No mês que vem, março de 2023, completam-se cinco anos da morte da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. E só agora chega a notícia de que um dos matadores foi expulso da PM carioca. Ronnie Lessa, preso pela acusação de matar os dois, finalmente deu adeus à polícia. Essa informação chegou à imprensa através de boletim interno da corporação, publicado no dia 8 de fevereiro. Pelo menos não esperaram até que se completassem cinco anos das mortes. Como ele e o outro acusado, Élcio Vieira de Queiroz, um ex-policial militar, foram presos um ano após o assassinato, parecia que as autoridades, embora um pouco atrasadas, estavam dando uma resposta ao crime.
A Polícia Militar, porém, foi muito lenta em administrar a parte que lhe cabia da punição. Enquanto aguardava o julgamento pelo homicídio, Lessa foi condenado à prisão por comércio ilegal de armas. A pena se refere a mais de cem peças de fuzis localizadas na casa de um amigo do militar. Apesar dessa condenação, Lessa continuou até agora com o status de policial militar reformado. Seu comparsa Élcio Vieira de Queiroz já tinha sido expulso em 2016, por fazer segurança em casas de jogo. Ou seja, um crime bem menos importante do que um homicídio; ou que tráfico de armas, para falar a verdade. Essa demora em expulsar Lessa é o primeiro erro, e quem cometeu foi a Polícia Militar.
Apesar da prisão dos possíveis autores do crime, sua investigação pouco caminhou nos últimos quatro anos. Até hoje persiste a dúvida sobre quem ordenou a morte da vereadora. Vários suspeitos foram apresentados como preenchendo os requisitos para o título de mandante: o contraventor Rogério de Andrade, para quem a dupla de suspeitos trabalhava; o ex-vereador do Rio Cristiano Girão; o miliciano Almir Rogério Gomes da Silva; Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Esses foram alguns nos quais a imprensa se fixou, mas existem outros. Enquanto isso, a PC, seja por razões políticas ou por tentar tirar as investigações do ponto morto, trocou várias vezes o delegado responsável pelo inquérito. E continua derrapando, sem sair do lugar. Esse é o segundo erro, cuja culpa recai sobre a Polícia Civil.
Por um período chegou-se a aventar a possibilidade de transferir a investigação da Polícia Civil carioca para a Federal, porém a desconfiança de que razões políticas acabariam interferindo (afinal Bolsonaro conhecia pelo menos um dos suspeitos), levou à morte da proposta, que renasce agora, com o início do novo governo. O próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu publicamente a ideia.
Os possíveis entraves, além da questão jurídica, que pode ser contornada, são dois. O primeiro é que, como é sabido nos meios policiais, as polícias civis estaduais têm muito mais know-how para solucionar homicídios. Esse tipo de investigação faz parte do dia a dia delas, enquanto a Polícia Federal atua pouco nesses casos. Inclusive porque a PF mostrou sua expertise em outros tipos de investigação, quase nunca em homicídios. O segundo é que pegar um caso frio não é fácil. Ainda mais quando a única coisa que teriam para começar são os inquéritos. Os insights que os investigadores anteriores possam ter e que não foram postos no papel ficariam perdidos, sendo que um deles poderia levar à solução do enigma.
Por outro lado, as vantagens também são duas. Um grau de acesso maior, no Brasil todo, às possíveis informações. E como o alcance das organizações criminosas, incluindo as milícias cariocas, não se limita a um estado, pode ser que uma pista surja no Espirito Santo, por exemplo. A segunda vantagem é a regra mundial de que não existe organização criminosa que não tenha vínculos com o aparelho repressivo do estado. A Máfia, a Yakusa, a Bratva, etc, têm sempre informantes ou apoiadores nas polícias. Sem elas não subsistiriam por muito tempo. E como o dia a dia das milícias do Rio, (talvez até especificamente as do Rio das Pedras, grupo a que se suspeita pertencerem os acusados), precisa de proteção, é nas polícias estaduais que vão buscar informantes e protetores. O que ocorre no Brasil inteiro, com as mais diversas organizações criminosas. Já a PF, mais distante, pode estar menos contaminada pelos grupos locais, portanto mais livre para agir.
Seja a Civil carioca ou a Federal, o país tem de dar uma resposta, nem que seja por meio de negociação premiada com um dos executores; que, através desse acordo, poderia cumprir pena menor, ou num presídio melhor, a troco de entregar, com provas, o cabeça do crime. Só uma denúncia, sem nada para confirmar, é a mesma coisa que nada. Ainda mais que o chefe, com toda certeza, teria assistência jurídica de primeira linha. A charada tem de ser resolvida logo, senão ficaremos com outra mancha na história. Como inúmeros crimes políticos, ou chacinas monstruosas, que provocam furor na imprensa, e, quando a agitação passa, acabam por cair no esquecimento.