ARTICULISTAS GOVERNANÇA
GOVERNANÇA EM POLÍTICAS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA
É necessário que a avaliação de questões institucionais e organizacionais para atingir as finalidades das políticas públicas entre na agenda pública, especialmente no contexto de arranjos intersetoriais sendo criados como estruturas formais do Estado.
05/06/2023 18h53 Atualizada há 1 ano
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br/

A palavra “governança” entrou definitivamente no vocabulário de gestores públicos, de executivos de entidades da sociedade civil e do mundo corporativo. A complexificação das relações entre sociedade civil e o Poder Público em setores diversos e, mais recentemente, debates como a agenda ESG, são alguns dos fatores que popularizaram o termo.

Apesar de ser um conceito polissêmico e de uso quase indiscriminado, pode ser bem utilizado, especialmente se contextualizado adequadamente. Aqui pretendemos argumentar que, além de definir o termo, é preciso falar sobre métodos e critérios para analisar e medir efetivamente a qualidade da governança no campo das políticas públicas.

Algumas iniciativas criadas recentemente no Brasil no campo da prevenção à violência chamam a atenção por integrarem Poder Público – poderes e órgãos diversos, sociedade civil, organismos internacionais, e entes federativos diferentes. É o caso de algumas secretarias criadas para serem articuladoras de múltiplos atores, promovendo políticas intersetoriais e organizando informações e dados desconectados. Citamos a Secretaria Estadual de Prevenção à Violência e às Drogas de Pernambuco, criada em 2019, e a recente Secretaria Municipal de Favelas, em Ferraz de Vasconcelos -SP. No âmbito do governo federal, agora em 2023 foram criadas estruturas específicas para articulação no bojo da Secretária-Geral da Presidência, destacando-se a Secretaria Nacional de Diálogo Social e Articulação de Políticas Públicas. Vale mencionar também o “Programa de Fortalecimento do Monitoramento e da Fiscalização dos Sistema Prisional e Socioeducativo”, do CNJ, chamado de “Fazendo Justiça”, executado em parceria com o PNUD e SENAPPEN.

Nesse cenário de políticas intersetoriais, relações interfederativas e desenvolvidas por meio de redes compostas por stakeholders diversos, estudos avaliativos do campo do Monitoramento, Avaliação e Aprendizagem devem dar suporte para a implementação das políticas e dos processos de trabalho e não somente avaliando resultados e impacto.

Rodrigo Azevedo (2023) mencionou aqui mesmo no Fonte Segura que a “integração de esforços dos diversos entes federativos, poderes institucionais e sociedade civil é o único caminho para dar conta do aumento da conflitualidade social”. Nesse sentido, a definição de governança de Marques (2013) dá contornos para essa integração: a governança seria “o conjunto de atores estatais e não estatais interligados por laços formais e informais, operando no processo de produção de políticas públicas, em contextos institucionais específicos”.

Essa definição aponta para a relevância da avaliação de processos e fluxos de trabalho visando ao aperfeiçoamento da coordenação das ações de todos envolvidos. Trata-se menos de avaliar as estruturas e órgãos de governança e mais, a dinâmica envolvida, os contextos institucionais e a efetiva participação dos múltiplos stakeholders. Em muitos casos, mesmo sendo a atuação em rede, a estrutura de coordenação das ações não contempla a diversidade das institucionalidades presentes.

Assim, argumentamos que o enfoque normativo e prescritivo sobre governança é menos relevante do que “pesquisar como de fato operam os atores, os interesses, as estruturas, os mecanismos e os instrumentos na organização e na condução do processo de formulação e de implementação de uma política pública ou de uma área específica de atuação estatal” (Cavalcanti e Pires, 2018).

Isto é, um bom modelo é aquele que justamente cria mecanismos para participação efetiva dos envolvidos, com comunicação clara, fluxos de trabalho desenhados e conhecidos por todos, etc. Ou seja, construído para aquele arranjo específico e que tenha flexibilidade para ir sendo moldado conforme o desenvolvimento do projeto.

Estruturar critérios que informam uma boa governança pode ser mais relevante do que definir um modelo que seja exemplo por sua estrutura. Seguir as “boas práticas de governança” como se fossem fórmulas aplicáveis a todos os contextos institucionais é algo que está sendo paulatinamente superado.

Sugerimos, a partir de avaliações de progresso qualitativas realizadas em projetos de cooperação técnica internacional no campo da prevenção à violência, alguns critérios de análise relevantes para responder perguntas acerca do desenho e implementação das políticas: (i) estrutura e processos de supervisão (direcionamento e liderança do projeto), (ii) ações e usos do controle (monitoramento, avaliação e ações de comunicação), (iii) integração (entre atores, e alinhamento entre processos e atividades), (iv) processos decisórios (estrutura e delegação de poderes).

Nesse contexto, métodos como entrevistas em profundidade, questionários, grupos focais e até observação participante devem complementar as análises documentais. O campo de M&E tem expertise para realizar esse tipo de estudos e organismos internacionais e algumas entidades da sociedade civil já incorporaram a prática, mas avaliar questões institucionais e organizacionais visando atingir as finalidades das políticas públicas precisa entrar na agenda pública, especialmente no contexto de arranjos intersetoriais sendo criados como estruturas formais do Estado.

MARIANA K. KRUCHIN - Consultora jurídica de organizações da sociedade civil. Membro e pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.