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Mudanças no regime das assembleias condominiais (Parte 1)

A Lei 14.309/22 acabou com a controvérsia ao admitir expressamente a possibilidade de assembleia em sessão permanente.

05/02/2023 às 10h14 Atualizada em 05/02/2023 às 10h29
Por: Carlos Nascimento Fonte: Conjur
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Mudanças no regime das assembleias condominiais (Parte 1)

A Lei 14.309/2022 fez importantes alterações no Código Civil no que diz respeito ao desenvolvimento das assembleias condominiais, para disciplinar (a) aquilo que se chama assembleia em sessão permanente e (b) as assembleias realizadas por meio eletrônico. O texto que segue contém algumas reflexões iniciais sobre as assembleias em sessão permanente.1

A possibilidade de suspensão da assembleia foi sempre um tema tormentoso no direito condominial. Em favor da opinião de que as deliberações assembleares deveriam ser tomadas em sessão única subjaz a ideia de que a vontade coletiva somente se forma por meio do debate e confronto de argumentos. A “assembleia, na qualidade de órgão deliberativo, é o palco onde, sob os influxos dos argumentos e dos contra-argumentos, pode-se chegar ao voto que melhor reflita a vontade dos condôminos”. (STJ. REsp 1120140/MG, Rel. Massami Uyeda, j. 06.10.2009).2 

Com base neste entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou assembleia que foi suspensa por prazo indeterminado para obtenção de votos necessários à aprovação de determinada matéria. Segundo o acórdão, “mesmo que se admitisse a modalidade de assembleia em continuação ou permanente, proposta pelo réu, a ausência de fixação de termo final para que os condôminos votassem acabaria por invalidar o ato.”3

Doutrina e parte da jurisprudência, no entanto, a admitiam em casos especialíssimos e por brevíssimo tempo. A esse respeito, Caio Mário da Silva Pereira, embora reconheça que “a assembleia geral se reúna e delibere em ato contínuo” diz não atentar com o bom desenvolvimento dos trabalhos “a suspensão dos trabalhos e prosseguimento em dia subsequente, quer pelo adiantado da hora, quer pela necessidade de coligir elementos ou completar informações”4.

A Lei 14.309/22 acabou com a controvérsia ao admitir expressamente a possibilidade de assembleia em sessão permanente, contanto que observados alguns parâmetros e requisitos.5

O primeiro é a competência ou atribuição para realização de tal ato. A suspensão é declarada pelo presidente da mesa a quem cabe a direção dos trabalhos; mas, a decisão de suspender é da assembleia, pela maioria dos seus membros. Não se encontra, portanto, entre os poderes do presidente da mesa decidir pela suspensão da assembleia, cabendo-lhe apenas a execução material de tal ato. Como já alertava J. Nascimento Franco, antes mesmo das alterações legais, “a declaração de sessão permanente é matéria exclusiva da Assembleia e não do Presidente, que apenas pode tomar a iniciativa de submetê-la à consideração do plenário"6. De igual modo, constitui lamentável irregularidade fazer constar no edital de convocação, que, ausente quórum para votação, a assembleia será suspensa e colocada em sessão permanente para obtenção de votos.

Em segundo lugar, está o prazo pelo qual poderá durar a suspensão. A sessão em continuação deve ser realizada em até 60 dias e poderá ser prorrogada quantas vezes for necessário; a assembleia colocada em sessão permanente, porém, precisa ser concluída em até 90 dias. A data e hora da sessão em continuação já deve ser designada na própria assembleia que deliberou por sua suspensão.

O que ocorre se a assembleia se realizar fora do prazo? Não parece ser o caso de se anular a sessão em continuação; a melhor solução é simplesmente negar eficácia aos votos obtidos na primeira assembleia que não foram ratificados na segunda. Ou seja, a sessão em continuação ocorrida fora do prazo deve ser admitida como uma nova assembleia, sem conexão com a anterior, caso os requisitos necessários para tanto estejam presentes (convocação regular, existência de quórum mínimo de instalação etc.). Opera-se uma conversão substancial (CC, art. 170). Semelhante solução deve ser dada caso a sessão em continuação se realize dentro do prazo, mas em dia e hora distintos daquele que foi designado. Ficam desconsiderados os votos proferidos na assembleia anterior quanto à matéria cuja deliberação ficou suspensa, iniciando-se uma nova votação a votação a respeito. E essa nova assembleia, evidentemente, poderá ser até mesmo suspensa, caso ali não se chegue ao quórum qualificado.

