Fale Conosco
Por linkdosite
Quarta, 09 de Outubro de 2024
17°C 25°C
São Paulo, SP
Publicidade

‘Bebê a bordo’ é pioneiro no acolhimento de mães no ambiente escolar em Sergipe

Empatia e sororidade são palavras-chave no projeto que busca reduzir índices de evasão escolar e garantir direitos previstos na Constituição e no ECA

12/05/2023 às 11h05
Por: Redação Fonte: Secom Sergipe
Compartilhe:

A maternidade é considerada um momento único na vida de muitas mulheres. O poder transformador de ser mãe é indiscutível: nasce o filho e renasce uma nova mulher. No entanto, essa nova versão da mulher que surge vai precisar encarar uma série de novidades, como a amamentação, os cuidados com o bebê e a privação do sono. Também terá que lidar com um turbilhão de novos sentimentos: o medo de não dar conta, a culpa, o cansaço, a solidão e a responsabilidade, misturados aos hormônios, os quais fazem do início dessa jornada um momento muito intenso. No caso de adolescentes e jovens em idade escolar, isso pode ser um verdadeiro pesadelo se não houver um ambiente que as acolha.

Este é o sentimento de Maria Joana Batista Pinto, 20 anos, mãe de um menino de 1 ano e 8 meses, e estudante da 3ª série do ensino médio do Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, situado em Santa Rosa de Lima, Sergipe. Experiência também vivenciada por outras estudantes/mães acolhidas pelo projeto ‘Bebê a Bordo’, que busca, por meio da empatia e da sororidade da comunidade escolar, garantir direitos previstos tanto na Constituição Cidadã de 1988 quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), sancionado em 13 de julho de 1990, através da Lei nº 8.069, e controlar a evasão escolar na unidade de ensino. 

“Eu retornei aos estudos quando estava gestante e fui acolhida por meus professores e colegas mesmo depois de o meu filho ter nascido. Logo no início, eu não tinha com quem deixá-lo, pois minha mãe trabalha em casa de família e não é sempre que ela está com tempo livre. Então, até os seis meses dele, nós íamos juntos para a escola. Eu podia amamentá-lo, aprendi sobre primeiros socorros, a fazer massagem, a desobstruir as vias respiratórias e até a dar banho no meu bebê. Foi como uma terapia porque eu criei uma rotina e um vínculo forte com o meu filho”, admite Maria Joana. A estudante afirma que no início resistiu à ideia de voltar para a escola. “Hoje, meu filho tem uma vaga na creche, no período integral, e eu estou muito feliz porque é próximo da minha escola e eu posso ir à escola sem ele, mas sabendo que ele está sendo bem cuidado”, enfatiza.

Para o diretor do Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, Almir Pinto de Melo, não há dúvidas de que o fato de ser mãe altera profundamente a vida de uma adolescente, mas a sua condição de pessoa em desenvolvimento, sujeito de direitos e que deve ser tratada com prioridade absoluta, não pode ser alterada sob qualquer pretexto.

“Eu confesso que tive um pouco de resistência, logo no início, de receber as mães com seus filhos na escola. Até o dia em que fui indagado por uma aluna. Ela veio até mim e disse que queria muito finalizar os estudos, mas não conseguiria sem a minha ajuda. Então, no papel de educador, eu parei e refleti como poderia amparar essas jovens mães”, lembra o diretor. “A partir daquela conversa franca, uma onda de empatia começou a se formar em nossa escola. Na época, contávamos com 210 alunos matriculados, 10% dos quais ou eram mães ou estavam gestantes”, complementa Almir.

Se a empatia tomou o coração do gestor, foi a sororidade que motivou a professora de educação física Gleide Soares Leandro a idealizar o projeto ‘Bebê a bordo’, em 2019. Gleide sublinha que: “Infelizmente, nós convivíamos com essa realidade em nosso município: jovens meninas abandonando os estudos por motivo de gravidez e sem perspectiva de vida. Eu queria ajudar a mudar essa realidade, mas não sabia como. Até o dia em que fui apresentada à massagem Shantala, um tipo de massagem indiana, excelente para acalmar o bebê e que aumenta o vínculo afetivo entre mãe e filho. Decidi, então, incluir a massagem na escola como disciplina eletiva e depois fomos incorporando outras formas de cuidados com os bebês para deixar as mães mais seguras no seu novo papel”.

