O advogado Cristiano Zanin Martins, de 47 anos, foi aprovado pelo Senado, nesta quarta-feira (21), para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) oficializou a indicação de seu advogado para a vaga do ministro aposentado Ricardo Lewandowski em 1º de junho.
Aprovado pelo Senado, Zanin poderá ficar no STF até 2050, quando completa 75 anos, idade da aposentadoria compulsória no Judiciário.
Advogado do petista desde 2013, Zanin se tornou símbolo da ascensão e queda da Operação Lava Jato, mas no sentido inverso. Se durante anos amargou seguidas derrotas nos processos contra Lula, vendo o cliente ser preso e afastado das eleições de 2018, virou o jogo nos anos seguintes, revertendo as condenações e arquivando as mais de 20 ações e investigações que o alvejavam.
Durante todo esse período, Zanin manteve a mesma linha de defesa: além de alegar a inocência do atual presidente, apontando falta de provas de que teria se beneficiado de desvios da Petrobras, questionou, de forma insistente, inúmeros atos processuais.
Desde o início, contestou a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba para concentrar os casos, obtendo êxito em 2021, quando o Supremo mudou de posição, acolheu a tese e anulou as condenações de Lula. Além disso, acusou o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil-PR) de parcialidade e os procuradores da extinta força-tarefa de perseguição a Lula – tese aceita no STF e que levou as investigações à estaca zero e depois à prescrição.
Até hoje, Zanin alimenta a teoria de que Moro e o ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagol (Podemos-PR) conspiraram com os Estados Unidos com o objetivo de desmantelar a força da Petrobras no mercado internacional e a entrada de empreiteiras brasileiras no exterior. Valendo-se de mensagens hackeadas supostamente trocadas entre os dois, reforçou a narrativa de conluio entre juiz e acusação nos processos da “República de Curitiba”, o que contribuiu para o desmonte da maior operação de combate à corrupção já vista no país.
Se durante seu auge, a Lava Jato conseguiu avançar conquistando apoio da imprensa e da opinião pública, além de cooperações com outros países para obter provas, Zanin não ficou para trás. Na guerra contra a operação, acionou advogados e juristas fora do Brasil, levando o caso de Lula à Organização das Nações Unidas (ONU), onde conseguiu uma decisão favorável ao petista, importando para o Brasil a teoria do “lawfare” – junção das palavras “law” (lei, em inglês) e “warfare” (guerra).
“É o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar o inimigo”, definiu Zanin no livro que lançou em 2019 sobre o tema, em coautoria com sua mulher e sócia, Valeska Teixeira Martins, e o advogado Rafael Valim. Além da contraofensiva contra Moro e Dallagnol, processou, em nome de Lula, dezenas de jornalistas que também investigavam, em reportagens, suspeitas de corrupção sobre o presidente.
Mas, além de livrar Lula, Zanin abriu a porteira do Supremo para inúmeros outros réus na Lava Jato enterrarem seus processos. Numa ação apresentada em 2020, ele afirmou que os arquivos digitais da Odebrecht usados pelo Ministério Público Federal (MPF) para comprovar o pagamento de propina e caixa 2 poderiam estar adulterados, pela "forma obscura" como foram transportados da Suíça para o Brasil. Com isso, conseguiu que o ministro Ricardo Lewandowski, cuja cadeira passará a ocupar, anulasse a validade dos registros como prova e suspendesse inquéritos contra diversos políticos, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf (MDB), entre vários outros.
O sucesso na demolição da Lava Jato deu a Zanin notoriedade no mundo político e fez crescer ainda mais a confiança de Lula em seu advogado. Foram fatores que, desde antes da posse, já o tornavam favorito do presidente para substituir Lewandowski, também indicado por Lula em 2006 e considerado por ele o ministro mais fiel ao PT entre todos os indicados durante os governos do partido. Lula considera que Zanin é leal e não o “trairia” como outros ministros indicados por ele e pela ex-presidente Dilma Rousseff. Petistas se ressentem até hoje de terem apoiado as indicações de Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, pelo viés liberal na área econômica e por terem sido duros nos escândalos de corrupção do partido que chegaram à Corte.
Zanin também acabou conquistando simpatia entre os atuais integrantes do STF. Manifestaram-se a favor de sua indicação Gilmar Mendes, o decano e mais influente ministro da Corte, Cármen Lúcia e Barroso. “É um grande nome, haja vista a vitória que obteve ressuscitando o presidente Lula. E não há quebra do princípio da impessoalidade. A escolha é soberana do presidente, que deve indicar um jurista de cabedal bom na área do direito e da confiança dele. Não há desvio de finalidade”, disse o ministro aposentado Marco Aurélio Mello na época em que Lula revelou o nome que indicaria para a Suprema Corte.
