A criação e a continuidade do GT de combate à violência racial no estado do RS representam um primeiro e importante passo para reduzir a desigualdade nas abordagens policiais.
No transcorrer de 2020, várias ocorrências² geraram repercussão negativa junto à sociedade, pelos excessos e violências praticadas durante abordagens policiais envolvendo questões raciais, o que foi a gota d’água para a tomada de providências imediatas por parte do governador do estado do Rio Grande do Sul, que determinou a criação do “Grupo de Trabalho (GT) de Combate à Violência contra a População Negra”, instalado junto à Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), através da Ordem de Serviço nº 008/2020.
Foram objeto de análise e discussão nas reuniões deste GT os registros de denúncias, os procedimentos investigatórios das práticas delituosas de racismo e injúria racial durante abordagens ou no atendimento de ocorrências policiais e a forma como a questão racial se reflete nas ações policiais pós-processo formativo.
O GT contou com representantes dos seguintes órgãos: Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Secretaria de Segurança Pública, Brigada Militar, Polícia Civil, MP/RS, TJRS, Defensoria Pública, PGE, TCE, Conselho Estadual de Direitos Humanos/RS, Conselho de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra do RS, OAB/RS, Movimento Vidas Negras Importam, dentre outros órgãos, além de pesquisadores da temática ligados à UFRGS e PUCRS.
O preparo técnico profissional dos policiais, a forma como a questão racial é ou deveria ser abordada no processo formativo desses profissionais acabou sendo o tema mais discutido no GT, apontando a necessidade de serem seguidos rigorosamente os Procedimentos Operacionais Padrão (POP), criados com o objetivo de dar uniformidade às ações policiais, facilitando o aprendizado nos cursos de formação e com o intuito de minimizar atos ilegais nas atividades de segurança pública. Essa posição já havia sido apontada em estudo nacional intitulado “Policiamento e relações raciais: estudo comparado sobre formas contemporâneas de controle do crime”, coordenado por Sinhoretto (2020), com inexpressivas mudanças no ensino do policial militar e sem qualquer previsão ou planejamento para unificar procedimentos.
O resultado do trabalho do GT foi muito focado na questão da formação e do treinamento dos policiais, tanto na capacitação sistêmica dos agentes de segurança, da inclusão da temática nos concursos públicos, como na adoção de rígidos protocolos de abordagem policial para evitar que fatos como os que motivaram a criação do grupo voltem a acontecer, principalmente dos policiais militares como agentes responsáveis pelo policiamento ostensivo e preventivo e que normalmente são os primeiros a chegarem nas ocorrências que necessitam intervenção e abordagem.
Nesse sentido, Costa (2020), ao escrever sobre “O racismo por dentro das instituições policiais” destacou que as questões raciais não têm, em regra, um tratamento específico na maioria dos cursos de formação policial, sendo o assunto geralmente diluído em matérias não específicas sobre o tema e abordado em algumas disciplinas humanísticas. Especificamente na Brigada Militar/RS, os temas vinculados às questões étnico-raciais dos cursos de formação são abordadas superficialmente nas disciplinas de Direitos Humanos e Sociologia da Violência e da Criminalidade. Porém, ao se analisar as ementas dessas disciplinas, verifica-se que a forma de abordagem fica muito mais ao arbítrio dos professores do que por imposição doutrinária ou interesse institucional. Seria recomendável a inserção de uma disciplina específica para tratar da Diversidade Étnico-Sociocultural, assim como recomendou a Matriz Curricular Nacional de 2014.
Já com os trabalhos do GT de combate à violência contra a população negra em andamento e como resposta às demandas apontadas nas reuniões, foi instalada em Porto Alegre/RS, no dia 10 de dezembro de 2020, a 1ª Delegacia de Polícia de Combate à Intolerância (DPCI). Nos primeiros quatro meses de instalação foram efetuados 169 registros que passaram a ser investigados. Dessas ocorrências, em pelo menos 94 ficou evidenciado que o crime foi motivado pelo preconceito de cor, 55% do total. Pelo crime de racismo foram feitos 13 registros, oito destes foram em relação à cor da vítima. O delito com maior número de apurações na nova DP é a injúria discriminatória. Foram 111 ocorrências e, dessas, em 86 (77%), a motivação está vinculada à cor da vítima. As informações foram apresentadas em reunião do GT pela Delegada titular da DPCI e publicadas no Jornal Zero Hora de 23/04/2021.
É oportuna a avaliação da proposta apontada por Moraes Jr (2020) ao refletir que a desigualdade racial na atuação das polícias precisa de mais pesquisas e mobilizações e ser mais debatida em encontros, seminários, simpósios e congressos promovidos por instituições públicas e/ou privadas para discutir, entre outros temas, a violência racial nas instituições policiais. Nesse sentido, pode-se dizer que a criação e a continuidade do GT de combate à violência racial no estado do RS representam um primeiro e importante passo.
¹Este texto é um recorte do artigo: “O Ensino Policial e as Questões Raciais: Análise da diferença do que se ensina nas escolas e do que se vê na prática operacional, a partir da experiência da Brigada Militar/RS”, que pode ser acessado na íntegra nos Anais do 20º Congresso Brasileiro de Sociologia, CP 24 – Sociologia da Violência, 2021. Disponível no Link:
²As duas principais ocorrências que culminaram com a criação do GT pelo governo do RS foram amplamente divulgadas e detalhadas pela mídia, são elas: 1): Morte de engenheiro negro por policial no RS gera indignação e movimento black lives matter local”. Disponível no Link:
Acesso em 30/03/2023; “Engenheiro é morto a tiros durante ação policial em Marau; investigações apuram se disparo partiu da BM” Disponível no Link:
Acesso em 30/03/2023 e 2) :“Angolano é baleado por engano pela polícia no Brasil”. Disponível no Link:
Acesso em 30/03/2023; “Eu implorava pela vida, diz angolano baleado em perseguição policial e preso por engano no RS”. Disponível no Link:
MARLENE INÊS SPANIOL - Doutora em Ciências Sociais pela PUCRS, Integrante do GPESC e do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Oficial RR da Brigada Militar/RS.
CARLOS ROBERTO GUIMARÃES RODRIGUES - Doutorando em Políticas Públicas pela UFRGS, Mestre em Segurança Cidadã-UFRGS e Oficial RR da Brigada Militar/RS.
MARTIM CABELEIRA DE MORAES JÚNIOR - Mestre em Sociologia-UFRGS, Integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Professor da FAMAQUI e Oficial RR da Brigada Militar/RS.
DAGOBERTO ALBUQUERQUE DA COSTA - Mestrando em Segurança Cidadã-UFRGS, Graduado em Ciências Sociais-UFRGS e Oficial RR da Brigada Militar/RS.