Ministério Público Federal e à Controladoria-Geral da União.
Dantas, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e integrantes da Advocacia-Geral da União e da Controladoria-Geral da União já se reuniram para discutir a medida, ainda segundo o Estadão.
Rui Costa disse em entrevista à GloboNews que a proposta visa a acelerar obras "sem depender do orçamento direto da União". "São recursos que não estão lançados no orçamento e poderiam vir para essas obras rapidamente por serem executadas pelas próprias empresas devedoras, fruto dos acordos de leniência", disse o ministro.
As empreiteiras que firmaram acordos de leniência têm tido dificuldades para pagar suas multas, até porque muitas delas passaram por recuperação judicial. Os termos das cinco principais companhias –Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e Camargo Corrêa — somam R$ 8,1 bilhões de multas. Desse valor, apenas R$ 1 bilhão foi quitado até hoje, conforme a CGU.
O professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Pedro Estevam Serrano avalia que a proposta de pagar as multas com a execução de obras públicas pode ajudar as companhias a se recuperarem, além de estimular o desenvolvimento econômico.
"Está claro que o pagamento das multas dos acordos de leniência vai levar as empresas à quebra, e a União vai receber muito pouco. Nenhum credor deseja que o devedor quebre, para não ter prejuízo. Esse seria um mecanismo que favoreceria essas empresas a se recuperarem, o que é importante para elas e para o país. Afinal, são companhias muito relevantes para o desenvolvimento e para a geração de empregos", opina Serrano.
O professor afirma que as empreiteiras não devem arcar sozinhas com o risco das obras — que deve ser compartilhado com o Estado. "Pode ser uma forma de recuperar o setor de infraestrutura no país, que foi destruído de uma forma irresponsável."
Ausência de licitação
O professor de Teoria Geral do Estado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Sebastião Tojal ressalta que os acordos de leniência, em sua grande maioria, tornaram-se "impagáveis". Isso devido às condições do mercado e às dificuldades pelas quais as empreiteiras passaram e passam.
Tojal vê dificuldades legais na proposta de pagar as penalidades com a execução de obras públicas. As multas são recursos devidos à União, e os serviços seriam pagos com créditos dos quais o Tesouro é titular. Portanto, as obras precisam ser licitadas, segundo o professor. "Não podem ser atribuídas a esta ou aquela empresa. A ausência de licitação traz problemas sérios, a começar por não se saber qual é a melhor proposta".
Uma vez que as empreiteiras estão inadimplentes quanto aos acordos de leniência em decorrência de suas dificuldades financeiras, como será possível, questiona Tojal, atribuir a essas empresas obras públicas sem que tenham fluxo de caixa adequado ou recursos para contratar garantias? "Não me parece que atribuir contratos de obras públicas para amortizar dívidas de acordos de leniência seja uma fórmula adequada."
O professor destaca que é preciso rever não apenas os fluxos de pagamento dos acordos de leniência, mas também os valores das multas. Caso contrário, os termos serão inválidos, e não haverá nem ressarcimento aos cofres públicos, nem informações que viabilizem investigações, nem a adoção de programas de integridade pelas empreiteiras, segundo ele.