A lei diz que a assembleia pode ser suspensa desde que “fiquem expressamente convocados os presentes e sejam obrigatoriamente convocadas as unidades ausentes”. Há, aqui, uma impropriedade de redação. Primeiro: não se convocam “unidades”, e sim os condôminos titulares dessas unidades. Além disso, o modo como veio redigida pode dar a entender que os presentes não precisam receber o edital de convocação relacionado à sessão em continuação. A convocação formal (na forma da convenção) somente seria obrigatória para os ausentes. Não parece que essa seja uma boa interpretação. Isso porque os presentes não são obrigados a guardar, de memória, data, horário e ordem do dia da sessão em continuação. E, considerando que raramente as atas são lavradas e distribuídas no mesmo ato, eles ficariam sem um documento formal em mãos que possa ser utilizado, não só para a lembrança, mas, também, para impugnação de eventual irregularidade.

A sessão em continuação não depende de quórum mínimo para sua instauração. Não se trata de nova assembleia, mas, apenas de sua continuação7. A ausência de quórum mínimo de instalação, no entanto, impede que a sessão em continuação (caso realizada irregularmente) possa se converter em uma nova assembleia.

Por identidade de motivos, não há necessidade de nova escolha do presidente da mesa diretora dos trabalhos. Quem presidiu a assembleia suspensa continua a fazê-lo na sessão em continuação, assim como nas subsequentes caso estas ocorram. A substituição do presidente da mesa somente deverá ocorrer em caso de impedimento ou recusa em conduzir os trabalhos, caso em que a assembleia escolher novo presidente.

Outro aspecto importante a ser observado é a lavratura de “ata parcial, relativa ao segmento presencial da reunião da assembleia, da qual deverão constar as transcrições circunstanciadas de todos os argumentos até então apresentados relativos à ordem do dia, que deverá ser remetida aos condôminos ausentes” (inc. III).

Aqui há, ao menos, duas impropriedades técnicas8 de redação. A primeira diz respeito à expressão “segmento presencial” que poderia levar à absurda conclusão de que a suspensão não poderia ocorrer em assembleias realizadas por meio eletrônico ou híbridas. A segunda está na parte na qual diz que a ata parcial deverá ser remetida aos condôminos ausentes. Na verdade, essa ata deve ser remetida a todos os condôminos, como, aliás, qualquer ata.

Essa ata, embora parcial, é materialmente definitiva com relação aos assuntos cuja votação foi encerrada e sobre os quais não se deliberou pela suspensão. Assim, por exemplo, se foi votada a eleição do síndico (que demanda maioria simples) e suspensa a assembleia para se tentar obter quórum para a aprovação de uma reforma voluntária, quanto ao primeiro assunto, a votação é definitiva, não podendo ser revisitada na sessão em continuação.

Como a assembleia pode ser suspensa por mais de uma vez, lavram-se quantas atas parciais quanto forem necessárias. O conteúdo das atas parciais deve ser consolidado na ata definitiva, lavrada após a conclusão da assembleia.

Caso a sessão em continuação não ocorra (por ausência de quórum, por exemplo) ou venha a ser anulada em razão de irregularidade formal, a ata parcial torna-se definitiva e aquela matéria que ensejou a suspensão deve ser considerada reprovada.

O § 2º do art. 1.353 do Código Civil diz que os votos proferidos serão registrados, sem que haja necessidade de sua ratificação na assembleia em continuação. Não diz, porém, onde esse registro será feito. O melhor é que esse registro se dê na ata parcial, garantindo maior transparência e possibilidade de controle. A lei impede, porém, que o registro se dê de outra forma (preservação de cédulas, guarda de mapa de votação, gravações e outros meios idôneos que permitam a verificação de autenticidade e conteúdo). Não obstante, insista-se que o registro em ata é a melhor solução.

