SEGURANÇA PÚBLICA PERÍCIA EM EVIDÊNCIA
A PERÍCIA NA INVASÃO NA PRAÇA DOS TRÊS PODERES: ALCANCE E DESAFIOS
A perícia oficial brasileira certamente fará parte da história do ataque à democracia brasileira. Manifesto a tristeza e ao mesmo tempo a certeza de que somos capazes de lutar para manter vivo o ideal democrático de nosso Estado.
20/01/2023 15h54
Por: Carlos Nascimento

O tema da nossa primeira coluna Perícia em Evidência em 2023 não poderia ser outro: a invasão ocorrida no dia 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, levada a cabo por um grupo de manifestantes em uma ação considerada na prática como terrorista. Três de nossos palácios instalados no centro do poder foram alvos das ações mais grotescas já vistas na capital federal. O Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional foram depredados de maneira jamais vista e esperada. Os danos produzidos pelos vândalos foram transmitidos ao vivo e os detalhes continuam aparecendo em imagens obtidas a partir de câmeras de circuitos internos instalados nos edifícios atingidos. Nossos patrimônios histórico, cultural e político foram afetados.

Resta-nos pensar agora na sequência das ações que se fazem necessárias: investigação, busca dos responsáveis (diretos e indiretos); prisões, responsabilização judicial e justa punição.

Diante desse cenário envolve-se o trabalho da perícia criminal. Por força de competência prevista em lei, a atribuição das atividades periciais deste caso recai na perícia da Polícia Federal, com um desafio que se mostra gigantesco. Um local de crime que tecnicamente consiste em toda a Praça dos Três Poderes. Um cenário não apenas fisicamente extenso, mas que, pelas características do evento, apresenta um potencial imenso em termos de geração de vestígios a serem processados, cadastrados, recolhidos, analisados. Tudo nesse exame de local incorpora como adjetivo a palavra MEGA.

Mas em que consistirá o trabalho dos peritos criminais neste caso? Vamos abordar o tema em função dos objetivos e dos tipos de exames relacionados:

IDENTIFICAÇÃO: Na busca da identificação dos envolvidos, a perícia valeu-se da localização e coleta de todos os vestígios capazes de “colocar” alguém naquela cena:

– Impressões digitais: elas estavam em todos os locais, objetos, fragmentos, paredes, placa de vidro quebradas ou íntegras e serão utilizadas certamente em grande escala.

– Material genético: toda e qualquer substância de natureza biológica pode de forma potencial ser utilizada com essa finalidade. Sangue, saliva, pele, suor, fezes e até mesmo a ínfima parcela de material aderido a uma impressão digital (DNA de toque) podem revelar sua origem e assim identificar um ser humano específico.

– imagens faciais também serão empregadas em exames de confronto que podem permitir identificar pessoas envolvidas.

COMPREENSÃO DA DINÂMICA DOS FATOS: aproximar-se o máximo possível de como se deu a dinâmica dos fatos será também um objetivo do trabalho pericial. Nesse sentido, as ações coletivas e individuais serão descritas. Como e por onde se deram os acessos. Quantos e quem fez determinada ação criminosa. Todo detalhe obtido aqui fará diferença nos inquéritos e processos instaurados.

MAPEAMENTO DOS DANOS: Saber exatamente tudo que foi atingido e danificado será outro dos objetivos desse exame de local. A avaliação dos danos fará parte dos resultados dos laudos periciais produzidos. A responsabilização não apenas criminal, mas também na esfera civil em ações de ressarcimento do erário público exigem que se tenha esse verdadeiro inventário dos danos e o valor atribuído a cada peça e/ou objeto danificado.

EXAMES DE CELULARES: A mídia noticiou que foram apreendidos mais de mil aparelhos celulares encontrados com os manifestantes bolsonaristas. Cada celular será objeto de exames periciais e seus conteúdos representarão certamente importante meio probatório no contexto investigatório e judicial.

EXAMES DE CORPO DE DELITO: Após a prisão dos manifestantes ocorrida durante o evento e também na desmobilização do acampamento instalado na área militar, defronte ao Quartel General do Exército em Brasília, o desafio diante do cumprimento dos ritos estabelecidos no Código de Processo Penal (CPP) brasileiro obrigou que mais de mil e trezentas pessoas realizassem o Exame de Corpo de Delito antes de serem encaminhadas para a Penitenciária da Papuda (destinada aos homens) e para cadeia feminina chamada de Colmeia. Para esse imenso trabalho, a Polícia Federal teve que contar com a parceria da Polícia Civil do Distrito Federal, uma vez que na perícia da Polícia Federal não há suficiente quadro de peritos médicos que pudessem executar trabalho dessa dimensão. Desta forma os exames de corpo de delito foram realizados nas instalações do Instituto de Medicina Legal de Brasília, em um esforço considerado como uma “operação de guerra”, assim como todas que envolveram e ainda vão envolver a participação de outros tipos de profissionais da área pericial.

A perícia oficial brasileira certamente fará parte da história do ataque à democracia brasileira. Tristeza e ao mesmo tempo certeza de que somos capazes de lutar para manter vivo o ideal democrático de nosso Estado.

CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA - Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Ex-Presidente e atual membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.