ARTICULISTAS PONTO DE VISTA
Não faça de conta que não viu, porque você viu!
Não há espaço para se tolerar a violência!. As Medidas Protetivas são fundamentais, necessárias, mas sozinhas não resolvem. É preciso ampliar a rede de enfrentamento, de proteção e de prevenção, mobilizando todos para o rompimento do ciclo da violência!
13/06/2023 12h38
Por: Carlos Nascimento Fonte: *Iracema Silva

A compreensão do fenômeno social da violência contra a mulher e todas as dimensões que envolvem o seu enfrentamento e a sua prevenção, precisa incluir o seu principal agente: o homem e o seu lugar nesse cenário.

É prioridade social, é prioridade de saúde física e emocional, é prioridade de educação e de segurança pública, ampliar o olhar sobre o homem, a sua percepção sobre o contexto da violência, a sua visão distorcida sobre as próprias emoções, a sua responsabilidade na descontinuidade desse cenário, o seu papel social e a conscientização de que nunca lhe foi autorizado ofender, agredir, ferir e matar a mulher.

Não há espaço para se tolerar a violência!.

O senso de urgência deve permear as discussões com a pauta da violência contra a mulher para que as propostas avancem e se efetivem com maior assertividade! O momento pede ações efetivas sobre esses comportamentos disfuncionais, violentos e letais, como também não é mais possível deixar de envolver todos os segmentos da sociedade no enfrentamento e prevenção ao feminicídio.

As medidas restritivas em face do agressor precisam ser ampliadas para além das Medidas Protetivas de Urgência, que são decretadas pela Justiça como meio de gestão social do risco e de proteção a direitos fundamentais da mulher, para evitar a continuidade da violência e das situações que contribuem para a sua ocorrência.

As Medidas Protetivas são fundamentais, necessárias, mas sozinhas não resolvem. É preciso ampliar a rede de enfrentamento, de proteção e de prevenção, mobilizando todos para o rompimento do ciclo da violência!

É preciso alcançar espaços sociais e laborais masculinos onde as relações cotidianas evidenciem sinais de comportamentos agressivos, de falas desqualificadoras, de narrativas ofensivas, de comentários infelizes, de competição desleal, de posturas viciadas pela masculinidade tóxica, como uma “cultura” que define e valida o papel do homem.

A sociedade civil, o segmento privado, precisam se engajar na estratégia de controle e intervenção na maneira do homem se comportar nas suas relações cotidianas, que envolve o ambiente laboral, o familiar e o social.

A violência é sempre algo reprovável, não importa a sua origem, nem onde se estabelece.

São violências que se manifestam nos olhares, nas críticas que desqualificam, na indiferença, nas ausências, nos insultos, nos gritos, nas ameaças, nas expressões que ofendem, nas comparações que humilham, nos toques desagradáveis, chegando à violência real, com o uso intencional da força física.

Esta conduta abusiva que submete a mulher ao arbítrio pessoal do agressor, não pode ficar invisível aos familiares, aos colegas de trabalho, aos amigos, aos vizinhos e à sociedade.

O padrão de comportamento omissivo, de vizinhos, amigos e parentes, ao primeiro gesto de controle abusivo, ao primeiro ruído de violência, ao primeiro grito de socorro, também precisa ser mudado.

Precisamos de mais solidariedade, de mais empatia, de mais “eu me importo com você”!

Intervir em uma situação de violência doméstica e familiar contra a mulher deve ser um compromisso social e fraternal, que se efetiva em um movimento de auxílio pessoal ou acionando a força policial necessária à contenção do episódio da violência. É urgente ampliar o olhar sobre as dores e aflições do outro. É preciso sair da condição de telespectadores das notícias trágicas e da estatística e assumir uma posição real de intolerância aos comportamentos agressivos, abusivos, dominadores, descorteses, misóginos, homofóbicos, homicidas e feminicidas.

Chegamos a um ponto de intolerância e de indignação que é preciso intervir com mais rigor, para transformar! É preciso fiscalizar com mais eficiência para controlar! É preciso priorizar a vida para pacificar!

Na violência doméstica contra uma mulher, você deve e pode ser a colher!

A colher que faz a contenção, a colher que protege, a colher que acolhe, a colher que socorre, a colher que recolhe, a colher que denuncia, a colher que pede ajuda e envolve mais e mais pessoas nesta ação e luta, a colher que simboliza a cultura da não violência.

Seja você homem ou mulher, parente, amigo, colega, vizinho, conhecido ou não daquela vítima, livre ela da ira do seu agressor!

Não faça de conta que não viu, porque você viu!

Não faça de conta que não ouviu, porque você escutou!

Não diga “não tenho nada com isso”, porque você está aqui, convivendo nesta sociedade, que não pode ficar mais entristecida e enferma com tanta violência sobre o corpo da mulher.

Não diga “isso não é da minha conta”, porque esta conta é de todos nós e está ficando cada dia mais cara, e mais próxima!

Precisamos alinhar todos, poder público, segmento privado, mídia, igrejas, redes sociais, instituições de ensino e toda a sociedade nesta rede para romper o silêncio, quebrar o ciclo da violência, contribuir na transformação da vida relacional, fortalecer a proposta da cultura de paz e impedir que a omissão produza mais vítimas.

*Iracema Silva

Advogada, Mestra em Segurança Pública, Justiça e Cidadania, Professora de Direito Penal, Delegada da Polícia Civil da Bahia aposentada. Coordenadora do Núcleo de Enfrentamento e Prevenção ao Feminicídio – NEF/SPMJ, da Prefeitura de Salvador.