Os condôminos que já votaram não precisam confirmar seus votos na sessão em continuação; poderão, não obstante, comparecer e alterar seu voto, caso desejem.

O condômino impedido de votar na assembleia suspensa por se encontrar inadimplente poderá fazê-lo na sessão em continuação, caso, até o momento de sua realização, tenha quitado os débitos condominiais.

No próximo texto serão tratadas as alterações legislativas que recaem sobre as assembleias realizadas por meio eletrônica

Continua parte 2

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II —Tor Vergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).

1 A assembleia por meio eletrônico será tratada em uma segunda coluna.

2 Em igual sentido é a lição de Modesto Carvalhosa, para quem a assembleias é “o instrumento eficaz que tem o acionista de confrontar suas opiniões com a dos demais. É, com efeito, na assembleia geral que pode ocorrer troca de pontos de vista e, assim, a intervenção minoritária. Esta tem seu peso nas decisões, na medida em que, ao arguir as questões propostas, não se considera a sua participação no capital, mas, principalmente, o seu poder de persuasão e a justeza de seus argumentos. Insista-se no aspecto ideal desses fundamentos. Diferentemente, portanto, do voto por consulta, que isola os acionistas, a deliberação em assembleia geral os reúne para formar a vontade coletiva.” (Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 2º vol, 5ª edição, p. 769). Embora os comentários digam respeito a assembleia realizada no âmbito de Companhia, não há razão para não aplicá-los às deliberações assembleares em geral.

3 TJSP; Apelação Cível 0003830-48.2014.8.26.0045, Rel. J.L. Mônaco da Silva, 5ª Câmara de Direito Privado, j. 27.08.2020.

4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 14 ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021. E-book, item 96-A.

5 Art. 1.353. Em segunda convocação, a assembléia poderá deliberar por maioria dos votos dos presentes, salvo quando exigido quórum especial.

§ 1º Quando a deliberação exigir quórum especial previsto em lei ou em convenção e ele não for atingido, a assembleia poderá, por decisão da maioria dos presentes, autorizar o presidente a converter a reunião em sessão permanente, desde que cumulativamente:

I - sejam indicadas a data e a hora da sessão em seguimento, que não poderá ultrapassar 60 (sessenta) dias, e identificadas as deliberações pretendidas, em razão do quórum especial não atingido;

II - fiquem expressamente convocados os presentes e sejam obrigatoriamente convocadas as unidades ausentes, na forma prevista em convenção;

III - seja lavrada ata parcial, relativa ao segmento presencial da reunião da assembleia, da qual deverão constar as transcrições circunstanciadas de todos os argumentos até então apresentados relativos à ordem do dia, que deverá ser remetida aos condôminos ausentes;

IV - seja dada continuidade às deliberações no dia e na hora designados, e seja a ata correspondente lavrada em seguimento à que estava parcialmente redigida, com a consolidação de todas as deliberações.

§ 2º Os votos consignados na primeira sessão ficarão registrados, sem que haja necessidade de comparecimento dos condôminos para sua confirmação, os quais poderão, se estiverem presentes no encontro seguinte, requerer a alteração do seu voto até o desfecho da deliberação pretendida.

§ 3º A sessão permanente poderá ser prorrogada tantas vezes quantas necessárias, desde que a assembleia seja concluída no prazo total de 90 (noventa) dias, contado da data de sua abertura inicial. 

6 FRANCO, J. Nascimento. Condomínio, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.126.

7“O prosseguimento dos trabalhos em sessão permanentes não pode ser considerado outra Assembleia, bem como Assembleia reunida em segunda convocação, uma vez que a reunião subsequente é, do ponto de vista legal, simples continuidade da anterior” (FRANCO, J. Nascimento. Condomínio, 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.125)

8 Há, ainda, uma impropriedade de estilo no emprego do termo “reunião” que poderia ser facilmente suprimido sem prejuízo da compreensão do texto. A inclusão deste termo, no entanto, não interfere na interpretação.

Paulo Eduardo Campanella Eugênio é graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie; mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP); membro da Rede de Direito Civil Contemporâneo; e advogado.

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