ARTICULISTAS FOGO CRUZADO
O QUE O CONGRESSO BRASILEIRO TEM A DIZER SOBRE O ARMAMENTO DA POPULAÇÃO CIVIL?
Localizamos mais de 1800 discursos, classificados de acordo com autores, partidos, unidades da federação, temas e outras variáveis que permitem entender de que maneira os parlamentares falaram no passado e falam, ainda hoje, sobre a circulação de armas de fogo no país.
06/06/2023 11h41
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br

O debate acerca do acesso de civis a armas de fogo no Brasil não é novo. Em 2023 completamos 20 anos da promulgação do Estatuto do Desarmamento e 18 da realização do referendo que versou sobre a comercialização de armas de fogo e munições em todo o país. Mas as polêmicas em torno do tema não arrefeceram desde então. Muito pelo contrário: nos últimos cinco anos, a ampliação do acesso de civis a armas de fogo foi convertida em moeda corrente no discurso político brasileiro, aparecendo com centralidade na campanha presidencial de 2018 e nas primeiras iniciativas legislativas do então presidente Jair Bolsonaro, ainda no ano de 2019.

Frente ao expressivo aumento do número de armas em circulação, a partir dos decretos e portarias editados pelo governo federal ao longo dos últimos anos, o Instituto Fogo Cruzado decidiu analisar o papel desempenhado pelo Congresso Nacional nesta questão. Responsáveis pela fiscalização dos atos do Poder Executivo e consideradas caixas de ressonância dos interesses e discursos presentes na sociedade brasileira, as duas casas legislativas falaram pouco sobre o armamento da população civil em anos recentes. Mas isso não foi sempre assim: se na última legislatura (2019-2022) encontramos apenas 100 discursos proferidos em plenário pelos parlamentares, em anos anteriores identificamos profícua atividade de debate sobre o tema, que aparece nos registros do Congresso desde a década de 1950.

Utilizando os mecanismos de busca da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, localizamos mais de 1800 discursos, classificados pelo Fogo Cruzado de acordo com autores, partidos, unidades da federação, temas e outras variáveis que permitam entender de que maneira os parlamentares falaram no passado e falam, ainda hoje, sobre a circulação de armas de fogo no país. Através desse exercício será possível compreender quais foram os argumentos favoráveis e contrários à ampliação do acesso de civis às armas ao longo dos anos, bem como identificar os atores políticos mais empenhados nesta agenda — seja nas posições pró-armamento civil, seja nas posições pró-controle do acesso às armas de fogo.

Os primeiros resultados mostram que o auge das discussões no parlamento ocorreu no início dos anos 2000, quando se discutiu a aprovação do Estatuto do Desarmamento e a realização do referendo. Como dito anteriormente, nos últimos quatro anos, apesar do grande número de medidas que aumentaram o acesso a armas de fogo e diminuíram a fiscalização sobre aqueles que as possuem, a tribuna foi pouco utilizada. Todavia, na legislatura atual, que completou 100 dias de atividade no dia 11 de maio, 20 parlamentares já utilizaram a tribuna 30 vezes para proferir discursos sobre o armamento civil. Desses, apenas dois não defenderam a ampliação do acesso. Ou seja, o que parecia ter perdido força nos últimos anos volta a ter importância, uma vez que se nota que quem ocupa esse debate são aqueles que defendem o armamento. E por que quem defende o controle não ocupa esse espaço?

O mapeamento das posições existentes no Congresso Nacional permitirá — para além da identificação de atores políticos relevantes para a agenda — abrir uma janela para o debate mais amplo que se processa no âmbito da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, produtor e reprodutor de discursos que circulam socialmente, o parlamento cristaliza argumentos existentes em outros espaços, bem como cria novas formas de falar sobre o tema que são abraçadas por atores diversos. No caso particular do ambiente legislativo, as falas estão frequentemente acompanhadas de iniciativas que pretendem alterar normas jurídicas e regulações, o que significa que estamos abordando discursos com potenciais consequências concretas e palpáveis.

Nesse sentido, trata-se de um ambiente que traz muitas possibilidades do ponto de vista da necessária compreensão das tendências que devem pautar tanto os esforços de ampliação quanto os de controle do acesso da população civil às armas de fogo. Organizar esse conhecimento sobre o passado e sobre o presente significa construir repertórios mais qualificados para a ação política que incida no vetor mais importante da violência no Brasil. 

O circuito das armas de fogo no Brasil é complexo e envolve muitos atores e dimensões, sendo a parlamentar, certamente, uma das que devem ser melhor compreendidas. Quem fala e o que falam sobre armas de fogo no Congresso é o que o Instituto Fogo Cruzado pretende responder, de forma que esse conhecimento traga mais insumos para quem atua nessa agenda.

TERINE HUSEK - Socióloga e Coordenadora de Pesquisa do Instituto Fogo Cruzado.

IRIS ROSA - Socióloga e Pesquisadora do Instituto Fogo Cruzado.

PEDRO BENETTI - Cientista Político e Professor da UERJ.