No último dia 17 de maio, uma força-tarefa composta por cerca de 350 policiais de cinco estados, constituída para enfrentar uma ação do chamado “Novo Cangaço”, encerrou sua mobilização de 38 dias com um saldo impressionante:
18 suspeitos mortos, dentre os quais, segundo foi divulgado, 3 com vínculos com a maior fação criminosa organizada do país;
20 armas, entre as quais, dois fuzis calibre .50 e 11 fuzis AK-47, de calibre 7,62; além de diversos carregadores, milhares de munições, coletes à prova de balas, capacetes balísticos, materiais explosivos e detonadores.
A ação do grupo teve início na cidade de Confresa (MT) no dia 9 de abril, em uma ação que incluiu um ataque a um quartel da PM, a invasão de uma transportadora de valores e ainda diversos explosivos espalhados pela cidade. Em fuga os criminosos passaram por diversas cidades no Mato Grosso e Tocantins, incluindo Santa Terezinha (MT); Pium (TO); Marianópolis (TO) e Caseara (TO). A quadrilha chegou a utilizar embarcações nos rios Javaés e Araguaia, cruzando a divisa entre os dois estados.
O fenômeno denominado de NOVO CANGAÇO surgiu há cerca de duas décadas, representando ações criminosas organizadas, que tinham como alvos pequenas e médias cidades do interior do país, e que revelaram uma mudança estratégica no enquadramento dos crimes deste tipo, ou seja, uma interiorização da criminalidade relacionada a grandes assaltos e roubos.
O trabalho dos órgãos de repressão e de investigação neste caso foi e será ainda grande. A identificação dos mortos e sobreviventes do grupo, com possíveis detenções, serão prioridade. Nunca foi tão importante lembrar a necessidade de INTEGRAÇÃO entre as forças policiais envolvidas. Falamos aqui das polícias civis dos estados, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e das polícias militares, que precisam unir forças e sobretudo compartilhar informações estratégicas.
O trabalho das equipes de perícia dos estados e eventualmente da Polícia Federal pode também ter importante papel. Qual a contribuição da perícia nesses casos? Vamos tentar esclarecer:
O momento inicial, pós-ocorrência, será sempre crucial: os vestígios gerados nas ações criminosas e durante a perseguição e confrontos devem ser preservados com toda a cautela para que sejam processados pelas equipes periciais. Trata-se de uma verdadeira corrida contra o tempo, já que vestígios ou evidências podem ser perdidos, destruídos, contaminados, adulterados ou mesmo ignorados. É nessa fase que se faz o trabalho mais pesado: a aquisição de todos os dados possíveis, levantamentos de cenas de crime, exames em veículos, recolhimento de vestígios, objetos, registros diversos.
Uma consideração relevante é sobre a dimensão do que seria esse nosso megalocal de crime. A operação se deu em um raio que incluiu extensas áreas entre os estados citados. A princípio e a rigor, todas as vias de acesso utilizadas no deslocamento e fuga são consideradas parte do local de crime, incluindo estradas e rios.
Na fase seguinte os vestígios, cada qual com suas características específicas, distribuídos principalmente segundo sua natureza física, biológica, química, chegarão aos laboratórios forenses especializados, onde serão examinados, processados e arquivados.
Diversos vestígios, como por exemplo sangue, farão parte do rol de evidências coletadas e esse certamente será um vestígio fundamental, pois pode ligar o DNA encontrado no material hemático ao perfil genético de um suspeito. Além dessa evidência, podemos certamente cravar que existem muitas outras possivelmente coletadas: impressões digitais, elementos balísticos em profusão (incluindo estojos deflagrados, projéteis, armas eventualmente abandonadas ou perdidas durante a ação), material explosivo, imagens de câmeras de segurança, dentre outras. Aparelhos celulares encontrados com os suspeitos (mortos ou vivos), podem também trazer informações importantes e vão demandar exames periciais.
Sobre as armas apreendidas, chama a atenção a presença de fuzis calibre .50, de alto poder de fogo. A mídia noticiou que pelo menos um desses fuzis teve sua origem rastreada e vinculada à Polícia Militar de SP, de onde teria sido furtado.
Os materiais explosivos também serão objeto de exames periciais. Existe sempre a possibilidade de seu rastreamento, seja pela identificação química do tipo de explosivo empregado, seja por números de lote e outros que eventualmente são observados nesses vestígios. Esse material, por sinal, merece por parte dos nossos organismos de fiscalização uma melhor atenção. Não é possível que as organizações criminosas tenham um acesso tão facilitado sobre substâncias e materiais considerados controlados.
São esses os nossos novos desafios, enfrentando esse NOVO CANGAÇO!
CÁSSIO THYONE ALMEIDA DE ROSA - Perito Criminal Aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e professor da Academia da PCDF, da Academia Nacional de Polícia da Polícia Federal e do Centro de Formação de Praças da PMDF. Graduado em Geologia pela UnB, com especialização em Geologia Econômica. É também Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.