Por causa do perfil garantista, já era dado como certo que seu nome seria aprovado com relativa facilidade no Senado - o que, de fato, ocorreu nesta quarta (21): 58 senadores votaram a favor da indicação de Zanin para o Supremo e 18 foram contrários.
Apesar disso, nos últimos meses, Zanin enfrentou resistência no mundo político, e não apenas de opositores de Lula no campo da direita, incomodados com a proximidade com o petista; e de apoiadores da Lava Jato, receosos de que sua entrada no STF aprofundará ainda mais o revés no combate à corrupção.
Resistência na esquerda
Houve e ainda há fortes reservas a Zanin sobretudo na esquerda. Petistas e advogados que preferiam outros nomes dizem que, fora a atuação na Lava Jato, pouco se sabe sobre o que Zanin pensa em temas caros ao campo progressista. “É um grande advogado, mas é profundamente conservador e enigmático. Nada se sabe sobre o que pensa sobre a questão tributária, criminalização da homofobia, direito agrário, movimentos sociais”, diz um advogado que circula nas rodas do partido e influente sobre o núcleo duro do governo.
Durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Zanin foi questionado sobre a pauta de costumes. O advogado insistiu em decisões já firmadas que definem regramentos. Sem expressar posição pessoal sobre os temas, Zanin pediu que se prestasse atenção nos direitos fundamentais e na capacidade do Congresso em propor novos entendimentos. No caso do aborto, disse se pautar pelas situações que o arcabouço jurídico já consideram a hipótese de interrupção da gravidez.
Na esquerda, há dúvida se Zanin será bom para o governo Lula. O temor é de que, como outros indicados por Lula, o advogado não dê atenção ao PT e à esquerda – Zanin sempre disse, aliás, que nunca foi filiado ao partido e nunca militou na política.
Em 2017, entrevistado por um veículo de Piracicaba, cidade onde nasceu, ele disse que tinha como referência na advocacia Sobral Pinto, advogado de direita que se notabilizou no Estado Novo e na ditadura militar por defender perseguidos políticos comunistas.
“Ele era uma pessoa conservadora, mas, na atuação dele como advogado, isso era absolutamente irrelevante. Ele defendeu pessoas de um espectro ideológico totalmente diferente e com a mesma altivez e pugnacidade com que defendia pessoas que estavam no mesmo espectro ideológico dele. Além da sabedoria jurídica, ele associava esse lado combativo e de indignação com a injustiça”, disse Zanin.
Parte da desconfiança se deve ao histórico do advogado antes de defender o presidente. Formado na PUC de São Paulo em 1999, Zanin se especializou em processo civil e direito empresarial. Recentemente, voltou a essas áreas para defender a J&F, em um acordo de leniência, e as Lojas Americanas, que enfrenta litígios com credores após a descoberta de uma fraude contábil, na qual foi revelado um rombo de R$ 20 bilhões nas contas.
Pela ligação com o alto empresariado, petistas têm suspeitas sobre seus vínculos, pois acham que, com a toga sobre os ombros, pode se virar contra a esquerda tradicional. “O pessoal tem medo que seja um Barroso 2.0”, resume um magistrado que também conhece bem esse grupo.
“É difícil saber o que disso tudo procede. E ninguém conhece mais o Zanin que o Lula”, diz uma advogada influente em Brasília. Para ela, a maioria das críticas vem de gente que gostaria de outro nome para o STF. Campanhas contra favoritos sempre ocorrem nos bastidores quando surge uma vaga no tribunal, porque a disputa é grande. Dessa vez, o mais forte concorrente de Zanin era o advogado da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e ex-secretário-geral do STF Manoel Carlos de Almeida Neto, ex-assessor de Lewandowski e preferido dele para a vaga.
A oposição a Zanin em segmentos próximos de Lula não impediu sua aprovação no Senado. Embora o advogado não faça parte de “panelinhas” conhecidas da advocacia de Brasília, buscou se aproximar nos últimos meses de parlamentares, para ganhar simpatia. É descrito como alguém muito polido e gentil, o que agrada à classe política, sempre interessada em criar pontes com o STF e ser bem recebida nos gabinetes dos ministros.