A comunidade escolar acolheu tão bem o projeto que, atualmente, todos os alunos se dedicam aos cuidados infantis. “O projeto é uma lição de vida para esses jovens. Seja menina ou menino, eles ajudam as colegas mães a cuidarem de seus filhos enquanto elas precisam finalizar as atividades de classe. Aqui na escola é comum ver uma mãe amamentando seu filho ou um colega segurando o bebê enquanto assiste à aula.  Além disso, por vivenciarem de perto a experiência da paternidade, estão se convencendo de que o planejamento familiar é a melhor decisão a ser tomada”, aponta o diretor Almir.

Escola traz novas possibilidades

Com os olhos lacrimejando, Jéssica de Santana Santos, 27, mãe de quatro filhos, narra a luta que enfrentou para retornar à escola após nove anos de desistência. “Eu casei com 16 anos e depois de casada tive que parar de estudar porque meu marido tinha ciúmes e não me deixava frequentar a escola. Eu obedeci até o dia em que ele puxou uma faca para me machucar. Nesse dia decidi voltar para casa, mas minha família não me apoiava e não acreditava nos meus sonhos. Eu cheguei a pensar em tirar minha própria vida”, desabafa.

A estudante lembra que foi por meio do programa Busca Ativa que a escola a convenceu a retomar. “Eles me resgataram da vida sem sentido que eu estava levando e me deram todo o apoio que eu e os meus filhos precisávamos”. Hoje, Jéssica cursa a 2ª série do ensino médio do Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo. Como reconhecimento de seu esforço, recentemente ela foi contemplada com uma bolsa de iniciação científica. Sua meta para o futuro é se formar no curso técnico de enfermagem.

Lícia Fernanda Santana Santos, 26, é mãe de três crianças e está gestante de seis meses do quarto filho e, assim como sua irmã Jéssica, também é marcada por uma história sofrida. “Eu tive meu primeiro filho com 16 anos. Dois anos depois tive a menina, nos outros dois anos tive a terceira e agora estou gestante. Eu abandonei a escola no 6º ano a fim de me mudar para Recife juntamente com meu ex-marido. Entre as idas e vindas de uma escola e outra eu gostava de fazer farra e não me importava com os meus filhos. Felizmente, em 2021, eu fui acolhida por essa escola e aqui eu vou ficar até terminar os estudos”, salienta a aluna da 2ª série do ensino médio do Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo.

Lícia realça que já não é mais aquela menina. “Eu sinto que o ‘Bebê a bordo’ me ajudou a ter mais paciência com os meus filhos, a cuidar melhor deles, me importar com eles. Hoje, eu sei que filho não empata a vida de ninguém, mas também sei que é preciso uma rede de apoio que nos acolha, se não fica mais difícil de a gente conseguir lidar com todas essas mudanças sozinha”, diz a jovem, que pensa em se profissionalizar na área de estética.

Maria Joana também acredita que ter retornado à escola foi uma boa decisão. “Tem uma menina que conseguiu terminar os estudos e entrar na universidade, mesmo sendo mãe. Eu me inspiro muito nela. Eu penso em continuar os meus estudos e quero fazer enfermagem porque gosto de cuidar das pessoas. Na verdade, eu quero que meu filho tenha orgulho de mim”, reforça.

Alimentando sonhos e esperança

Engana-se quem pensa que o ‘Bebê a bordo’ é um projeto de acolhimento só para jovens mamães. A merendeira Alaita Alves Viana, 44, mãe de duas crianças, evidencia que se trata de um projeto vivo, cujo objetivo é acolher mães ou pais que precisam estar com o seu filho no ambiente escolar.

“Eu sou de Recife e minha família toda mora na Paraíba. Vim para cá depois de passar no concurso. Sem parentes por perto, com um filho pequeno e grávida da mais nova, achei que não conseguiria sozinha, mas a generosidade e o acolhimento dessas pessoas foram o suficiente para eu me sentir em casa nos momentos em que eu mais precisava. Hoje, cuido e alimento com carinho e amor os filhos e as filhas de nossas alunas como se fossem meus próprios filhos porque eu quero que elas sintam o mesmo afeto que eu senti”, conclui.  

