Todo policial deve submeter suas ações sempre a princípios constitucionais orientadores da administração pública e do ordenamento jurídico vigente, precisando passar por um processo formativo rigoroso para não se exceder em suas ações.
A abordagem policial é temática obrigatória em todos os cursos de formação dos profissionais de segurança pública do Brasil, porém, não raras vezes, continuamos a ver notícias de práticas violentas e abusivas na realização de abordagens.
Segundo Pinc (2007, p. 12) em artigo intitulado “Abordagem policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o público”, a abordagem é descrita como “um encontro entre a polícia e o público cujos procedimentos adotados variam de acordo com as circunstâncias e com a avaliação feita pelo policial sobre a pessoa com que interage, podendo estar relacionada ao crime ou não”.
O ato de abordar é uma ação proativa iniciada e conduzida pelos policiais, sendo que o comportamento individual dos agentes, nessas circunstâncias, está respaldado por um conjunto de regras e Procedimentos Operacionais Padrão (POP), que os orientam na direção de uma conduta segura e legal a ser adotada antes, durante e depois da abordagem policial, sem ferir o poder discricionário da sua ação em nome do Estado.
No estado do Rio Grande do Sul, diante de vários casos de práticas violentas em abordagens policiais culminarem com mortes de pessoas negras, gerando grande repercussão negativa junto à sociedade, o governador instituiu um Grupo de Trabalho de combate à violência em abordagens policiais, cujos trabalhos se deram ao longo dos anos de 2020 e 2021 e apontaram a necessidade de serem seguidos rigorosamente os POP e de serem reforçados os treinamentos dos profissionais de segurança pública durante os cursos de formação e depois deles, principalmente dos policiais militares como agentes responsáveis pelo policiamento ostensivo e preventivo e que normalmente são os primeiros a chegarem nas ocorrências que necessitam intervenção e abordagem.
Importante destacar que a polícia é uma das instituições mais visíveis do Estado, em razão da natureza particular do mandato que a autoriza a utilizar a força com o objetivo de manter a ordem pública, o que compreende fiscalizar, deter e prender. Essa é a razão pela qual a forma técnica e adequada de agir durante as abordagens policiais precisa ser constantemente treinada e revista.
Considerando tratar-se de uma atividade eminentemente legalista, a forma como a disciplina de abordagem policial é ministrada aos profissionais de segurança pública deverá ser detalhadamente planejada. Por essa razão, há manuais específicos sobre a temática, além de ser minuciosamente delineada pela Matriz Curricular Nacional (MCN) para a formação em segurança pública, desenvolvida pela Senasp.
Na MCN (2014, p. 199), criada para padronizar procedimentos e orientar as ações formativas (inicial e continuada) dos profissionais da área de segurança pública, a carga horária sugerida para a disciplina de abordagem é de 60 h/a nos cursos de formação dos agentes policiais para um conteúdo programático específico e dirigido, cujo objetivo é de criar condições para que os profissionais da área possam ampliar conhecimentos para analisar as legislações, códigos de conduta e doutrinas referentes aos seguintes tipos de abordagem policial: abordagem de pessoas; rotina, atitude suspeita e infratores da lei; abordagem em veículos e em edificações; identificar os princípios e os fundamentos presentes em cada um dos tipos de abordagem.
Objetiva também desenvolver e exercitar habilidades para executar os procedimentos específicos para cada tipo de abordagem; exercitar as condutas de contato, verbalização correta; utilizar técnicas de entrevista e fortalecer atitudes para atuar com base nos preceitos legais e das normas internacionais de direitos humanos e princípios humanitários aplicáveis à função policial.
É necessário que as abordagens sejam eminentemente técnicas, pois é muito tênue a linha entre o legítimo exercício do poder de polícia e o excesso delituoso, levando profissionais de segurança pública a responderem pelos excessos cometidos no desempenho da função pública na esfera criminal, civil e administrativa, fato bastante comum em abordagens policiais malconduzidas e com inobservância das técnicas operacionais.
Esta mesma posição acerca do poder de polícia e do zelo necessário nas ações de segurança pública, quer seja uma simples abordagem policial ou uma ocorrência com uso de arma de fogo, é ratificada por Spaniol (2016, p. 84), em tese sobre políticas de prevenção à violência, ao escrever que: “a atividade policial é eminentemente discricionária, fator que demanda de todos os agentes policiais apurado juízo de razoabilidade e proporcionalidade nos momentos de intervenção, dispondo do poder de polícia”. Diante disto, todo policial deve submeter suas ações sempre a princípios constitucionais orientadores da administração pública e do ordenamento jurídico vigente, precisando passar por um processo formativo rigoroso para não se exceder em suas ações.
MARLENE INÊS SPANIOL - Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Oficial RR da Brigada Militar/RS, Integrante do GPESC e do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
CARLOS ROBERTO GUIMARÃES RODRIGUES - Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã - UFRGS e Oficial RR da Brigada Militar/RS.