Não há nenhuma novidade sobre o suicídio continuar sendo o problema mais grave dos trabalhadores e trabalhadoras da segurança pública no Brasil e, infelizmente, continua sendo o problema mais ignorado pela maioria dos governos. Tecemos algumas considerações iniciais em outra oportunidade, porém pretendemos avançar um pouco mais, para que possamos discutir e colocar na agenda pública a formulação de políticas públicas que enfrentem esse problema.
Nesta oportunidade, fizemos alguns levantamentos de campo e conversamos com diversas pessoas ligadas aos setores de algumas polícias do Brasil que procuram cuidar da saúde mental de seus trabalhadores. Tivemos êxito em encontrar alguns indícios e refletir sobre algumas informações que podem colaborar com a elaboração de uma política pública para reduzir tal problema.
O primeiro fato que pode afetar a nossa busca por soluções é entender quem é a pessoa que trabalha na polícia. Agrupando os resultados encontrados por diversas fontes, em especial a Pesquisa Perfil 2019 (ano-base 2018) elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre as polícias civis e militares do Brasil, temos: nas polícias civis, a maior parte do efetivo está na faixa de 36 a 40 anos de idade, seguida pela faixa 41 a 45 e tendo a faixa 46 a 50 em terceiro lugar. Em relação ao tempo de serviço nas polícias civis, a maior faixa é de 11 a 20 anos de serviço, seguida pela faixa de 1 a 5 anos e tendo a faixa de 6 a 10 em terceiro lugar. Nas polícias militares temos a faixa 31 a 35 anos em primeiro lugar, 36 a 40 em segundo e 41 a 45 em terceiro. Sobre o tempo de serviço, temos 11 a 20 em primeiro lugar, 6 a 10 em segundo e 1 a 5 em terceiro.
Não é difícil deduzirmos algumas hipóteses sobre as diferenças entre a polícia civil e a militar nos dados levantados: a escolaridade de ingresso nas carreiras que compõem a maioria das carreiras das corporações. A maior parte da polícia militar ingressa como soldado e com o requisito de ensino médio para o concurso. A maior parte dos concursos de agente da polícia civil está pedindo nível superior para o ingresso. Esse primeiro achado sobre as faixas etárias e de tempo de serviço nos leva ao próximo levantamento empírico: quem são as pessoas que trabalham na polícia e que procuram auxílio para a própria saúde mental.
Em conversas informais com colegas que atuam na área de saúde mental dos policiais em diversos Estados, há um consenso que tanto policiais antigos (mais de 15 anos de carreira, em média) como policiais novos (por volta de 10 anos ou menos de carreira) vêm procurando cada vez o auxílio psicológicos em suas corporações. Em comum, relatam problemas familiares e problemas no trabalho como as causas mais frequentes que estimularam a procura por ajuda. Tem havido uma diferença, provavelmente explicável pelas pessoas do ramo de psicologia, entre as gerações de policiais: os policiais mais novos têm procurado o auxílio mais cedo e com quadros mais graves que os policiais mais antigos.
No diálogo com algumas pessoas das polícias sobre o tema, os mais antigos dizem que a vivência maior com as agruras da profissão torna a pessoa mais resiliente. Por outro lado, os policiais mais novos dizem ter muito menos resistência em procurar o auxílio psicológico do que os mais antigos.
Embora não exista nenhum fator que, taxativamente, possa prever ou prevenir a ideação suicida, uma breve pesquisa bibliográfica afirma, com tranquilidade, que há relação entre o sofrimento psíquico e essa ideação, ou seja, priorizar que as pessoas que trabalham nas polícias estejam com a saúde mental em dia é um objetivo válido para reduzirmos a alarmante quantidade de suicídios nas polícias.
Esse breve e precário levantamento já nos traz diversas reflexões que podem ser aprofundadas pelos governos interessados em não ter policiais cometendo suicídio ou, mais provavelmente, por entidades que tenham interesse no bem estar dos policiais, além de entidades e pastas de Direitos Humanos, uma vez que a quantidade de suicídios policiais pode ser traduzida em responsabilidade de governantes que pouco ou nada fazem nesse assunto.
Como está a verificação de saúde mental nos processos seletivos das polícias? Existem protocolos para detectar pessoas concursandas que não tenham um perfil psicológico para lidar com o trabalho policial? Quem define esses protocolos?
Após o ingresso, qual a rotina preventiva que as polícias adotam? Como vimos, os problemas familiares fazem parte daqueles mais alegados pelos policiais que procuram ajuda. O que é possível fazer para resolver isso? Palestras? Cursos? Talvez formular algum programa no qual os policiais recebam tratamento para perceberem alguns sinais de seus próprios colegas, afinal algumas equipes policiais passam doze horas juntas em plantões policiais, às vezes dentro de uma viatura em patrulhamento, o que torna os membros da equipe os melhores observadores do status psicológico entre os próprios membros.
A organização policial está preparada para policiais em crise? Existe alguma estrutura de plantão ou sobreaviso para essas situações? Nesta reflexão, o nosso breve levantamento indica que tal tipo de estrutura é raríssima entre as polícias brasileiras. Como será em outras polícias do mundo?
Em suma, aproveitamos este espaço para reiterar que todos nós devemos continuar nos preocupando com a quantidade chocante de suicídio de policiais. Até o ano passado, quando as campanhas eleitorais estavam em alta pela proximidade dos pleitos, cobramos que os políticos que se dizem ligados à segurança pública falassem sobre esse tema em suas propostas. Esse tempo passou. Todos que foram diplomados pela Justiça Eleitoral já tomaram posse de seus respectivos mandados. Agora é hora da ação: levantamento, análise, discussão, formulação e proposição do Legislativo ou do Executivo para solucionar esse problema. Não podemos esperar mais suicídios de policiais. Precisamos cuidar de quem cuida de todos nós.
LIVIO JOSÉ LIMA E ROCHA - Investigador da Polícia Civil do Estado de São Paulo desde 1999. Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Paulista, pós-graduação lato sensu em Direito Penal pela Faculdade Metropolitanas Unidas e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-SP. Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.