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O USO DA FORÇA LETAL PELA POLÍCIA:

UMA ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE BRASIL E FILIPINAS.

17/06/2023 às 15h35
Por: Carlos Nascimento Fonte: fontesegura.forumseguranca.org.br
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O USO DA FORÇA LETAL PELA POLÍCIA:

O trabalho traz elementos que tornam possível avançar na compreensão das dinâmicas da letalidade policial, algo que é fundamental para a formulação de políticas e práticas que visem reduzir a violência estatal e garantir a segurança e os direitos humanos de todos os cidadãos.

A violência policial é uma questão complexa e preocupante em muitos países ao redor do mundo. Particularmente no Brasil e nas Filipinas, o número de pessoas mortas por agentes da polícia em serviço é alarmante, tanto em termos absolutos quanto per capita. Enquanto o Brasil enfrenta níveis elevados dessas mortes nas últimas décadas, nas Filipinas esse é um fenômeno recente. A letalidade policial, que era relativamente baixa até 2015, apresentou um aumento significativo após Rodrigo Duterte assumir a presidência em 2016, com uma agenda de guerra às drogas e uso da força extrema pela polícia.

Em relatório que lançamos recentemente “Police use of deadly force in Brazil and the Philippines: What macro-level factors tell us” (disponível apenas em inglês) apresentamos os resultados iniciais de uma análise comparada a respeito do uso da força letal pela polícia no Brasil e nas Filipinas ao longo da última década. Nosso foco é uma abordagem subnacional (em nível de estado ou de províncias), analisando a correlação entre variáveis estruturais e o uso da força letal em ambos os países, a fim de verificar possíveis dinâmicas e fatores explicativos semelhantes.

A primeira informação relevante extraída da análise descritiva é de que a violência policial não se distribui de forma uniforme nos dois países, variando significativamente ao longo do tempo e no espaço. As principais explicações para essas variações podem residir tanto em variáveis estruturais, como níveis de pobreza, desigualdade, urbanização e criminalidade, quanto em variáveis de nível político e ideológico, como o posicionamento e ações de atores políticos e detentores do poder.

Por ora, no relatório exploramos apenas a primeira explicação, ou seja, a influência de fatores estruturais gerais no uso da força letal pela polícia. Para embasar nossa análise, consideramos duas teorias concorrentes: a teoria do conflito e a teoria do consenso.

A teoria do conflito pressupõe que a sociedade esteja dividida economicamente e racialmente, com as elites utilizando as instituições do Estado, especialmente a polícia, para proteger seus interesses e reprimir os subalternizados. Nesse contexto, a violência policial afetaria principalmente os membros de grupos marginalizados, considerados potencialmente perigosos.

Por outro lado, a teoria do consenso enfatiza os valores e objetivos compartilhados pela sociedade, argumentando que a polícia trabalha em prol do bem comum, sendo sua função manter a segurança e a ordem para todos. Segundo essa perspectiva, a violência policial seria uma reação às ações de criminosos que desafiam a ordem estabelecida.

No caso do Brasil e das Filipinas, nosso estudo considera a influência das principais variáveis estruturais no uso da força letal pela polícia, como densidade populacional, desigualdade, pobreza e criminalidade. A análise é dividida em dois períodos: antes de 2016 e depois, quando ambos os países adotaram abordagens mais rigorosas em relação ao combate ao crime.

Os resultados mais detalhados podem ser lidos no relatório, mas de maneira geral, encontramos resultados mistos.  No Brasil, entre 2011 e 2015 a letalidade se concentrou em estados mais populosos, mais ricos, com maior percentual de brancos e com maiores índices de roubos de carro. Todavia, entre 2016 e 2021, a letalidade foi maior nos estados com altos índices de desemprego e de homicídios.  Outras variáveis testadas, como densidade populacional, índice de desigualdade, tráfico de drogas e policiais mortos não tiveram efeito. De maneira geral, a análise dos estados brasileiros sugere que as variáveis estruturais tipicamente ligadas à teoria do consenso têm algum poder explicativo, mas ele é consideravelmente limitado.

Já nas Filipinas, nos dois períodos a letalidade foi maior nas províncias mais densas, populosas, urbanizadas, mais pobres e com mais registro de consumo de drogas, mas desigualdade social e indicadores de criminalidade não tiveram efeito. Neste caso também há pouco apoio para a teoria do conflito e do consenso.

Em perspectiva, a análise do uso da força letal pela polícia no Brasil e nas Filipinas revela diferenças significativas em relação às variáveis estruturais que influenciam essa prática. Embora existam alguns pontos de convergência entre as teorias do conflito e do consenso, é necessário levar em conta as especificidades de cada país e as complexidades das relações sociais e políticas em cada contexto. Cada país possui sua própria dinâmica e as explicações de natureza macro possuem limitações contextuais consideráveis. Portanto, é fundamental considerar fatores intermediários, como significados culturais, ordem normativa e práticas socialmente estabelecidas.

Por fim, é importante ressaltar que um dos elementos mais relevantes ligados ao fenômeno, seu aspecto político e ideológico, não foi trabalhado neste texto. No que diz respeito ao uso de força letal pela polícia, parece razoável que se considerem os efeitos de apoio de políticos e detentores de poder às agendas punitivas, repressivas e de endurecimento, o que faremos em trabalhos posteriores.

A despeito de suas limitações em forma e conteúdo, consideramos que o trabalho traz elementos que tornam possível avançar na compreensão das dinâmicas da letalidade policial, algo que é fundamental para a formulação de políticas e práticas que visem reduzir a violência estatal e garantir a segurança e os direitos humanos de todos os cidadãos.

ARIADNE NATAL - Doutora em sociologia, pesquisadora de pós-doutorado do Peace Research Institute Frankfurt (PRIF).

PETER KREUZER - Doutor em ciência política e pesquisador sênior no Peace Research Institute Frankfurt (PRIF).

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