A resposta do Estado no campo das políticas penais demanda que as ferramentas de planejamento governamental estruturem um conjunto ampliado de serviços, com indicadores e avaliação de resultados para além do número de vagas nos estabelecimentos prisionais.
A temática do sistema prisional tem ocupado o noticiário nacional desde o início do ano de 2023. Das prisões decorrentes da manifestação antidemocrática em Brasília, no dia 08 de janeiro, até as rebeliões e ataques externos promovidos por facções criminosas no estado do Rio Grande do Norte, a necessidade de resposta do Poder Público perpassa muitas dimensões que quase sempre não são mobilizadas pela mídia. De certa forma, parece que estamos diante dos mesmos problemas, com as mesmas soluções paliativas. Mas o imobilismo é apenas aparente. Podemos identificar ao menos três grandes áreas de interesse para estruturamos políticas públicas no campo penal: a organização do campo em termos do ciclo das políticas públicas; a articulação dos mecanismos de participação social; e a estruturação do conjunto de servidores públicos responsáveis pela implementação desses serviços.
Entendemos política penal como a parte do ciclo do Sistema Penal que envolve o cumprimento das decisões judiciais no campo da punição. Nesse sentido, temos um conjunto amplo de serviços que inclui – mas não se limita – à manutenção dos estabelecimentos prisionais. Serviços de custódia provisória e a vida pós-prisão (serviços de acompanhamento de medidas em meio aberto, por exemplo) são exemplos de políticas que estruturam as medidas de responsabilização e o cumprimento dos objetivos da Lei de Execução Penal, qual seja: a reintegração social. No entanto, o discurso de garantia da manutenção da ordem nos estabelecimentos prisionais, ainda que perpassando a garantia dos direitos básicos das pessoas privadas de liberdade durante o cumprimento da pena, é uma das principais causas que impedem o planejamento de ações de médio e longo prazo. Nesse sentido, cada serviço de responsabilização penal opera de forma desarticulada, já que não há um objetivo específico a ser atingido, a não ser, aparentemente, o de evitar que a pauta apareça na mídia.
A resposta do Estado no campo das políticas penais demanda que as ferramentas de planejamento governamental estruturem um conjunto ampliado de serviços, com indicadores e avaliação de resultados para além do número de vagas nos estabelecimentos prisionais. Em que pese a estruturação de Secretarias Estaduais de Justiça e/ou de Segurança Pública, e a recente mudança de nomenclatura do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) para Secretaria Nacional de Serviços Penais (SENAPPEN), ainda não temos casos bem-sucedidos de estruturação de uma política nacional e/ou estadual de serviços penais.
Uma segunda dimensão que demanda olhar atento do Poder Público para a questão prisional está nos mecanismos de participação social. Sabemos que os desafios colocados ao Estado na garantia dos interesses públicos demandam respostas articuladas com um conjunto amplo de atores: setor privado, sociedade civil, cidadãos e as comunidades. Os mecanismos de participação social promovidos pela Constituição Federal de 1988 trouxeram uma visão ampliada dos papeis do governo e dos cidadãos, mas que ainda se restringem a algumas áreas de políticas sociais. As políticas penais continuam deficitárias dos instrumentos de participação social em termos dos espaços de representação de interesses coletivos. Uma situação grave tem sido o estigma aplicado não só às pessoas egressas do sistema prisional como a seus familiares, durante os dias de visitas aos estabelecimentos prisionais. Apesar de serem os principais usuários dos serviços de cumprimento de pena, são atores por vezes relegados nos espaços de formulação dessas diretrizes. Aqui, novamente, não temos casos bem-sucedidos de instâncias de governança externa envolvendo a sociedade civil.
Por fim, a terceira e última dimensão de problemas que perpassam a temática do sistema prisional está na estruturação do conjunto de servidores públicos responsáveis pela implementação dos serviços que compõem as políticas penais. No Brasil, sabemos que as carreiras de profissionais devem garantir o exercício de serviços assistenciais e direitos diversos na prisão, como saúde, educação, trabalho, assistência jurídica, rotina de visitantes, entre outros previstos na Lei de Execução Penal. A implementação dos serviços de alternativas penais e monitoração eletrônica também demandam habilidades e expertise para além da dimensão do controle.
Esse debate é atual e demanda encararmos de frente os desafios e potencialidades na regulamentação da Polícia Penal – categoria incluída no artigo 144 da Constituição Federal, em 2019. A atuação integrada das carreiras deve partir do entendimento de que a atividade de custódia é uma das atividades necessárias, mas não é a única responsável por garantir a entrega dos serviços penais.
A promoção do debate em torno da Polícia Penal pode ser o ponto de partida para trabalharmos nas demais dimensões citadas acima. Afinal, demandará debate público e ampliado com a sociedade, e a estruturação dessas carreiras deve estar alinhado ao tipo de serviço penal a ser ofertado. Quem sabe o pensar e agir em várias dimensões não nos levaria a escrever sobre boas práticas das políticas penais nos próximos anos?
WALKIRIA ZAMBRZYCKI DUTRA - Doutora em Ciência Política pelo IESP-UERJ. Pesquisadora vinculada ao Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG (CRISP) e ao Laboratório de Gestão de Políticas Penais da UnB (LabGEPEN).