 Cenário de exclusão educacional no Brasil

Conforme o relatório ‘Cenário de exclusão escolar no Brasil’, publicado em 2021 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em parceria com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação e Ações Comunitárias (Cenpec), a gravidez na infância ou na adolescência, alegada como motivo para que as meninas deixem os estudos, tem impactos na escolarização e também ao longo da vida da mãe e da criança.

Das 29.662 meninas de 11 a 14 anos entrevistadas, 4.112 (13,9%) deixaram de frequentar a escola por motivo de gravidez. Enquanto, das 279.761 adolescentes de 15 a 17 anos entrevistadas, 71.504 (25,6%) deixaram de frequentar a escola pelo mesmo motivo. Além disso, o relatório revela que 95% das adolescentes de 15 a 19 anos, com filhos nascidos vivos no período de 2010 a 2019, não completaram a escolarização básica, indicando um sério desafio para as políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes. Chama ainda a atenção a ausência de meninos que declararam gravidez, envolvimento nos afazeres ou nos cuidados domésticos como motivos para deixar a escola, indicando que a responsabilidade pela gravidez não é compartilhada.

Nesse contexto, o papel da equipe escolar em acolher as estudantes para evitar evasão é de extrema importância, apesar de ainda ser um assunto pouco discutido. A preparação de todos os profissionais é fundamental para que essa jovem, que já enfrenta desafios, sinta-se segura, acolhida e motivada a continuar seus estudos.

No caso específico do Centro de Excelência Dr. Edélzio Vieira de Melo, a realização de projetos inclusivos e acolhedores como o ‘Bebê a bordo’ garantiram um excelente desempenho da unidade escolar com o passar dos anos. “No passado, o índice de evasão escolar atingia o patamar de 43%. Atualmente, nosso índice de evasão escolar está zerado, ou seja, a quantidade de alunos matriculados na primeira série do ensino médio é a mesma de concluintes na nossa escola. Isso é o máximo, é tudo que um gestor pode querer”, comemora o diretor Almir.

 Direitos garantidos na Constituição e no ECA

Não se trata apenas de empatia e sororidade, mas da garantia de direitos já estabelecidos. O Decreto-Lei n° 1.044/1969 garante estudos e assistência domiciliar após o oitavo mês de gestação e durante três meses após o parto. O requerimento do benefício e extensão do período são realizados via atestado médico. A estudante deve avaliar, em conjunto com a equipe pedagógica, se há condições de realizar atividades remotas e acompanhamento domiciliar. Ao mesmo tempo, as equipes médica e pedagógica avaliam o período ideal de retorno às aulas presenciais com condições de assistência ao bebê.

Além da constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê o direito à educação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. No entanto, a adolescente grávida excluída do espaço escolar não é contemplada em vários desses direitos. Quando retorna às aulas presenciais, a estudante tem direito a amamentar seu filho no ambiente escolar.

 Para viabilizar isso, o projeto de lei n° 451/19, que tramita na Câmara dos Deputados e aguarda parecer do relator na Comissão de Educação (CE), obriga o Estado a adotar medidas de acolhimento, adaptando as instalações escolares. Além disso, é importante que a escola articule ações com outros setores do município que acolham a jovem mãe, como Unidade Básica de Saúde (UBS) e secretaria de assistência social. 

* O conteúdo de cada comentário é de responsabilidade de quem realizá-lo. Nos reservamos ao direito de reprovar ou eliminar comentários em desacordo com o propósito do site ou que contenham palavras ofensivas.
500 caracteres restantes.
Comentar
Mostrar mais comentários
Publicidade
Publicidade


 


 

Economia
Dólar
R$ 0,00 +0,00%
Euro
R$ 0,00 +0,00%
Peso Argentino
R$ 0,00 +0,00%
Bitcoin
R$ 0,00 +0,00%
Ibovespa
0,00 pts %
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Anúncio