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Boletim de ocorrência e confiança cidadã nas polícias

Mesmo que não gere procedimentos investigativos, a comunicação do crime é relevante para a polícia ter ciência das dinâmicas criminais.

20/05/2023 às 08h25
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/
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Boletim de ocorrência e confiança cidadã nas polícias

Quando o cidadão relata uma notícia de crime numa delegacia de Polícia Civil, o que acontece? Em geral, essa notícia é resumida num boletim de ocorrência policial, que é um documento elementar para transformação da narração de uma notícia de crime num discurso oficial. Com o conhecido B.O., portanto, o Estado tem a responsabilidade de investigar um possível crime e apontar o acusado. Desse modo, o boletim de ocorrência funciona como um elo entre polícia e sociedade, sendo indicativo de que os cidadãos acreditam na polícia como agência estatal legítima para atuar em casos de conflitualidades e violências.

No Distrito Federal, segundo dados do Relatório Anual de Gestão de 2022, a Polícia Civil registrou 432.679 boletins de ocorrência, o que corresponde a 13 mil ocorrências para cada 100 mil habitantes da Capital Federal. Cerca de 60% dessas ocorrências são de ordem criminal, o que provoca investigações policiais. Há casos graves, como homicídios, latrocínios, roubos, agressões domésticas; e também situações mais simples, como injúrias, furtos, receptações. Do montante de boletins registrados em 2022, em média 63.511 geraram procedimentos, como inquéritos, termos circunstanciados e apurações análogas a crimes praticados por menores de idade. Cerca de 40% desses procedimentos decorreram de situações em flagrante.

Como se observa, aproximadamente 15% dos boletins de ocorrência geraram procedimentos. Isso significa que essas notícias de crime passaram a ter investigação ativa, na qual a polícia civil busca a materialidade do fato criminal e a identificação de autoria. Essa seletividade decorre de fatores diversos, mas, principalmente, de elementos mínimos que permitam o levantamento da autoria para o encaminhamento ao Poder Judiciário. Com efeito, a maioria dos boletins de ocorrência se resume a uma comunicação de crime; assim, não gerando investigações particularmente pela falta de requisitos para se iniciar qualquer investigação.

Nesse contexto, por exemplo, boletins de ocorrência relacionado a crimes contra a vida – por exemplo, homicídio – necessariamente são investigados. Em regra, no caso de homicídio, inquéritos são instaurados para apuração da autoria. Por outro lado, boletins em certos crimes patrimoniais, como um furto, só quando há elementos mínimos para o apontamento da autoria é que se instaura um procedimento. Essa última situação, que faz parte da grande maioria dos casos, pode frustrar o cidadão por não ver seu problema devidamente solucionado; todavia a comunicação do crime não se destina só para que um caso seja elucidado, porém funciona como registro oficial da criminalidade.

Diante disso, mesmo sem gerar procedimentos investigativos, a comunicação do crime é relevante para a polícia ter ciência das dinâmicas criminais. Ora, a soma de registros permite que as corporações conheçam os tipos criminais mais frequentes, além dos locais e horários em que mais acontecem. Esse conhecimento, embora não necessariamente gere soluções para casos específicos, possibilita às polícias realizar metainvestigações que ligam diversas notícias de crime aos possíveis suspeitos envolvidos.

O conjunto de boletins de ocorrência representa uma amostra significativa da criminalidade, o que não serve só para as polícias, mas também para outras agências governamentais a fim de elaborar políticas públicas voltadas para a área de segurança pública. Por certo, deve haver muitas cifras negativas, ou seja, casos que não chegam ao conhecimento das autoridades, contudo as notícias oficializadas já traçam um panorama da criminalidade. Então, mesmo que o cidadão não tenha seu caso elucidado pela polícia, é ressaltante para o Estado ter conhecimento dos crimes. Por isso, apresentar uma notícia de crime, que é sumarizada num boletim de ocorrência, é um direito do cidadão e ato de cidadania.

Os boletins de ocorrência, por certo, têm suas deficiências, como carência de completude, integridade, cobertura e precisão, além de nem sempre oferecerem respostas diretas aos cidadãos em relação à elucidação dos crimes.  Apesar dessas limitações, o boletim de ocorrência é parte da relação entre polícia e sociedade, logo a quantidade de registros não só trata da comunicação de crimes, mas também do grau de confiança dos cidadãos nas polícias. Assim, a queda gritante de boletins de ocorrência pode não significar redução da criminalidade, mas a perda na crença da polícia como canal legítimo de enfrentamento das delinquências numa dada sociedade.

ALEXANDRE PEREIRA DA ROCHA - Doutor em Ciências Sociais (UnB); membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

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