A análise da dinâmica da violência em termos nacionais ou mesmo internacionais utiliza como principal indicador a incidência de homicídios. E as razões para tanto são plenamente justificáveis, considerando a gravidade do crime, bem como os menores riscos de subnotificação do fenômeno. Afirma-se que a violência está aumentando ou diminuindo em determinada cidade, estado ou país a depender das oscilações da taxa de homicídios. Contudo, é preciso considerar que outras modalidades criminosas são também decisivas para o devido diagnóstico de quão violento é determinado território. E, nesse sentido, o roubo precisa ser definitivamente incorporado às nossas análises.
O roubo é crime que, a despeito do caráter patrimonial, envolve em boa medida a possibilidade do uso da força física contra a vítima. Não é casual que a arma de fogo seja o instrumento comumente empregado para viabilizar esse intento criminoso, podendo culminar na morte da pessoa que está sendo subjugada. O roubo, portanto, está estreitamente relacionado a outro crime muito grave, o latrocínio, que permanece concebido juridicamente como crime contra o patrimônio.
Não há como ignorar o fato de que não é apenas o patrimônio da vítima que está em jogo nesse crime. Sua integridade física e psicológica é também diretamente afetada. Ameaçar a vítima e impor-lhe medo durante o ato são procedimentos recorrentes na ação criminosa. Esse aspecto permite-nos compreender a estreita relação do roubo com o sentimento de insegurança das pessoas. Estudo realizado por Arthur Trindade e Marcelo Durante analisou o medo do crime e a vitimização criminal entre os moradores do Distrito Federal no biênio 2015 e 2016. Concluíram que o sentimento de medo apenas tem correlação com a vitimização por roubo comparativamente a outras modalidades criminosas. Se o medo é subjetivo, afirmam os autores, suas consequências são objetivas. O medo tem afetado a saúde, a economia, a sociabilidade e as expectativas políticas. Apesar de os dados analisados mostrarem o quanto o medo é marcante na vida das pessoas, é inequívoco que ele não guarda necessariamente relação com a criminalidade em geral, em especial os homicídios.
Essa evidência empírica é contundente. As pessoas no dia a dia das nossas cidades têm mais medo de serem roubadas do que serem assassinadas. Pesquisa recente do Instituto Datafolha junto a moradores das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo obteve resultado semelhante. Segundo o levantamento, o roubo de rua é o crime que mais causa medo entre os moradores das duas cidades: 57% dos moradores de São Paulo e 64% do Rio de Janeiro disseram sentir muito medo de serem assaltados na rua. Em São Paulo, 42% dos moradores declararam ter muito medo de serem assaltados em casa. No Rio de Janeiro esse percentual é de 43%.
E os dados disponíveis sustentam tal medo de vitimização, revelando quão grave é a situação dos roubos na sociedade brasileira. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, foram registrados pouco mais de 970 mil roubos em todo o país no ano de 2021, sendo que quase a metade envolve roubos a transeuntes. Em termos de taxa, o país encontra-se no patamar de 456 roubos por 100 mil habitantes, o que é bastante elevada comparativamente à incidência internacional dessa modalidade criminosa. Conforme dados disponibilizados pelo UNODC, é possível afirmar que o Brasil encontra-se entre os países mais violentos do mundo no que diz respeito aos roubos.
O objetivo precípuo de uma política de segurança pública não pode se resumir à redução da taxa de homicídios. A definitiva inserção dos roubos no rol dos crimes a serem contidos é imprescindível. Essa lacuna ajuda-nos a compreender a aparente contradição de estados brasileiros que conseguiram reduzir de maneira expressiva a incidência de homicídios nas últimas duas décadas, porém, o sentimento de insegurança permanece bastante elevado no seio da população. O estado de São Paulo é sintomático nesse sentido.
O momento é oportuno para esse upgrade nas políticas estaduais bem como na política federal de segurança pública. Conter a violência na sociedade brasileira exige uma abordagem mais ampla do fenômeno, sem viés ideológico. O roubo, a despeito de ser crime contra o patrimônio, afeta diretamente a vida das vítimas e elas não podem ser ignoradas. Não podem permanecer como meras vítimas ocultas da violência, conforme já destacaram Glaucio Soares e Dayse Miranda em livro sobre o tema.
LUIS FLAVIO SAPORI - Doutor em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ, 2006). Foi Secretário Adjunto de Segurança Pública do Estado de Minas Gerais no período de janeiro/2003 a junho/2007. Coordenou o Instituto Minas Pela Paz no biênio 2010-2011. Atualmente é professor do curso de Ciências Sociais da PUC Minas e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública.