As perícias que serão produzidas acessando dispositivos dos autores e os exames de psicologia e psiquiatria forense podem certamente trazer uma contribuição esclarecedora ao buscar entender em especial as chamadas motivações.
Na semana retrasada, enquanto fechávamos a edição de nossa coluna, chegavam notícias de que um aluno de 13 anos matara uma professora e causara ferimentos em cinco de seus colegas de uma escola em São Paulo. Nem bem recuperávamos nosso assombro com essa ocorrência e já éramos confrontados com um novo episódio no qual o cenário envolvia uma unidade educacional: em uma creche na cidade de Blumenau – SC, um invasor munido de uma machadinha mata quatro crianças e fere outras cinco. Apenas nove dias separaram as duas ocorrências. Vamos conhecê-las em mais detalhes:
– Manhã do dia 27 de março: na escola estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, Zona Oeste da capital paulista, um ataque promovido por um aluno de 13 anos, do oitavo ano dessa escola, empregando uma faca, levou à morte da professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos. Durante a ação outras quatro pessoas ficaram feridas.
– Manhã do dia 05 de abril: na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau – SC, um estabelecimento particular, um homem de 25 anos, após escalar um muro e invadir o local munido de uma machadinha, matou quatro crianças e feriu outras cinco. As crianças mortas, três meninos e uma menina com idades de 4 a 7 anos são: Bernardo Cunha Machado – 5 anos; Bernardo Pabst da Cunha – 4 anos; Larissa Maia Toldo – 7 anos e Enzo Marchesin Barbosa – 4 anos.
A mídia repercutiu os casos e lembrou que, desde 2011, foram 12 os ataques ocorridos em escolas. A escolha do ano de 2011 não foi aleatória neste levantamento: naquele ano, em 7 de abril, um massacre na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, no Rio de Janeiro, chocou o país. Naquela manhã, o atirador, um ex-aluno do colégio, e que não tinha antecedentes criminais, matou 12 crianças e feriu outros dez estudantes.
Antes de entrarmos na questão pericial, vale uma reflexão: estamos diante de um novo fenômeno? Uma onda de violência direcionada às escolas?
O pesquisador Luis Flavio Sapori, em texto publicado em suas redes sociais e neste Fonte Segura, faz interessantes ponderações. O autor qualifica o fenômeno como “Mass murders in schools” ou em outras palavras, “assassinatos em massa em escolas”, comparando o fenômeno ao que já se verifica em países como os Estados Unidos, onde o problema é ainda maior e parece já fazer parte de uma triste realidade. Para alimentar as discussões, esse autor nos informa o que seriam evidências empíricas já obtidas pelos norte-americanos sobre o fenômeno. Eis as principais:
a) Os assassinos são quase sempre homens brancos e com idade média de 28 anos;
b) Quase 70% dos casos envolvem uso de armas de fogo;
c) Número médio de 8 vítimas por evento;
d) Quase 80% dos assassinos não apresentam registros anteriores de sintomas psicóticos;
e) Pouco menos da metade dos assassinatos comete suicídio após o ato.
Sapori também nos informa uma das teorias apresentadas para explicar a gênese do fenômeno, elaborada por dois pesquisadores da Northeastern University, Jack Levin e Eric Madfis. Denominada de Teoria da Tensão Cumulativa (Cumulative Strain Theory), caracteriza-se pela combinação de várias teorias criminológicas, a saber, teoria da tensão, teoria do controle e teoria das atividades de rotina. Essa é mais uma das teorias em que prevalecem abordagens que combinam dimensões psicológicas com dimensões sociológicas. Quando falávamos na coluna anterior sobre nossa dimensão como seres biopsicossociais, estávamos nos referendo exatamente a abordagens criminológicas como essa.
Quanto aos exames periciais envolvidos nessas ocorrências, destacamos a importância de diversos exames:
– Exame de local de crime;
– Exame das vítimas e produção dos laudos cadavéricos;
– Exames das armas empregadas;
– Exames em dispositivos (celulares, computadores);
– Exames psicológicos e médicos dos envolvidos (psicologia e psiquiatria forense).
Em especial, as perícias que serão produzidas acessando dispositivos dos autores e os exames de psicologia e psiquiatria forense podem certamente trazer uma contribuição esclarecedora ao buscar entender em especial as chamadas motivações. A premeditação, as manifestações que permitem acessar o íntimo da mente criminosa, poderão ser obtidas nesses exames, fornecendo elementos concretos para futuras pesquisas. De inquestionável parece ser o fio condutor destes casos: o ódio relacionado a uma ação extremista.
A reação das autoridades constituídas na área de segurança pública gerou uma operação denominada “Escola Segura”. A ideia é aumentar o controle e monitoramento sobre as plataformas da internet. Desde então várias contas do Twitter e do Tik Tok tiveram sua remoção solicitada, um suspeito foi preso e foram apreendidas 7 armas, segundo noticiado na mídia.
Resta torcermos para que o fenômeno se arrefeça e que as escolas voltem a representar o que nunca deveriam ter deixado de ser: um ambiente seguro para nossas crianças!
CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA - Graduado em Geologia pela UNB, com especialização em Geologia Econômica. Perito Criminal Aposentado (PCDF). Professor da Academia de Polícia Civil do Distrito Federal, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da Polícia Militar do Distrito Federal. Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.