Teve início no Rio Grande do Norte, no último dia 14 de março, uma onda de ações violentas orquestradas por facções criminosas. Até o dia 25 de março haviam sido registrados 298 ataques, incluindo incêndios e tiros contra prédios públicos, veículos, comércios e até residências.
Além da violência e suas vítimas, tem havido outros efeitos extremamente negativos. Segundo notícia da Tribuna do Norte, somente no setor hoteleiro foram canceladas 40% das reservas. No setor de restaurantes, a queda na movimentação chega a 80%.
A ocasião é oportuna para refletir sobre a relação entre as condições urbanas e a segurança dos cidadãos.
Segurança de Fato e Segurança Percebida
É fundamental indicar uma diferença entre a segurança de fato e a segurança percebida. Ainda que uma situação não ofereça perigo objetivo, os cidadãos podem sentir-se ameaçados e até amedrontados. Afinal de contas, são diárias as notícias sobre homicídios, latrocínios, assaltos, crimes de trânsito, crimes sexuais etc.
É previsível que isso crie uma atmosfera em que todos se percebem sob risco. Quando a violência se generaliza em ocasiões como a dos ataques públicos, a insegurança de fato e a percebida se igualam na prática. A segurança é, portanto, diferente da sensação de segurança.
Por que isso importa? Porque compete ao Poder Estadual garantir a segurança pública de fato, isto é, suprimir a ação de criminosos, garantir a ordem pública, promover a justiça e assegurar a ação eficiente dos sistemas policiais. Por outro lado, cabe ao Poder Municipal garantir as condições adequadas para que haja sensação de segurança nas cidades.
O Município e a Sensação de Segurança
A forma, o uso e a ocupação da cidade estão ligadas à sensação de segurança dos cidadãos. O Poder Municipal pode e deve implementar ações de planejamento e de gestão urbana que ajudem a prevenir o crime e a promover a sensação de segurança inclusive em questões não relacionadas ao crime — como a segurança do pedestre.
As medidas específicas que a Prefeitura pode utilizar são diversas.
A iluminação pública adequada das ruas, calçadas e praças pode aumentar a sensação de segurança ao dificultar que os criminosos se escondam. A construção de ruas estreitas e sinuosas pode aumentar a atenção dos motoristas, desacelerar os automóveis e garantir que pedestres tenham mais tempo para reagir aos perigos.
A construção de edifícios e de espaços públicos sem muros altos, sem guaritas e sem recuos em relação às ruas também aumenta a sensação de segurança ao facilitar que as pessoas vejam e sejam vistas. A manutenção adequada dos bairros, mantendo preservados os prédios e a limpeza urbana, aumenta a sensação de que as pessoas cuidam do local, e com isso eleva o sentimento de segurança.
Junto com as demais autoridades competentes, o município pode intensificar o combate ao tráfico de drogas que torna mais perigosas áreas inteiras, sobretudo as periféricas. Construir espaços públicos de convivência como praças, parques, pátios esportivos e culturais etc. incentiva a integração social e o lazer, podendo afastar o crime.
Finalmente, o aumento da densidade e a difusão do uso misto do espaço, ao concentrar comércios, residências, espaços públicos e afins, aumenta a presença de pessoas nas ruas e o grau de atividade durante os dias e as noites.
Uma Responsabilidade Permanente
O poder público pode atuar de numerosas maneiras para aumentar a sensação de segurança nas cidades. A tragédia dos ataques recentes deve nos lembrar do óbvio: é necessário o esforço permanente de construir as condições para que todos se sintam seguros e livres para andar na cidade onde vivem. É a responsabilidade permanente de todos nós!
SOPHIA MOTTA - Arquiteta e urbansita, especialista em Gestão de Projetos e mestre em arquitetura pela UFRN. Atualmente é sócia da PSA Arquitetura em São Paulo e da PYPA Urbanismo & Desenvolvimento Urbano em Natal-RN.